Postado em
Da ópera ao cinema
Não é novidade que, no mundo das artes, o cinema sempre teve um bom relacionamento com a ópera. A lista de filmes onde o encontro entre as duas linguagens acontece é vasta e conta com produções como: “O Fantasma da Ópera”, dirigida por Arthur Lubin, em 1943; “A flauta mágica” (adaptação da ópera de Wolfgang Amadeus Mozart) dirigida por Ingmar Bergman, em 1975; e “A megera domada” (adaptação da comédia de William Shakespeare), dirigida por Franco Zeffirelli, em 1967, com Elizabeth Taylor e Richard Burton no elenco; entre outras. Obras mais recentes também figuram na lista como “Adeus minha Concubina”, de 1993, com direção de Chen Kaige ou “A ópera de Paris”, do diretor Jean-Stéphane Bron, de 2017.
Esse ano, o Brasil inclui mais um título à lista com “Liquid Voices - a história de Mathilda Segalescu”, da diretora e compositora Jocy de Oliveira. O filme trabalha ficção dentro de uma tragédia real: o maior naufrágio de passageiros civis na Segunda Guerra Mundial - Struma, o precário navio que levava 700 judeus da Europa para a Palestina, em fuga do nazismo. Porém, a história é centrada na personagem ficcional Mathilda Segalescu, cantora que está entre os passageiros com seu único companheiro, o piano, e num pescador árabe que se apaixona por ela, ou melhor: pelo seu espectro.
Reconhecida internacionalmente do mundo da música, a diretora Jocy de Oliveira tem em seu currículo nove óperas, centenas de peças para orquestra, orquestra de câmara, solos, videomúsica e instalações. Ela foi pioneira ao compor este projeto: uma ópera para o cinema, pensada e desenvolvida nesses moldes.
(Foto: Divulgação)
Entrevistamos Jocy para saber um pouco mais um pouco mais sobe seu filme, como ela vê a repercussão internacional do trabalho e suas expectativas com a estreia brasileira.
EOnline : Como foi o processo de produção de Liquid Voices?
O filme foi lentamente produzido. A ideia nasceu em 2005, após um vídeo que produzi, onde um piano era lançado em mar aberto, representando o ícone da cultura ocidental que está submergindo. Quando ele foi retirado do mar, e guardado, pensei em montar o filme.
Então resolvi situar a história em um evento factual - a Segunda Guerra Mundial. Relacionei à isso a situação atual dos náufragos refugiados, como uma realidade que sempre volta, seja em situações extremas como a de guerra, seja atualmente com essas pessoas que se refugiam. Meu interesse agora é de que se denuncie a questão dos refugiados, pois notamos problemas que se arrastam, no mínimo, desde a Primeira Guerra.
EOnline: Qual o desafio para desenvolver o projeto?
Pensar em dois roteiros: um para teatro, palco italiano, confinado, e outro para cinema, solto, sequencial e aberto. Foi necessário pensar na linguagem simbólica versus a linguagem realística. Isso me levou a finalizar o filme em 2019 no teatro em ruínas do Cassino da Urca, simbolizando as degradação da nossa sociedade.
EOnline: O filme estreou fora do Brasil. Como foi a repercussão?
A estreia foi na Europa, onde ele ganhou alguns prêmios, como por exemplo na mostra competitiva do London International Filmmaker, premiado na categoria Best Sound Design. Em seguida, participou dos festivais Nice International Film Festival, Madrid International Film Festial e Polish International Film Festival (Varseovia) recebendo os prêmios Best Score, Best Set Design e Best Music Vídeo.
Acredito que esse reconhecimento veio pela inovação no formato e pela qualidade musical. Para mim, a música determina a duração das cenas. Após as exibições, notávamos emoção no público. Foi um termômetro, pois cineastas e produtores de vários países, culturas e línguas diferentes foram tocados.
EOnline: O que você espera da estreia brasileira?
Tenho uma boa expectativa, porém não é um filme comercial. E nem pretende ser. O importante é estimular os sentidos do público, a criatividade, a emoção. Pretendo que o público brasileiro seja ativo, contribua com as reflexões. Devemos lembrar que não existe só uma história. Espero que haja espaço para esse tipo de filme no Brasil.
Jocy assina não apenas a concepção e a criação de Liquid Voices, mas também o roteiro e a direção do filme, assim como toda a produção (pela Spectra, sua companhia).
No próximo dia 05 de dezembro, às 20h, acontece no CineSesc a exibição especial do filme, inédito no Brasil, “Liquid Voices – A História De Mathilda Segalescu”. Após a sessão, um bate-papo com a diretora Jocy de Oliveira, a soprano Gabriela Geluda e o diretor Bernardo Palmeiro, com mediação do jornalista e cineasta Duda Leite. Sessão Gratuita.