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Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira



 

A professora Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira atua na área de ação cultural, política cultural e apropriação social da informação. Formada em História pela Universidade de São Paulo (USP) e doutora em Ciência da Informação, é docente e pesquisadora do Departamento de Biblioteconomia da Escola de Comunicações e Artes da USP e do PPGCI (Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação) da USP, além de desenvolver o projeto Plataforma Cultura e Cidade: Dinâmicas Culturais Contemporâneas. Neste Encontros, Lúcia Maciel conversou sobre a crise de representatividade na política, as manifestações de junho no Brasil e o que elas representam para a democracia, evidenciando uma necessidade de reinvenção da política e da democracia no Brasil e no mundo. “A gente vive um fenômeno próprio do desenvolvimento democrático que é a constante busca pela ampliação do espaço na arena pública, que advém da multiplicidade de desejos”, diz. A seguir, trechos.



Representação


Carl Schmitt (filósofo alemão) disse que “representar significa tornar visível e tornar presente um ser invisível mediante um ser publicamente presente”. Acho que essa definição de representação política nos fornece elementos para pensar que, de fato, a ideia de um ser invisível, representado por um ser presente, também não dá mais conta da vontade de participação dos sujeitos múltiplos que nos constituem. Então não se trata apenas das manifestações, essa forma de ação direta que tem a ver com movimentos de gênero, movimentos de várias vertentes que começaram ali na contracultura mesmo, nos anos 1960. Aqui houve a Marcha da Maconha (evento anual em diversas cidades do país, em defesa da legalização, alvo de decisões judiciais de proibição, mas, em 2011, o STF decidiu a favor da Marcha); e também a questão indígena no Brasil, que se fortaleceu. A questão da tecnologia é outra que me parece fundamental nessa crise da representação. Não dá para compreendê-la sem entender a importância e o potencial da tecnologia no contexto.



Queda na confiança


Uma pesquisa que mede o índice de confiança dos brasileiros em instituições, feita todos os anos pelo Ibope, em 2013 foi realizada após as manifestações de junho e trouxe resultados interessantes. A pesquisa se divide em dois blocos, um com o índice de confiança de tema mais íntimo (família, amigos) e o outro com instituições consolidadas. Em último lugar ficaram os partidos políticos. Enquanto 90% confiam na família, 67% nos amigos, a confiança nos partidos não passou dos 25%. Isso mostra quão clara é essa crise da representatividade. A diversidade cultural é uma questão-chave na representação. Como a gestão pública vai conseguir gerir essa multiplicidade de vozes que querem espaço na arena pública?



Democracia em transformação


“O Estado não tem mais condições de entregar tudo o que prometeu aos cidadãos diversos, com desejos diversos.” Essa frase do jornalista Dênis de Moraes resume um conceito importante. A democracia se move e se amplia por meio do desejo. É o desejo desses sujeitos, com novas lógicas e novas sensibilidades na arena pública, que lutam por reconhecimento. Como a democracia é a política do reconhecimento dessa alteridade, esse desejo de reconhecimento na arena pública – que tem a ver com essas múltiplas vozes – é o que faz com que a democracia se amplie. Então, a gente vive um fenômeno próprio do desenvolvimento democrático que é a constante busca pela ampliação do espaço na arena pública, que advém da multiplicidade de desejos. Como é que, politicamente, o Estado responde a essa multiplicidade? A administração dessa diversidade é algo próprio da dinâmica da democracia. Trata-se da compreensão de que a democracia não chegará a um momento em que ela estará consolidada. Ela tem, por princípio, essa dinâmica de ampliação pelos desejos, ou seja, o Estado estará sempre instado a responder a essa permanente condição de desejo.



Participação da sociedade


Parece-me claro que as pessoas sinalizaram para o fato de que a política tem que ser reinventada. A forma como ela está conduzida no Brasil, e em outros lugares, não dá mais conta dessa sociedade civil que deseja outras coisas. Seja pela precariedade daquilo que nos é entregue, como serviço público, seja pelo pouco espaço de representação mesmo. Parece-me que, necessariamente, a gente vai ter que criar instâncias de participação possíveis. Acho que há, por exemplo, equipamentos culturais que têm espaço para que as pessoas se manifestem – essa é uma dinâmica que tem crescido no mundo. Além da participação nas subprefeituras, no orçamento, enfim, acho que a participação se dá no nível local. Isso não significa que não haja a perspectiva de manutenção dessa política como está colocada, até mesmo porque me parece necessária. Mas acho que é necessária uma reinvenção dessa relação, uma tentativa de colar o tecido do Estado com a sociedade civil, que foi separado. E me parece que isso se dá  a partir de espaços de participação, de um diálogo mais amplo.



Relações econômicas x relações públicas


A sociedade brasileira quer ou não quer o Estado? Acho que há grupos que querem, mas há grupos que não fazem a menor ideia, eles querem uma vida melhor e ponto. O que existe também, não claramente exposto, é o desejo de um mundo em que as relações econômicas não preponderem sobre as demais. Parece-me que aqueles movimentos antiglobalização neoliberal expressaram isso: nós queremos um mundo em que as relações econômicas não estejam dominando as demais, em que todo mundo não tenha que se subjugar a esse poder que é um pouco indeterminado e que acaba determinando os estados nacionais, as políticas nacionais. Acho que aqui no Brasil essas reivindicações também apareceram, não de maneira explícita, mas também apareceram. Essa ideia de que queremos um Estado que tenha olhos muito claros para a perspectiva social, queremos que a precariedade daquilo que nos é entregue como perspectiva social seja qualificada. Acho que há muita incoerência, existem poucos grupos que se juntaram naquele momento [das manifestações de junho de 2013], acho que o MPL (Movimento Passe Livre) é um que tem uma pauta muito clara, inclusive seus representantes tiveram uma ação muito boa no sentido de partir de uma pauta clara para agir. Enfim, de resto nós tivemos uma miscelânea de ações, de desejos e perspectivas de crença ou não no Estado. Mas o que eu sinto é que vivemos esse momento de imenso desassossego, e o desassossego advém da perspectiva dessa multiplicidade de crenças, de ações.



“A sociedade brasileira quer ou não quer o Estado? Acho que há grupos que querem, mas há grupos que não fazem a menor ideia, eles querem uma vida melhor e ponto”

 

A Professora da ECA-USP, Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira, esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E em 12 de dezembro de 2013