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Comunicação Afetiva
por Norval Baitello Junior
Entre os dias 30 e 31 de março e 1º de abril, o Seminário Internacional Emoção e Imaginação, realizado no Sesc Vila Mariana, tratou da influência da imaginação sobre emoções básicas, como alegria, amor e estima, e da influência das emoções sobre a imaginação. À frente dessa iniciativa estava, entre outros pensadores da teoria da comunicação, o doutor Norval Baitello Junior.
Professor de teoria da mídia, comunicação e estudos culturais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e diretor do Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia (Cisc), Norval é daqueles acadêmicos que vão de encontro às teorias convencionais para explicar a comunicação.
Em encontro realizado pelo Conselho Editorial da Revista E, o professor abordou algumas de suas influências multidisciplinares no âmbito da comunicação e teorizou sobre, entre outros assuntos, os avanços tecnológicos na área, a função do comunicador e as crises, que atravessam a sociedade pautada no excesso imagético.
“A interdisciplinaridade nos leva à convicção de que não me comunico se não me coloco no lugar do outro e, portanto, se não construo uma alteridade, transportando também o outro para o meu lugar”, declara. “Para isso, o esquema convencional – de emissor, receptor e mensagem – não dá conta, é insuficiente.” Abaixo, trechos da conversa.
Alteridade
A comunicação lida com pontes, e a principal tarefa nossa, como comunicadores, é construir a ponte até o outro, portanto estabelecer alteridades. Isso significa saber se colocar no lugar do outro e abrir mão do seu próprio espaço. Temos que nos colocar no lugar do outro, mas sem perder a nossa própria referência.
Porém, não é o que diz a ciência dura da comunicação e os cursos de graduação. O que se diz é que comunicação é troca de informação, e o meu trabalho vem se caracterizando, nos últimos vinte anos, como uma tentativa de questionar esse conceito acadêmico. A informação fazia muito sentido para as engenharias da comunicação, nos anos de 1930 e 1940, para gerar conectividade. Mas conectividade não é comunicação.
Estar conectado não significa estar comunicando, mas sim ter a possibilidade de uma comunicação, mas essa possibilidade é apenas a ponte vazia. Então, a interdisciplinaridade nos leva à convicção de que não me comunico se não me coloco no lugar do outro e, portanto, se não construo uma alteridade, transportando também o outro para o meu lugar.
Para isso, o esquema convencional – de emissor, receptor e mensagem – não dá conta, é insuficiente. Ele coloca o nosso interlocutor no papel de receptor e, logo, de objeto e nos coloca numa posição autoritária de distribuidor de saber ou conhecimento. Mas, se não sou seduzido pelo meu interlocutor, o que vou dizer a ele? A comunicação é construção de vínculos, de afeto. Não construímos alteridade sem o afeto, sem criar empatia. É essa a tarefa do comunicador.
Crise da visibilidade
Os veículos de comunicação vivem hoje uma profunda crise, porque eles se colocaram numa posição autoritária de distribuidores do saber, do conhecimento, da informação, da novidade. Essa crise foi denominada pelo sociólogo alemão Dietmar Kamper como crise da visibilidade, que não se refere apenas ao visual, mas também ao enxergar com a alma.
As áreas acadêmicas da comunicação, todas elas regulamentadas por órgãos governamentais, exerceram, nos últimos dez anos, um papel completamente nefasto, exigindo disciplinaridade para essa ciência, enquanto ela e o seu objeto pedem multidisciplinaridade e transdisciplinaridade, no sentido que Edgar Morin [filósofo e sociólogo francês] defende, de olhar diverso, distinto, múltiplo e não de olhar regulamentador, normativo.
Então, a mídia está muito doente, dentro do seu papel autoritário de distribuidora de padrões de comportamento e que se acha na capacidade de julgar o que as pessoas querem. Nós – que trabalhamos com uma liberdade muito maior do que aqueles que estão nas empresas pautadas por esse autoritarismo que eles chamam de demandas do mercado – temos a liberdade de dizer não. Isso não é demanda de ninguém, é do mercado, que é uma ficção, é uma invenção autoritária.
Crise civilizatória
Vivemos, de novo, numa era da visão privilegiada, só que em espaços circunscritos, fechados e civilizados, logo, domesticados culturalmente. Estamos cercados de imagens. Kamper também fala sobre a crise civilizatória, que nos transformou em imagens e, portanto, nos transformou em retratos superficiais de vida. Segundo ele, passamos a ser um jogo de superficialidades, e contra isso só há um remédio: o pensar com o corpo.
Esse pensar corporal significa resgatar os outros sentidos, não apenas o da visão. Se a imagem é a presença de uma ausência, então o corpo não pode ser uma imagem, ele não pode se resumir a uma ausência.
Então, minha pesquisa se volta muito para a interação entre nós e as imagens, e essa interação é complexa, entendendo-se a comunicação como uma atividade da qual ninguém escapa. É impossível não se comunicar.
Até mesmo calados estamos dizendo algo. Não é possível entender hoje comunicação como simples operação de pingue-pongue, de vai bolinha e volta bolinha.
Tecnologia
A tecnologia não é a grande vilã, mas, claro, ela pode, sim, gerar fundamentalismo e condenar a comunicação a uma inocuidade, a não funcionar de maneira alguma. Sou visto pelos meus colegas como apocalíptico, porque critico, sim, as tecnologias.
Infelizmente, hoje vivemos em uma era de fundamentalismo tecnológico, em que a nossa sociedade aposta todas as fichas na tecnologia, como solução de todos os problemas. Tive, inclusive, a infeliz oportunidade de ouvir, de um colega da ciência da informação, a afirmação de que o problema dos índios ianomâmis se resolveria se a gente desse um laptop para cada um, com conexão.
Há um longo caminho entre conexão e comunicação. O nosso planeta, hoje, está literalmente conectado, o que está muito distante de dizer que estamos nos comunicando. É claro que a conexão é importante e facilita enormemente as nossas vidas.
Mas não podemos deixar que a conectividade roube espaço dos outros tipos de comunicação, como a leitura, o convívio, a conversa pessoalmente. Acho que já há um processo de conscientização disso. Há dez anos, o brasileiro gastava em média muito mais tempo em frente à televisão do que atualmente. Eram em torno de quatro horas por dia, em média.
É uma eternidade, é um crime, na verdade, porque o nosso tempo de vida é um bem não renovável. Devemos pensar o que a televisão, ou, hoje, a tecnologia, nos oferece em troca, que vida nos está sendo oferecida em troca da nossa vida. É uma vida em imagem, uma vida em ausência, de superficialidades. A nossa relação com isso deve ser regida por aquilo que o poeta romântico alemão Novalis dizia: “Eu só vejo uma imagem quando ela já me viu”.
“Vivemos, de novo, numa era da visão privilegiada, só que em espaços circunscritos, fechados e civilizados, logo, domesticados culturalmente”