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(Des)controle
Ao contrário de grande parte dos entusiastas dos joguinhos, eu nunca tive um videogame na infância. Eu não cresci jogando Mario, não briguei com meus irmãos pelo controle do Mega Drive, nem sequer corri na locadora para alugar meu cartucho favorito do SNES pela enésima vez. Não me entenda mal, não estou dizendo que eu nunca joguei videogame quando era pequena. Longe disso!
Eles estavam em todas as casas de amigos, de primos e de vizinhos, estavam nos shoppings, nos anúncios, nas festinhas da escola, em praticamente todos os lugares nos anos 1990. Mas esse conjunto “controle, tevê e cartucho” fazia parte de um lugar distante habitado principalmente pelos meninos ou pelas crianças com irmãos.
Eu, que fui uma criança (mais ou menos) solitária e uma adolescente bastante ensimesmada, gastava a maior parte do meu tempo sozinha criando diversos mundos fantásticos com regras próprias, personagens e aventuras. Nem me passava pela cabeça que desenvolver jogos digitais nada mais era que criar universos interativos e todas as suas mecânicas de funcionamento. Aliás, nem mesmo imaginava que jogos poderiam ser de fato criados como eram criados os livros, os filmes e as histórias em quadrinhos que eu tanto consumia e sonhava produzir.
Essa concepção só mudou com a explosão dos jogos indies – ou “feitos em casa”. Apesar de ter começado a jogar com mais frequência um pouco antes disso, foi lá por volta de 2010 que entrei em contato com o conceito de fazer seu próprio jogo. A ideia de sentar sozinha ou de me juntar em um pequeno grupo, munido de ferramentas acessíveis, softwares não muito diferentes daqueles com que eu estava acostumada, e produzir um jogo em poucos dias, era encantadora. Essa ideia desconstruiu quase tudo que eu imaginava sobre videogames, aliás, nem mesmo era preciso ter um videogame para fazer joguinhos!
Meu crescente interesse por esses jogos “feitos em casa”, principalmente pelos que causavam maior estranhamento, que muitas vezes apresentavam questões experimentais na sua criação, nas suas possibilidades de interação ou em seu discurso, me levou a trabalhar mais profundamente com esse tema. Era necessário jogá-los, entender suas mecânicas, compreender suas propriedades não só como um mero observador, mas também como um agente participativo. Como pesquisadora, tornei-me de fato uma jogadora, passando a pensar fora do escopo do mercado, levando em consideração também questões políticas e sociais que envolvem tanto o objeto-jogo em si quanto o seu fazer.
Ao começar a trabalhar como educadora doEspaço de Tecnologias e Artes (ETA) do Sesc, logo percebi que o espaço possui uma característica importante: ele é uma espécie de “laboratório de coisas estranhas”, que me permitia propor vivências e experimentações, tanto sobre as visualidades e as narrativas do jogo quanto sobre as diversas possibilidades de controles e formas de interação. Através de circuitos, desenhos e sensores, de questionamentos sobre inclusão, diversidade, empatia, da criação de narrativas fantásticas e projetos pessoais, pude, junto ao público, explorar cada vez mais os jogos digitais como potentes objetos lúdicos. Em quase três anos propondo programações como ALTcontrole, Ficção Fantástica Interativa, Outros Mundos, indie/camp e tantas outras, entrei em contato com desenvolvedores, educadores e pesquisadores dos jogos digitais que também pensam o aprendizado dos jogos digitais de maneira autônoma e compartilhada, sempre suscitando novas formas de fazer e pensar joguinhos.
Anita Cavaleiro é bacharela em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (IA-Unesp), mestra em Artes Visuais pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), e ilustradora. Trabalha como educadora de Tecnologias e Artes no Sesc 24 de Maio.