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Contos Negreiros do Brasil
Conversamos com Marcelino Freire e Fernando Philbert, autor e diretor, respectivamente, do espetáculo que faz estreia em São Paulo no Sesc Bom Retiro
Marcelino Freire é nordestino, poeta e se autodeclara como irremediavelmente romântico. Caçula de 9 filhos, veio para São Paulo há 27 anos, atrás de um grande amor. Tem sete livros publicados e Contos Negreiros é o terceiro, lançado em 2005. A obra reúne textos já escritos pelo autor desde os 18, 19 anos de idade. Dizendo ser um menino melancólico e quieto, se deu conta do fato de querer ser poeta ao ler um poema do Manoel Bandeira aos 10 anos de idade: "Comecei a escrever internamente".
Toda vez que está na organização de um novo livro, o autor espalha os contos na mesa e pergunta: qual livro aqueles contos estão querendo? Onde eles querem habitar? No caso de Contos Negreiros, eles escolheram falar sobre preconceito, dominação e opressão. Seus contos questionam o trabalho escravo, o homossexual, o velho, o analfabeto, o índio, etc.. Escreve muito tomado pela escuta. "Dizem que escrevo para dar voz aos que não tem. Mas as pessoas têm voz sim! Eu grito com elas e escrevo para uma vingança coletiva. Quero que lutemos ao lado dos personagens.", afirma.
Freire nunca chama seus contos de contos. No livro Balé Ralé os denominou de improvisos. E, em Contos Negreiros, são cantos. "O que me move muito em qualquer livro é a linguagem, é a sonoridade, é a influência do cordel, a influência da poesia popular. Eu vou fazendo verdadeiros improvisos a partir de uma temática, a partir de uma primeira frase." E finaliza: "Chamo meu trabalho de gambiarras poéticas".
E como Contos Negreiros foi parar nos palcos?
O diretor da peça é Fernando Philbert, carioca e com uma bagagem de trabalhos que falam sobre racismo, preconceito e sexismo, como "O Corpo da Mulher como Campo de Batalha" encenado em 2017, e "O Topo da Montanha", espetáculo com Lázaro Ramos e Taís Araújo. Especificamente, o tema do racismo surgiu de uma provocação: "Em conversa com Lázaro e Taís eles me perguntaram: quantos negros você vê ao seu redor? Nos restaurantes, nos teatros, nas lojas? Negros que não sejam atendentes ou parte operacional do trabalho?", conta o diretor.
Esses questionamentos o deixaram intrigado, e pesquisando sobre o assunto, acabou se deparando com Contos Negreiros, de Marcelino Freire. A identificação foi imediata. "Eu queria falar claramente que o Brasil é um país racista." A partir daí, quem fez a ponte foi o ator e sociólogo Rodrigo França, que trouxe dados aos contos e aproximaram essas histórias fictícias de vídeos reais e estatísticas. Logo, os personagens tomaram corpo a partir do referencial cotidiano de violência e opressão.
O projeto inicial previa algumas apresentações pontuais, mas a peça já está há um ano rodando pelo Brasil. "O retorno do público é muito positivo. Foi isso que fez o espetáculo durar", afirma. Contos Negreiros do Brasil é um espetáculo documentário sobre a condição real e atual da negra e do negro no Brasil.
A estreia em São Paulo será no Sesc Bom Retiro, com temporada de 11 a 27 maio, e levará ao público uma obra que mostrará como a carne negra é constantemente exposta em suas dimensões e experiências: reais, sociais e culturais.