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por Marcial
MARCIAL, BOCA DE ROMA
Apresentação e tradução: Rodrigo Garcia Lopes
Se poesia é “a forma mais condensada de expressão verbal”, como escreveu o poeta e tradutor Ezra Pound, os epigramas greco-romanos, ao lado dos haicais japoneses, são campeões na matéria. Marcus Valerius Martialis (38-104 d.C. aproximadamente) é o mestre do epigrama (do grego inscrição): um poema curto, satírico e de final picante, geralmente com uma corrosiva crítica social e de costumes. Dublê de poeta-cronista-colunista da Roma Antiga, escreveu 15 livros de poesia. Quase 2000 anos depois, em tempos de Twitter e comunicação instantânea (e muitas vezes irrelevante), Marcial tem muito a nos dizer. Ele continua sendo o mestre da agudeza ou wit: a capacidade de unir palavras e ideias com inteligência, humor e perícia. O epigrama já foi comparado a uma abelha: leve, doce, pequeno, mas com uma picada doloridíssima. Ou ao escorpião, que tem um ferrão em sua cauda. Uma das contribuições de Marcial foi incorporar a picada e a ferroada como intrínsecos ao gênero. No Brasil, podemos mencionar seu impacto nas obras de Gregório de Matos (O Boca do Inferno), Manoel Botelho, Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Basílio da Gama, até os contemporâneos Oswald de Andrade, Dalton Trevisan, José Paulo Paes, Décio Pignatari, Glauco Mattoso e Paulo Leminski, entre outros. Essas traduções fazem parte do livro Epigramas, que a Ateliê Editorial lança no começo de 2016.
I, IX
Quer parecer, Cota, um grande homem, bonito.
Só que um homem bonito, Cota, é um hominho.
I, XIX
Se não me engano, Élia, tinha quatro dentes:
Dois foram expulsos numa tosse, dois na outra.
Pode tossir agora o dia todo, velha:
Não tem lugar pra tosse em sua boca.
I, CX
Você diz, Veloz, que meus poemas são longos.
Você não escreve nada: isto é concisão.
II, VII
Você se mete a declamar, Ático, a advogar,
se mete a contar histórias, a fazer versinhos,
se mete a montar cenas, a escrever epigramas,
se mete com gramática, se mete com astrologia;
e se mete a cantar, Ártico, e a dançar;
se mete a tocar lira, a jogar bola.
Não faz nada bem, mas se mete a fazer tudo.
Sabe o que você é? Um grande metido.
II, XII
Como explicar que seus beijos cheirem mirra
e você nunca tenha um odor que seja o seu?
Póstumo, você tem sempre um cheiro bom:
Isso é o que não cheira muito bem.
IV, XXXII
Presa numa gota de âmbar luminoso,
a abelha parece embalsamada no néctar.
Ela ganhou um prêmio pelo seu esforço.
Dá até pra crer que quis morrer assim.
V, LXXXI
Pobre hoje, Emiliano, amanhã também.
A riqueza só é dada a quem já tem.
VI, LI
Dá jantares e nunca me convida, Luperco.
Descobri um jeito de te ferir: ficar puto,
e ai de você se ousar me convidar.
“O que você vai fazer?” Eu? Ir.
X, LIX
Se um poema ocupa uma página, você vira
e procura os menores, não os melhores.
Um jantar de primeira é servido,
com coisas trazidas de cada mercado,
mas você fica só nos petiscos.
Leitor enjoado assim me irrita.
Prefiro aquele que sem pão não fica.
XI, CIII
O fogo destruiu a casa de Teodoro,
poeta visionário. Satisfeitas agora, Musas?
E você, Apolo? Que crime e sacanagem dos deuses!
Queimar a casa, mas sem o proprietário!
RODRIGO GARCIA LOPES é escritor, poeta, compositor, jornalista e tradutor. É um dos editores da revista de literatura e arte Coyote e autor de 15 livros, como Experiências Extraordinárias (Kan Editora, 2015; poemas) e O Trovador (Record, 2014; romance).