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Arte de fazer rir
Fundamental para a história do cinema, Charles Chaplin continua conquistando espectadores de todas as idades com seu humor singelo e mensagem humanista
Grandes mestres foram responsáveis pelo desenvolvimento da comédia visual muda, que tem como marco inicial O Jardineiro Regando (1895), dos irmãos Lumière. Os franceses realizaram os primeiros filmes, sob a liderança de Max Linder. O mestre exerceu influência sobre vários cineastas da época, mas um de seus admiradores, que o chamava carinhosamente de professor, destacou-se do conjunto e construiu uma obra que suplantou o mentor da primeira geração de comediantes do cinema. O novato era ninguém menos que Charles Chaplin.
No desenrolar desse roteiro, quem se tornou professor de muitos foi o próprio Chaplin, sem dúvida um dos criadores mais icônicos da comédia muda norte-americana, juntamente com Buster Keaton, Harold Lloyd e Harry Langdon.
Charles Spencer Chaplin nasceu no Reino Unido, em 1889. Os pais – Hannah Hill Chaplin e Charles Chaplin – eram artistas e ganhavam a vida como atores do teatro de variedades britânico. Chaplin pai era barítono e especialista em monólogos musicais. Já Hannah era bailarina. Porém, os dois se separaram quando Chaplin tinha apenas um ano de idade. O ator, criado distante do pai, cultivou grande admiração pela mãe, que lhe ensinou anedotas e técnicas de teatro.
Com essa bagagem, antes de lançar-se na sétima arte, foi ator do teatro cômico inglês. No cinema, além de exercer as funções de diretor e roteirista, também tocava violino, chegando a compor músicas para seus filmes. Ainda jovem, estabeleceu-se nos Estados Unidos, tendo em vista os problemas econômicos enfrentados pela Inglaterra. “Ele trocou o teatro de variedades, ofício aprendido com os pais, pelo cinema – recém-inventado –, que naquele momento pareceu-lhe mais rentável e vantajoso, além de levar o jovem ambicioso a um país cheio de boas oportunidades”, contextualiza o autor de Charles Chaplin: Confrontos e Interseções com Seu Tempo (Paco Editorial, 2012), Everton Luís Sanches.
Para analisar a intensa trajetória de Chaplin, Sanches considera indispensável abalizar tendências que predominaram na política e nas artes, “tamanha a abrangência de sua obra e de suas ações”. “A pessoalidade de suas aspirações e a intimidade com que tratou os temas pertinentes à angústia do homem moderno foram, ao cabo e no limite, as suas próprias agruras”, comenta.
Parte da história
É constante a ligação entre os filmes do cineasta e o momento histórico. Para Sanches, o período entreguerras forma um conjunto inseparável do ponto de vista da história, mesmo para a análise mais pontual da obra do criador do eterno Carlitos, seu personagem mais emblemático. O pesquisador afirma ainda que se pode delinear uma tríade que sistematiza a análise: a pessoa (Charles Spencer Chaplin), seus grupos sociais (a família e sua origem econômica, o teatro de variedades cômico inglês e o cinema Hollywoodiano) e a conjuntura do período entre a Primeira e Segunda Guerras Mundiais (economia, política, ideias e tendências psicossociais predominantes).
Um exemplo desse viés histórico está no livro 1929 (Editora Objetiva, 2014), de Ivan Sant’Anna. O autor incluiu na obra um episódio relacionado a Chaplin para abordar momentos dramáticos da conjuntura social e investigar de que forma a primeira grande crise da economia mundial foi decisiva para a trajetória de uma geração. No capítulo em questão, Sant’Anna descreve os detalhes de um jantar entre o cineasta britânico e o compositor norte-americano Irving Berlin. “Chaplin ficou surpreso quando Berlin – cuja canção Blue Skies [...] liderava as paradas de sucesso – lhe disse que tinha vários milhões de dólares em ações.” O cineasta tinha certeza de que o mercado iria levar um grande golpe e havia encerrado sua carteira, mesmo com a alta ocorrida pouco tempo antes da crise que abalou a economia mundial. “Só alguém com determinação e tenacidade teria nervos para suportar os acontecimentos da quinta-feira, 24 de outubro de 1929, quando um terremoto tomou conta de Wall Street”, observa Sant’Anna.
Na opinião do historiador e criador do Blog Chaplin, Hallyson Alves,, é evidente que Chaplin remonta muitas de suas vivências em seus filmes, desde a infância conturbada por dificuldades financeiras e a morte prematura do pai, até o surto psicótico da mãe e as internações nas casas de caridade para crianças pobres londrinas. “Esses fatos deram ao artista uma densa carga de experiências que, posteriormente, foram representadas nos seus filmes. Ele teve uma mente bastante criativa e a forma de retratar temas ligados à pobreza e à dignidade humana através do humor o fez produzir filmes que se tornaram clássicos”, justifica.
A classe do humor
Fazer rir é um tema caro às artes brasileiras, principalmente no campo do audiovisual. Além de as comédias serem as campeãs de bilheterias da sétima arte no país até hoje, o humor se espalha nas redes sociais, canais do YouTube e nos “memes” da internet.
E nesse quesito não dá para negar que Chaplin tem seu charme – seja por suas gags características, seja pelo jeito que encara a câmera, seja pelo olhar e movimentos típicos do teatro gestual, conhecido como pantomina. Segundo Alves, seu humor caminha próximo a situações da vida real, as quais nem sempre são cômicas. “O grande triunfo da sua obra é unir essas duas facetas. Chaplin fazia humor para pensar e tinha a capacidade de superar as dificuldades e transformá-las em arte”, detalha.
O pesquisador observa que no Brasil há dois gênios da comédia que fizeram visível referência ao modo de Chaplin fazer filmes: Oscarito e Mazzaropi. “No primeiro caso, é retratado o malandro brasileiro que sabe sobressair às situações que lhe aparecem, de forma semelhante ao vagabundo representado por Chaplin. No segundo, Mazzaropi permeia sua produção de filmes com doses de humor recheadas de crítica social”, explica.
Sanches concorda que trazer o riso para situações que beiram o dramático é uma das facetas inimitáveis do diretor, que explorou o tema da pobreza e da busca de dignidade pela veia cômica. Para ele, é importante considerar que do ano em que Chaplin nasceu (1889) até alcançar os seus 30 anos (1919), “aconteceram a Segunda Revolução Científica, o Irracionalismo e, nas artes, o Modernismo – além do Existencialismo –, problematizando e derrubando algumas das principais referências que vigoraram desde a construção do modo de vida em questão”.
Retorno à Europa
Em 1952, Charles Chaplin viaja para o Reino Unido para acompanhar o lançamento do filme Luzes da Ribalta, em Londres. Nesse período, o governo dos Estados Unidos estava em plena caça às bruxas de supostos comunistas, e o cineasta acabou vítima da perseguição. Durante sua estadia em Londres, teve o visto revogado pelo Serviço de Imigração norte-americano. Desde então, decidiu não voltar aos Estados Unidos, escolhendo morar em Vevey, na Suíça, onde morreu no Natal de 1977.
A perseguição do Macarthismo fez com que Luzes da Ribalta, único filme no qual divide a cena com Buster Keaton, não pudesse ser exibido nos Estados Unidos. Vinte anos depois da estreia, quando o longa foi relançado no país, rendeu ao cineasta o Oscar de Melhor Trilha Sonora. Nesse mesmo ano, o gênio da imagem em movimento recebeu outro prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas norte-americana, agora por sua “incalculável contribuição” à arte do cinema.
Filme a filme
Sensibilidade artÌstica e olhar agudo sobre a sociedade marcam a filmografia de Chaplin
O Garoto (1921)
Trata-se do primeiro longa-metragem do diretor e um dos filmes mais emblemáticos e sentimentais da sua carreira. Nele, vemos a saga do vagabundo ao tentar criar uma criança, abandonada pela mãe, ainda bebê. O grande destaque da trama fica por conta do pequeno Jackie Coogan, no papel do garoto, que apresenta uma atuação digna da genialidade de Chaplin.
Em Busca do Ouro (1925)
Esse é mais um clássico da obra chapliniana. Na história, o pequeno vagabundo arrisca a vida para encontrar ouro. Antecipando o humor típico dos desenhos animados, numa cena antológica o faminto companheiro de desventuras de Chaplin, no filme, o enxerga como um frango e tenta comê-lo.
O Circo (1928)
No filme, Carlitos é perseguido por um policial e vai se refugiar em um circo. Há cenas maravilhosas, como a sequência da sala dos espelhos. A cena final eleva o longa à categoria dos melhores filmes já realizados na história do cinema.
Luzes da Cidade (1931)
Aqui, o vagabundo não mede esforços para ajudar uma florista cega a realizar sua cirurgia para voltar a ver. O final é considerado um dos mais comoventes da história do cinema.
Tempos Modernos (1936)
O olhar de Chaplin sobre a humanidade, dissolvida na entrega total ao materialismo proveniente do capitalismo o fez produzir o filme, que faz o personagem Carlitos sofrer um surto, até ser engolido pela máquina.
O Grande Ditador (1940)
Em seu primeiro filme falado, Chaplin encarna dois personagens, o barbeiro judeu e o ditador Adenoid Hynkel – uma referência clara ao ditador Adolf Hitler.
*Fonte: Hallyson Alves, historiador e criador do Blog Chaplin (http://blogchaplin.com/)
Comediantes de todos os tempos
Projeto oferece sessões que levam à tela comediantes consagrados do cinema mundial em produções inesquecíveis
Charles Chaplin, Buster Keaton, Irmãos Marx, Jacques Tati, Jerry Lewis, Peters Sellers, Franco Franchi e Ciccio Ingrassia, Totó, Cantinflas, Grande Otelo, Oscarito e Mazzaropi, entre outros, já passaram pela seleção do projeto Comediantes Como os de Antes, realizado pelo Sesc Pinheiros.
Desde abril de 2014, esses mestres do humor compõem a programação de cinema da unidade, em sessões abertas e gratuitas realizadas semanalmente nas noites de quinta-feira na praça de convivência do Pinheiros. Em junho e julho o projeto exibiu sete clássicos da filmografia de Charles Chaplin.
Segundo o técnico de programação unidade responsável pelo projeto, Cristiano Luiz Sottano, Chaplin foi um pioneiro da indústria cinematográfica. “Ele escrevia, produzia, dirigia, atuava, montava e compunha as trilhas de seus filmes. Com seu personagem imortal, o vagabundo Carlitos, conquistou plateias do mundo inteiro”, afirma.
Depois de Chaplin, os meses de agosto e setembro reservam aos fãs de cinema clássicos da filmografia dos Irmãos Marx – tão queridos pelo diretor Woody Allen, que em seu musical moderno Todos Dizem Eu te Amo (1996) coloca em todos os atores um bigode à la Groucho Marx. “O grupo era formado por Groucho (Julius Henry Marx), que representava o burguês de óculos e bigode pintado com graxa, roupa e aspecto de ‘homem sério’; Chico (Leonard Marx), que representava o encrenqueiro refinado; Harpo (Adolph Arthur Marx), o harpista mudo, com sorriso luminoso e chapéu coco; e Zeppo (Herbert Marx), que personificava o bon-vivant”, explica Cristiano.