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A TV que a criança vê
Tom & Jerry, Snoopy, Garfield, He-Man, Thundercats, Flintstones, Jaspion, Changeman… não é difícil produzir uma lista de programas de TV que permearam minha infância. Fui uma criança que assistia à televisão. As histórias e personagens desses programas alimentavam minhas brincadeiras. Eu queria ser a She-Ra, porque ela era uma heroína irmã do He-Man, interpretado pelo meu irmão em nossas fantasias de criança. Dei ao meu primeiro cachorro o nome de Bandit, inspirada no cãozinho do desenho Jonny Quest. Havia, no entanto, um certo sotaque estrangeiro sempre presente nessas atrações. Demorei a entender, por exemplo, porque nevava só no Natal dos desenhos. Eram referências culturais distantes da minha realidade local, que eu, aos poucos, ia agregando, através do contato com o audiovisual. Sentia falta de algo mais brasileiro, mais parecido comigo.
Hoje, acho graça quando vejo meu filho de dois anos e oito meses chamado Tom – mas não por causa do gato – se esforçar para conseguir pronunciar Backyardigans (lá em casa até tentamos renomeá-los de Quintaleiros, mas o apelido não pegou). Porém, percebo que há algo novo na TV, porque esses desenhos internacionais já dividem espaço e atenção das crianças com atrações produzidas em nosso país. Caso mais notável é a série Peixonauta, realizada inteiramente no Brasil, por Célia Catunda e Kiko Mistrorigo. Trata-se de um caso bem-sucedido de uma animação voltada para o público infantil com referências na cultura brasileira, a começar pela trilha de abertura, uma simpática versão da cantiga Peixinhos do Mar. Peixonauta é reflexo de um mercado em transformação e resultado do esforço de inúmeros profissionais do audiovisual, que buscam expandir suas fronteiras dentro do próprio território brasileiro. Algo que eu pude acompanhar de perto, como jornalista.
Há produções criativas e com notável qualidade no cenário audiovisual do Brasil. Anualmente, é possível conferir parte dessa produção – predominantemente filmes e animações – nos dois principais festivais de cinema infantil realizados no país: o FICI – Festival Internacional de Cinema Infantil, de Carla Camurati e Carla Esmeralda – e a Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis, uma iniciativa de Luiza da Luz Lins. Os dois eventos apresentam ao público (em especial, para as crianças) uma gama diversificada de temas, técnicas e linguagens que não são exibidos regularmente pelos canais de televisão. Muitos desses produtos impressionam por fugir do lugar comum, por ousar experimentar e por fazer uma simples lição de casa: tratar a criança como um espectador provido de inteligência e dignidade.
Não acredito que devamos esperar que os desenhos sejam eminentemente educativos, no sentido de ser uma extensão da própria sala de aula. Mas é inegável que um produto de qualidade, que conta uma história utilizando recursos criativos, com diferentes traços e técnicas, é capaz de educar, pois amplia o repertório da criança, sem deixar de ser lúdico, de divertir e de emocionar. A diversidade, nesse caso, é mais do que bem-vinda. A criança se forma também pelo audiovisual.
A militância e a persistência desses profissionais têm sensibilizado outros setores da sociedade e mobilizado recursos, por meio de editais, para a produção de séries infantis. O Ministério da Cultura mantém o programa AnimaTV, para financiamento de novos projetos – a exemplo da série Meu Amigãozão, atualmente exibida pelo Discovery Kids. São sinais de mudanças que eu acompanho com curiosidade e interesse. Como jornalista e, claro, como mãe também.
Adriana Reis, jornalista, com especialização em Jornalismo Social, é técnica da equipe de Comunicação do SescTV.