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Cinema Íntimo

Foto: Leila Fugii

Nascido em 1941, Patricio Guzmán deixou o Chile em 1973, sob ameaça do regime militar em vigor no país naquela época. Esse é um dos episódios que o diretor de A Batalha do Chile (1975-1978) e Nostalgia da Luz (2010) registra no recém-lançado livro Filmar o Que Não Se Vê (Edições Sesc São Paulo), trabalho capaz de transbordar a personalidade e experiências de vida do documentarista, e o que ele cunhou de “cinema pessoal”. Seu mais recente filme, O Botão de Pérola, foi o ganhador do prêmio de melhor roteiro no Festival de Berlim de 2015. Atualmente, Guzmán reside na França, mas segue viajando para promover seu trabalho. De passagem por São Paulo, para lançamento do livro, o cineasta conversou com a Revista E.

 

Recorte poético

A lembrança que tenho do meu primeiro contato com o cinema documental data de quando eu tinha entre 17 e 18 anos, em Santiago, no Chile. Assisti a filmes estupendos nessa época, os quais me despertaram para o gênero. Dessa forma, sentia-me mais atraído pelos documentários do que pelos filmes ficcionais. Como resultado, comecei a sentir interesse em me aprofundar na teoria sobre o gênero. A ficção me interessava, mas com menor intensidade. O documentarista que mais me influenciou nesses anos iniciais foi Chris Marker [cineasta francês morto em 2012, criador do formato “filme-ensaio”, que revolucionou a linguagem do documentário].

Obras que tematizam a questão dos direitos humanos podem ser entendida como uma denúncia, uma forma de divulgar quem sofre com a perda desses direitos. Na minha visão, o documentário sempre interessou a um grupo pequeno de pessoas – quando comparado a outro gênero –, há quem não entenda a linguagem.

Política e memória

Para mim, dimensão política e memória são sinônimos em documentários. Digamos que, quando você assiste a um filme que exclui a poesia, ele não é tão interessante aos olhos do público. É ela quem atrai o espectador. Eu produzo dessa forma porque é como gosto de trabalhar.. Todo tema sempre terá um recorte poético e sou encantado por essa possibilidade. Também não diferencio memória individual e memória histórica, já que lido com a história que conheço. Portanto, meus filmes são pessoais. Investigo um pouco, mas me apego aos assuntos de que gosto e que são importantes para mim numa perspectiva íntima.

Álbum de família

Perder a memória é o pior que pode acontecer a uma nação, ou seja, um país sem memória é como uma família sem álbum de fotografias. O Chile já perdeu seu álbum de fotografias. Para mim, é um país onde poucos recordam e a maioria não recorda nada. Se continuarmos assim, não valorizando a memória, não avançaremos como nação. Penso que é o contrário do que vejo na Europa. Por exemplo, desde o Holocausto há uma produção intensa de documentários com essa temática, nos mais diversos lugares.
No Chile, o documentário com caráter acidental, casual, é o que mais vem sendo feito. Há uma tendência de produzir filmes mais passivos, de observação e não de temas relevantes socialmente.

Aviso aos navegantes

Digo aos cineastas que pretendem fazer cinema documental que tenham paciência, pois é um tipo de filme muito trabalhoso. Começamos tendo em mãos um grãozinho de areia, que se une a outro e, pouco a pouco, vamos formando uma história. Esse processo leva meses. Para chegar a um bom roteiro, talvez mais de um ano. É um cinema pouco industrial, um cinema de autor. É fácil produzir um filme sobre qual refrigerante os brasileiros bebem. Mas, se fizermos um filme sobre a situação política do Brasil, é complexo, e, ao mesmo tempo, é muito recompensador e agradável fazer documentários.

 

Perder a memória é o pior
que pode acontecer a uma nação,
ou seja, um país sem memória é como
uma família sem álbum de fotografias

 

 

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