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Olhar ilustrado
A capa ganha relevância em projetos editoriais, pois é capaz de fisgar o leitor para uma obra que sobressai em meio a um mar de títulos
Ao primeiro olhar, escolher um livro em meio a vasta oferta, é algo difícil. Diante da profusão de títulos, certamente uma boa capa, colorida, em preto e branco, em relevo, em uma única cor, é um elemento que inspira e atrai. Que poder, então, tem a capa, ao condensar a ideia que o escritor desenvolve em páginas e páginas? A sua função é múltipla, assim como os significados que desperta.
“A capa nos apresenta um livro – e seu texto – desde que o pegamos pela primeira vez numa livraria. Ela pode servir, num primeiro momento, até como atrativo, e são conhecidas as tentativas dos editores de fazerem capas chamativas que interessem o consumidor, ou capas padronizadas de uma série ou coleção que ajudem a identificar um campo de interesse”, explica o professor de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Paraná (UFPR) Luís Gonçalves Bueno de Camargo, autor do livro Capas de Santa Rosa (Edições Sesc, Ateliê Editorial, 2016).
Modernização e mercado
A modernização do setor gráfico alicerçou-se no uso de fotografias e na feitura dos periódicos ilustrados, que floresceram no século 19 e tiveram outro momento de destaque na década de 1920, época que favoreceu o amadurecimento do projeto visual brasileiro. É nesse momento de mercado nascente que o trabalho do designer começou a ganhar destaque nas publicações.
Tais avanços seguiram em consonância com o processo de industrialização nacional ocorrido nas primeiras décadas do século 20 e identificado como um dos marcos iniciais do design brasileiro. Outro momento-chave nessa história de modernização é contemplado nos anos 1960, com a abertura do Instituto de Arte Contemporânea do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e da Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), no Rio de Janeiro.
As transformações no mercado editorial tiveram forte impacto na atuação do capista. Graduado em Artes Plásticas pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Eduardo Sancinetti mantém com amigos uma pequena editora na qual produz livros de artistas e fanzines, concentrando todo o processo de produção, inclusive a capa, nicho que vem se tornando cada dia mais expressivo na área. “Hoje, na capa, busca-se uma imagem com menos excesso para tratar de algo que precisa ser olhado com atenção, que não pode ser visto rapidamente, senão perde sua finalidade”, opina.
De acordo com Sancinetti, um bom exemplo dessa efervescência está nas feiras literárias organizadas por editoras independentes, como uma amostra identificada pela produção de edições especiais e em menor escala. “Apesar de ver nas feiras uma rapidez no passar de mesa em mesa, acredito que chegando em casa o leitor irá olhar com mais calma as publicações justamente por esse caráter de fragilidade que elas ganham. A imagem de capa é limpa, quando há excessos eles criam massas de cores que também atraem o olhar”, explica. “Feiras como a Plana, Tijuana, Miolos, Pão de forma e outras ao redor do Brasil têm uma importância grande porque alavancam a criação por serem mesmo um local aberto a todos. Percebi que as pessoas tratam o projeto visual como algo especial e próximo a elas.”
Artista de muitas faces
Livro mapeia produção de Tomás Santa Rosa, cujo trabalho se destaca em áreas como design editorial e cenografia para teatro
Tomás Santa Rosa, ou simplesmente Santa Rosa (1909-1956), como ficou conhecido, pode ser chamado de um artista múltiplo: pintor, gravurista, capista, criou ilustrações e projetos gráficos para livros, revistas e jornais, além de elaborar cenários e figurinos para teatro, entre eles a cenografia da peça Vestido de Noiva, escrita por Nelson Rodrigues e dirigida por Ziembinski em 1943, espetáculo símbolo do processo de modernização do teatro brasileiro.
A contextualização de seu trabalho pode ser vista em Capas de Santa Rosa (Edições Sesc, Ateliê Editorial, 2016), livro de Luís Gonçalves Bueno de Camargo. Para o autor, que é professor de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Paraná (UFPR), ao atuar em espaços considerados menos nobres, mais técnicos ou artesanais – como a produção editorial e a cenografia teatral –, Santa Rosa chamou a atenção para a artificialidade da segmentação entre artista, artesão e designer. “Santa Rosa era um artista plástico respeitado em seu tempo. Com os resultados que obteve, ele contribuiu decisivamente para encurtar a distância entre uma coisa e outra”, afirma.
Nas capas de livros, Santa Rosa tinha um desenho muito eclético, pois sempre havia a preocupação, que era técnica, mas também artística, de fazer dialogar a arte da capa com a obra literária. “Ora, uma característica como o ecletismo, que não era considerado um valor artístico admirado num pintor, aos poucos passou a ser visto como algo positivo”, acrescenta. “Além disso, estimulou e abriu caminhos para outros artistas, como é o caso de Poty, (Poty Lazzarotto, desenhista e gravurista brasileiro, 1924-1998), tendo responsabilidade direta pela atuação de artistas promissores num ramo que hoje identificaríamos como o design, ajudando também a mudar o status da atividade.”
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