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O Bacana
NA MÚSICA, NA LITERATURA OU NO CINEMA, BRAGUINHA ESTEVE ENVOLVIDO COM AS PRINCIPAIS NOVIDADES NA ARTE BRASILEIRA DO SÉCULO 20
“Chiquita bacana lá da Martinica / Se veste com uma casca de banana nanica / Não usa vestido, não usa calção / Inverno pra ela é pleno verão / Existencialista com toda razão / Só faz o que manda o seu coração.” É fácil reconhecer esses versos clássicos, ou então: “Ô Balancê, balancê / Quero dançar com você / Entra na roda, morena pra ver / o balancê, balancê”. O ritmo ganha vida – e o próximo passo é sair cantarolando as canções Chiquita Bacana e Balancê. Esses são apenas alguns exemplos do extenso acervo da música popular brasileira composto pelo mestre Carlos Alberto Ferreira Braga – o Braguinha (1907-2006). “Ele esteve ligado às principais novidades no campo da arte do século passado. Produziu para o mercado fonográfico (no qual também foi executivo), para o cinema (música, roteiro, direção, dublagem) e foi escritor de textos infantis”, sintetiza André Diniz, pesquisador e autor do livro Braguinha, João de Barro (Editora Moderna, 2007), escrito em parceria com Juliana Lins. “No campo da música, ele transitava com muita propriedade por vários estilos, como samba, marchinha, samba-canção, valsa.”
Na história do compositor dois fatos se destacam para ajudar a entender suas características como artista. Um deles é a escolha do pseudônimo e o outro é a circulação pelos bairros cariocas. Nascido na Gávea em março de 1907, logo se mudou com a família para Botafogo – que lhe deu o time do coração. Depois, em 1919, foi para a Vila Isabel, bairro no qual estava localizada a Fábrica de Tecidos Confiança, da qual o pai, Gerônimo Ferreira Braga, era gerente. Braguinha completou os estudos no bairro vizinho da Tijuca. Esse trânsito e a vivência escolar garantiram novos amigos, entre eles Henrique Brito, que, segundo Diniz, o incentivou a tocar violão e o apresentou a jovens músicos de Vila Isabel. Nesse meio-tempo Braguinha formou o Bando de Tangarás. No grupo compunha, mas assinava as canções com o pseudônimo João de Barro, já que seu pai não era simpático à ideia de ter um filho sambista. Em trecho do livro de Diniz, o compositor explicou sua opção: “Compor e cantar sambas no meu tempo era sinônimo de desocupado e, de mais a mais, eu era, e continuo sendo, um tímido. Como quase todos os componentes do Tangará tinham um apelido, resolvi me esconder como um joão-de-barro”.
Juntaram-se a Braguinha e seu bando Noel Rosa e o sambista Almirante. Essa formação é identificada como um dos primeiros grupos de música popular formado por jovens da classe média carioca e “entrou para a história por ter gravado pela primeira vez uma música – Na Pavuna – com os instrumentos de percussão das escolas de samba do Rio de Janeiro”, conta Diniz. A amizade com Noel Rosa rendeu a canção As Pastorinhas – uma referência ao ritmo das pastorinhas que desfilavam em Vila Isabel na noite dos Santos Reis –, gravada por Sílvio Caldas e vencedora do carnaval de 1938.
Horizonte ampliado
Nem só de marchinhas é feita a obra de Braguinha. O talento se expandiu para o cinema e continuou na música, mas em outras direções. O compositor foi diretor da gravadora Continental e o idealizador da Coleção Disquinho, voltada ao público infantil. Com um belo trabalho de arte – os discos eram coloridos, as capas estampavam desenhos irresistíveis – a coleção trazia fábulas cantadas: A Gata Borralheira, A Cigarra e a Formiga, Festa no Céu, entre tantas outras. Mesmo deixando de ser produzida nos anos 1980, tornou-se um marco. “Em dezembro de 1943, a gravadora Continental foi inaugurada. E nessa época o Braguinha era diretor artístico. Seu primeiro sucesso lançado pela Continental foi o samba-canção Copacabana (segunda composição mais gravada do compositor)”, comenta o pesquisador de música popular Diogo Cunha. “O selo [da Coleção Disquinho] é uma das grandes criações do Braguinha. Lembro-me dos disquinhos coloridos e suas magníficas histórias. Mas a melhor era Festa no Céu. Braguinha estava certíssimo na sua ideia!”
Diniz concorda que o selo foi um achado. “Braguinha curtia muito produzir para criança. A Coleção Disquinho é precursora de toda uma gama de composições para o universo infantil”, acrescenta. O autor cita outra incursão de sucesso de Braguinha nas artes, agora no cinema, pela qual, nos anos 1930 e 40, ajudou a divulgar e popularizar os artistas e músicos brasileiros. “Em 1938 foi responsável pela dublagem brasileira de Branca de Neve e os Sete Anões, de Walt Disney. Também participou das versões brasileiras de Pinóquio (1940), Dumbo (1941) e Bambi (1942). Ainda escreveu, adaptou e musicou Os Três Porquinhos, Festa no Céu e Chapeuzinho Vermelho”, enumera Diniz.
A versatilidade e pioneirismo só elevam sua importância para a cultura brasileira: “Na realidade o nome de Braguinha deveria vir no plural, pois são muitos Braguinhas”, declara Diniz com humor. O compositor ainda teve fôlego para trabalhar como roteirista na Cinédia, produtora cinematográfica carioca fundada em 1930 que inaugurou a mentalidade de produzir audiovisual em padrões industriais no país. Escreveu argumentos e a trilha sonora dos filmes Alô, Alô, Brasil (1934), Alô, Alô, Carnaval (1936) e Estudantes (1935), este com a estrela das comédias musicais Carmem Miranda.
Mesmo se declarando tímido, Braguinha sempre aparece com um sorriso acolhedor nos registros fotográficos. É assim ao lado dos companheiros do Tangará, no retrato ao lado da cantora Clara Nunes na banda de Ipanema, no carnaval de 1975, e no desfile da escola de samba Mangueira, em 1984, no qual foi o homenageado. Como afirmou o jornalista e crítico musical Sérgio Cabral, na abertura do livro escrito por André Diniz, “sem a obra de Carlos Alberto Ferreira Braga, o João de Barro para a música, Braguinha para os amigos e Carlinhos para a família, dá a impressão de que não haveria música popular brasileira e muito menos carnaval”.
GOLS DE PLACA
CONHEÇA ALGUMAS HISTÓRIAS E CANÇÕES DE SUCESSO DE BRAGUINHA
A primeira surgiu na tarde de 13 de julho de 1950, quando mais de 200 mil pessoas cantaram Touradas em Madri no Maracanã. A torcida já gritava o tradicional “olé”, mas, após Chico – aos 11 minutos do segundo tempo – marcar o quarto gol da seleção brasileira contra a Espanha, um grupo de torcedores (e depois uma multidão) cantou o sucesso do carnaval de 1938 Touradas em Madri. A música era de 1938 e 12 anos depois – na Copa do Mundo no Brasil – a torcida cantou a marcha de Braguinha e Alberto Ribeiro no então novinho em folha Maracanã. Que “sucesso” de carnaval dura tanto tempo? A peleja terminou 6 a 1 para nós (e não 7 a 1 para eles). E Braguinha estava no estádio. Chorou e quase apanhou, pois um torcedor achava que o compositor emocionado era um espanhol desesperado.
O outro gol de placa de Braguinha foi composto às 8 horas da manhã numa terça-feira de carnaval, em 4 de março de 1984. Obra do quinteto mangueirense Jurandir, Hélio Turco, Comprido, Arroz e Jajá, foi o samba enredo Yes, Nós Temos Braguinha. Braguinha era o enredo da Estação Primeira de Mangueira na inauguração do Sambódromo carioca. A verde e rosa, que não levantava o caneco havia 11 anos, foi a supercampeã do carnaval carioca. O público abandonou as arquibancadas e a geral (na época existia uma geral) e acompanhou o desfile na pista. E mais: a escola deu uma volta olímpica no sambódromo! Voltou da dispersão para a concentração. O compositor estava presente no desfile, que fez muito folião cantar, pular, suar, namorar, beber e chorar. Viu todo carinhoso o balancê do povo. Yes, nós temos Braguinha!
Fonte: Diogo Cunha, pesquisador de música popular e coautor, com André Diniz, dos livros Nelson Sargento, o Samba da Mais Alta Patente (Olho no Tempo, 2015), Na Passarela do Samba (Casa da Palavra, 2014) e A República Cantada: A História do Brasil através da Música (Zahar, 2014). Coordenou a publicação de Monarco, a Soberania do Samba (Prefeitura do Rio de Janeiro, 2011). Atualmente é pesquisador do Observatório de Favelas.
MEMÓRIA VIVA
ATIVIDADE TEM COMO TEMA A ÉPOCA DE OURO DA MÚSICA BRASILEIRA, DE 1929 A 1945
No mês de agosto o Sesc Pinheiros recebeu o projeto Memória Musical Brasileira, uma série de audições comentadas e ilustradas com músicas e imagens. “O tema é a música popular brasileira de 1930 a 1970 – e mais especialmente a chamada ‘Época de Ouro’, que vai de 1929 a 1945. Os relatos – entremeados de canções e imagens – contam histórias das composições, dos autores, dos intérpretes e dos fatos que marcaram o período”, explica o técnico de programação da unidade Cristiano Luiz Sottano.
O evento foi composto por um ciclo de quatro palestras que versaram sobre a vida, a obra e a importância de personalidades como Braguinha, Lamartine Babo, Ary Barroso e Mario Reis, “Quatro grandes nomes da Época de Ouro que consolidaram as bases da música popular brasileira”, diz Sottano. Ele também destaca que o evento, direcionado aos idosos, teve como objetivo a construção de conhecimento a partir do resgate e da preservação da memória musical brasileira por meio de personagens tão marcantes da sua história.