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O melhor que a vida pode nos dar, por Daniel Becker

“Avós e netos se entendem bem por um bom motivo: eles têm inimigos em comum”
Sam Levenson

Por Daniel Becker*


O título deste texto vem do depoimento que costumo ouvir de amigos que já são avós, e também no consultório. Para a grande maioria, a experiência de ser avó e avô é vivida com deslumbramento e prazer.

Existem muitos motivos para isso. Nosso desejo de ter filhos e o amor que temos por eles vem em parte do mandato biológico da reprodução: a natureza – personificada no Deus da religião – nos comanda a perpetuar nosso DNA. Essa é nossa missão primária enquanto seres vivos. Ora, ver essa realização concretizada numa segunda geração é maravilhoso. Confirma nossa posteridade, e de certa forma, nossa eternidade.

Mas são muitas as razões do amor e da fruição de prazer que vem entre avós e netos. A brincadeira da nossa epígrafe pode ser quase levada a sério: a cumplicidade entre netos e seus avós muitas vezes se dá nas pequenas transgressões de limites e imposições estabelecidos pelos pais, responsáveis primários pela educação das crianças – na maioria das vezes.

Só que isso muitas vezes não se dá mais assim. Avós e avôs enfrentam um outro mundo, hoje, e as relações entre eles, seus filhos e netos mudam com grande velocidade. Em primeiro lugar, estamos vivendo mais tempo – o que significa que mais crianças convivem com seus avós, hoje. Isso é bom. Por outro lado, estamos trabalhando até muito mais tarde, e talvez uma minoria de avós disponha de muito tempo livre para cuidar de netos – muitas vezes eles trabalham mais (e com rendas ainda maiores) que os filhos. Mas a pressão para isso é grande: com pais e mães trabalhando, se ele ou ela tem tempo disponível, certamente será chamado a participar do cuidado direto das crianças.

E que bom que é assim. Para crianças de qualquer idade, a presença dos avós tem um valor inestimável. Pesquisas são unânimes em mostrar que crianças com avós presentes se desenvolvem melhor. São mais seguras e tem mais autoestima, vão melhor na escola. Avós podem trazer orientação e serenidade para pais em momentos de stress familiar. Frequentemente são bons contadores de histórias, valorizando a memória da família e fortalecendo o senso de identidade e valores. Isso é crucial para a formação da criança. E como não são os educadores primários, desfrutam de mais liberdade, e muitas vezes representam aventuras, fantasias, e um doce aconchego para os netos. A antropóloga Margaret Mead dizia que conexões entre as gerações são "essenciais para a saúde mental e para a estabilidade de uma nação".

Melhor ainda: pesquisas também demonstram que o convívio com os netos é muito benéfico. Avós participativos são mais felizes, mais saudáveis e tem menos depressão. E claro, se divertem um bocado.

Nos tempos atuais, avós são frequentemente envolvidos nos cuidados diários das crianças. Um avô ou avó pode, por exemplo, ficar com os netos alguns dias por semana, permitindo que os pais trabalhem. Ou receber os netos em casa para passar a noite ou o fim de semana, dando aos pais a oportunidade para uma pausa de descanso ou para uma vivência de casal – tão importante para a saúde da família. Para a criança que passa o dia todo na creche, nada é mais maravilhoso que a avó a “roube” mais cedo e a leve para brincar na praça ou mesmo em casa.

Muitas vezes se tornam os cuidadores primários, voltando aos tempos de paternidade ou maternidade. Isso nem sempre é uma tarefa fácil. Assim como a relação com os pais, que pode ser muito complexa e cheia de nuances. Com as pressões do trabalho, pais e mães estão frequentemente no limite, e sempre culpados por não se dedicar o bastante aos filhos. Educar nos tempos de hoje não é fácil: lutar contra a onipresença da publicidade e da pressão do consumo, contra as telas, a falta de referências, a ausência forçada, os e-mails de trabalho fora de hora... e sobretudo a falta de apoio e ajuda tão necessária. Então, se avós podem estar presentes nessa hora, é uma benção. Porém, um alerta. 

Existem muitas formas de ajudar. Algumas são muito bem vindas a qualquer hora, outras podem ser nocivas e gerar atritos e mal-estar. Como costuma ocorrer entre pessoas com laços familiares, a relação entre avós e pais é contaminada por pequenos ou grandes conflitos do passado – que podem gerar competição, ressentimentos, humilhação, invasão de privacidade ou de competência, autoritarismo, falta de gentileza e de cuidado.

Para os avós, é preciso entender que os pais são os cuidadores primários das crianças. Eles precisam encontrar sua próprias respostas, desenvolver seu estilo de educar, que será diferente da geração anterior. Isso não quer dizer que você tenha que concordar com tudo, mas que a discordância, e sobre tudo, os “palpites”, devem ser muito cuidadosos. A melhor forma de ajudar é, em vez de dizer “eu fazia assim e deu certo (frequente tentação...), perguntar “do que você está precisando?”; ou “o que posso fazer por você?”. Evite julgar, procure ter empatia e apoiar. Esse tipo de atitude sempre será bem recebida.

E os pais devem se lembrar de que a presença dos avós é uma benção, e sua disponibilidade uma dádiva. Eles devem ser respeitados e tratados com deferência e carinho. Não se pode tomar a ajuda deles como uma mera obrigação – muitas vezes a sua presença implica em sacrifício de seus interesses ou trabalho - mas recebe-la com gratidão. E estar abertos para receber suas sugestões e conselhos, quando oferecidos com respeito e amor.

Com essas regras simples, conflitos podem ser evitados ou superados - e quem mais se beneficia são as crianças. E aí, é hora de pegar seus netos e partir com eles para a praia, para a praça e para o parque, onde a diversão é garantida, onde a natureza e a atividade física garantem benefícios para todos: avós, crianças, mães e pais. Melhor ainda: fazer um programa com todo mundo junto, celebrando a família, a beleza da vida e da passagem do tempo.

Eric Fromm dizia que a maior e melhor fonte de amor é o cuidado. Amamos quem cuidamos. Cuidar nos fortalece e dá sentido de propósito em nossas vidas. E sobre o amor, nos diz Hélio Pellegrino (numa entrevista à Clarice Lispector):
– Hélio, qual é a coisa mais importante do mundo?
– A coisa mais importante do mundo é a possibilidade de ser-com-o-outro, na calma, cálida e intensa mutualidade do amor. O Outro é o que importa, antes e acima de tudo. Por mediação dele, na medida em que o recebo em sua graça, conquisto para mim a graça de existir. É esta fonte da verdadeira generosidade e entusiasmo.

Participe do cuidado e da educação de seus netos – e conquiste a graça de existir. Afinal, como dizem Zuenir Ventura e Luís Fernando Veríssimo, “seu eu soubesse que ter netos era tão bom, teria pulado os filhos”.

 

                                                                                        * Pediatra formado pela UFRJ com mestrado em Saúde Pública. Em sua prática pediátrica, ele atua no campo da Pediatria Integrativa: uma abordagem que vê a criança amplamente, no contexto de sua família, cidade, cultura, condição socia e meio ambiente; constrói soluções em conjunto com a família, respeitando os seus pontos de vista e ideias; e propõe a melhor abordagem possível para cada situação.

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