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Isso não é teatro

Ilustração: Editoria de Arte
Ilustração: Editoria de Arte

“Eu acho que isso não é Teatro” – esta é uma das reações que mais ouvi nas últimas semanas sobre as adaptações online de obras de teatro para o projeto #EmCasaComSesc, que acontece desde maio.

Em decorrência da pandemia, os riscos à vida impuseram a necessidade de isolamento social em escala mundial e fomos invadidos por muitas incertezas. A impossibilidade de aglomerações e da proximidade física paralisou a programação cultural de uma maneira nunca antes vista. Centros culturais, museus, teatros e cinemas fecharam e muitos profissionais, além dos que estão em cena, foram impactados: autores, diretores, cenógrafos, compositores, técnicos e produtores, entre outros.

O teatro e as artes cênicas foram particularmente afetados porque são, por definição, manifestações artísticas da presença. Hoje, é natural assistir a um filme em casa e em diversas plataformas, o que, ainda assim, é uma experiência completamente distinta daquela de ir ao cinema. No caso do teatro, no entanto, é diferente. Lembro sempre da expressão francesa arts vivants (artes vivas), que nos dá um belo exemplo da ideia do artista e do público juntos presencialmente. Então, como enfrentar as restrições de convívio em um campo em que a presença é essencial?

Ninguém nega a singular experiência humana que o ritual coletivo do teatro representa, mas vale lembrar que a aproximação com os meios digitais não é uma novidade. Inúmeros criadores incorporam o cinema, a realidade ampliada e a tecnologia em seus trabalhos com resultados inovadores que consolidam linguagens híbridas e enriquecem as reflexões sobre a criação artística.

No Brasil, um dos exemplos emblemáticos é o do Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, dirigido por José Celso Martinez Corrêa, que, desde o exílio em Portugal na década de 1970, incorporou a linguagem cinematográfica às suas criações e tem um extenso trabalho em outros formatos.

Outro exemplo interessante são os teleteatros que marcaram o início da televisão com transmissão ao vivo no país. Programas como o Grande Teatro Tupi, exibido entre 1956 e 1965, tiveram a participação de nomes importantes do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), como Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg. O formato foi revisitado pela TV Cultura entre 2006 e 2007 com a série Antunes Filho em Preto e Branco, com obras produzidas nos anos de 1970 sob a direção desse grande criador, uma referência do teatro brasileiro. Outro projeto nesse campo foi a série Direções, produzida pelo SescTV e pela TV Cultura, atualmente disponível na plataforma Sesc Digital.

O diálogo constante com os criadores revela uma inquietação na busca por novos caminhos estéticos, sem a pretensão da definição formal de uma nova linguagem. As chamadas lives evidentemente não substituem o teatro em termos sociais e simbólicos. Porém, hoje, esse formato permite a experimentação a partir do teatro e coloca em evidência, por exemplo, a interpretação e a dramaturgia.

Na sua maneira própria de fruição, tão distinta da experiência de ir ao teatro, as transmissões ao vivo são um momento único e podem ser revistas online depois. Elas reúnem um grande número de pessoas, de lugares diversos, para assistir a artistas, que, nas suas casas, passam por restrições de contato com o público.

A diversidade dos trabalhos já realizados no ambiente digital e o retorno positivo do público mostram que ainda há um vasto campo de possibilidades, que vão influenciar as artes quando os encontros presenciais forem novamente uma realidade. Ao mesmo tempo, fico com a certeza de que ouvir o terceiro sinal no início de cada transmissão transforma-se também em um novo rito coletivo, carregado de significados e emoção.

 

EMERSON PIROLA, graduado em Comunicação Social com MBA em Gestão Estratégica e Econômica de Projetos, é assistente da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo.
 

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