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A Ambição do Teatro
A Mostra Internacional de Teatro de São Paulo traz, pela primeira vez ao Brasil, o diretor russo Dmitry Krymov e sua companhia, uma das referências do teatro contemporâneo europeu. Confira a integra da entrevista.
Filho de um diretor e uma crítica de teatro, Dmitry Krymov começou sua carreira como cenógrafo, em 1976. A experiência de mais de 90 criações o levou para a pintura na década de 1990, e em 2002, fez sua estreia como diretor. Desde então vem se firmando como uma referência em inovação, marcado pela forte influência das artes plásticas e elementos multimídia em suas obras. Há dez anos criou um laboratório de estudos teatrais na universidade onde já lecionava em Moscou, o Dmitry Krymov Laboratory at Moscow Theatre School of Dramatic Art.
O grupo - que já excursionou e foi premiado em diversos países - chega pela primeira vez à América Latina para apresentar o aclamado Opus Nº 7, de 2008. Com proporções de uma ópera e influenciado por grandes musicais, com bonecos imensos, pianos em duelo e rápidas transformações de cenário, o espetáculo revisita o legado de perseguição aos judeus soviéticos no século XX e a opressão sob o regime de Stálin.
O espetáculo que integra a programação da MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo será apresentado no Sesc Consolação. Confira a seguir, a entrevista do diretor Dmitry Krymov à EOnline:
EOnline: A Rússia tem uma longa tradição de grandes dramaturgos e diretores. Para aqueles que nunca tiveram contato, como você poderia destacar as características particulares do teatro russo? E quanto a você, o que inspira suas criações?
Krymov: O teatro russo tem, naturalmente, uma longa história e tradições, desde Stanislavsky e ainda antes. Mas o seu estado atual vai além dessas tradições. O retrato do mundo moderno no teatro russo é muito mais amplo, e inclui todas as tendências do teatro moderno além de alguns traços individuais que vêm do âmago do teatro russo. Então, é muito difícil explicar o que é teatro russo hoje. É uma espécie de grande caixa que tem tudo do mundo todo: as tradições e novas influências que aparecem de só Deus sabe onde, ninguém pode dizer onde estão essas raízes. Alguém tem que colocá-lo sob o microscópio para estudar e examinar onde uma ou outra ocorrência se origina: a partir da profundidade do teatro russo ou algumas influências da França, Grã-Bretanha, Polônia, Alemanha ou em outros lugares. Às vezes é uma mistura. O mais interessante são, geralmente, essas misturas que aparecem.
As tradições do teatro russo são, basicamente, o chamado teatro psicológico russo, que, em geral, ainda tem influência sobre o que está acontecendo hoje no teatro moderno. Mas - repito - é uma caixa muito complicada, que é muito difícil de analisar de fora, mesmo - ou talvez mais - para as pessoas que estão dentro desta caixa, como eu.
Quanto às minhas inspirações em criações... bem, o teatro é arte. O que inspira as pessoas que fazem arte? De uma forma ou de outra, eles tentam refletir - emocionalmente - o mundo em que existem, e de alguma forma passar essas sensações para outras pessoas, por meio de imagens - imagens bastante complexas, - que podem tocar o coração das pessoas e também podem trazer prazer ou perturbá-las, e de alguma forma explicar - eu não tenho medo de usar essa palavra aqui - o que está acontecendo e que, apesar de tudo, a vida é feita de dentro dos limites da nossa compreensão destas questões complexas. É uma coisa muito ambiciosa fazer arte e teatro. Porque você assume a responsabilidade de explicar as coisas complexas e incompreensíveis que estão na mente de todos - e que são importantes para todos nós - e é em busca das respostas a estas perguntas que coisas como religião nascem, e por isso é arte. São as tentativas de encontrar alguma confiança na vida, tentar compreendê-la de alguma forma, entender por que nós existimos, de onde viemos, para onde vamos.
EOnline: A originalidade do seu trabalho tem sido referenciada por onde passa. Quais são suas referências? Outras áreas, como cinema e artes visuais têm influência?
É claro que - como alguém que pratica a arte - estou cheio de várias influências. Às vezes se tem consciência dessas coisas e outras vezes não. Então, é possível dizer que algumas raízes têm vindo de cinema, teatro, das artes visuais, litografia e disso pode-se esboçar uma espécie de árvore genealógica do teatro que praticamos. Mas em vez de eu querer me sentir como um homem livre, correndo ao redor do gramado, onde diferentes flores de diferentes tipos de arte crescem, eu não gosto muito de analisar. É mais sobre o que eu amo do que de onde as minhas referências são, literalmente. O que eu amo é o que me influencia. Eu amo Fellini, amo Chagall. Dos diretores de teatro, eu amo Lepage, Meyerhold, Vakhtangov, Mikhail Tchekhov. Mas de que forma todos esses meus amores são referenciados nos meus trabalhos, eu não sei.
EOnline: Opus #7 é uma montagem de proporção de uma ópera, longo. Algo precisou ser adaptado para a vinda ao Brasil? Vocês acreditam que uma peça é universal?
Krymov: Não, nada foi adaptado. Esta é a forma como é exibida em Moscou, e esta é a forma como foi exibida em muitos países do mundo. E é claro que eu acredito que uma boa obra de arte, consistente, que é concebida em um país - a Rússia ou o Brasil, não importa, - será entendida em outros países também. Talvez não em todas as nuances, porque as pessoas de outros países não têm todas as referências. Mas pode até ser melhor, porque pode ser mais fácil para elas perceberem o retrato a partir do zero, como uma folha limpa, do que para as pessoas que conhecem todas as nuances de entrada e saída, todo o banco de dados, por assim dizer. Então, creio eu, que há alguma linguagem internacional de arte que não requer adaptações.
EOnline: Como são desenvolvidos os elementos visuais, como cenário e adereços, para que sejam aspectos importantes na história contada?
Krymov: Eles são desenvolvidos da mesma forma que personagens. Partindo do zero, a partir da concepção através de um longo período de ensaios. É bastante tempo de preparação, que dura quase um ano ou até mais. Através de todo esse longo trabalho concreto que, de alguma forma, se cristaliza no espetáculo. Esses elementos são realmente muito importantes para a linguagem que usamos no nosso teatro. Em seguida, é necessário algum pequeno período de tempo para que este mundo material seja transformado em um real. E lá vai você. E então nós estamos no Brasil.
EOnline: A censura é uma questão discutida em retrospecto no espetáculo. Como você vê a situação atual? Censura ainda é um problema latente?
Krymov: Infelizmente agora na arte russa esta questão torna-se latente de novo, o que me deixa muito triste - e não só a mim. É triste e assustador. Mas até agora não há necessidade de pensar no pior. Se nós estamos trazendo esse espetáculo para o Brasil, é porque não chegou a um ponto crítico.
o que: |
Opus #7 - com a companhia Dmitry Krymov Laboratory at Moscow Theatre School of Dramatic Art |
quando: |
13/3 a 15/3. Sexta, às 20h sábado e domingo, às 18h. |
onde: |
Sesc Consolação | Rua Dr. Vila Nova, 245 | (11) 3234-3000 |
ingressos: |
Consulte a programação. |