Postado em 30/06/2016
Hortas urbanas espalhadas por São Paulo ajudam a manter a cidade viva e a despertar os cidadãos para a responsabilidade de utilização do espaço público
No coração de São Paulo, em plena Avenida Paulista, temperos e hortaliças brotam quase ao lado do asfalto, do concreto e da frenética vida na metrópole. Criada em 2012, a Horta do Ciclista, localizada na Praça do Ciclista, é um dos exemplos da agricultura urbana, que tem crescido na cidade nos últimos anos. Além de provar que quase todo espaço pode ser transformado e utilizado para o cultivo de plantas, iniciativas desse tipo buscam contribuir para a sustentabilidade e a qualidade de vida.
O Movimento Urbano de Agroecologia de São Paulo (Muda-SP) já mapeou aproximadamente 80 hortas pela cidade. Além desses projetos, há cerca de 400 agricultores, segundo estimativa da prefeitura, que realizam o plantio de alimentos orgânicos como fonte de renda nas áreas urbanas de São Paulo, em locais como São Mateus, na Zona Leste, e Parelheiros, na Zona Sul. Esses diferentes exemplos de cultivo dentro do perímetro da cidade, segundo o integrante do Muda-SP e pesquisador do Grupo de Estudos em Agricultura Urbana da Universidade de São Paulo (USP) Guilherme Reis Ranieri, podem ser agrupados em dois tipos de hortas urbanas: aquelas que têm como principal objetivo produzir alimento, seja para o consumo próprio ou para a venda, e as hortas-praça, ou hortas de ativismo, feitas por voluntários em praças ou terrenos públicos.
Estas últimas, também chamadas informalmente de “hortelões”, têm passado a ganhar força nos últimos cinco anos. “Esse movimento começou com pessoas que entendem os benefícios que a agricultura urbana traz para a saúde e para a cidade, tanto em relação à alimentação orgânica quanto pelo contato com a terra, já que cuidar das hortas é um momento para desestressar e resgatar vários tipos de conhecimento”, explica Guilherme. Nessas hortas, além do cultivo dos vegetais, um dos grandes objetivos é discutir novos modelos de cidade. “É um momento em que as pessoas percebem que o espaço público é de todos, então todos podem e devem ocupá-lo e utilizá-lo para um fim útil e produtivo”, completa.
Alimento orgânico
Utilizar a terra para o cultivo nos centros urbanos é uma ideia antiga, mas que havia sido deixada de lado por algumas décadas, avalia o arquiteto e urbanista especialista em gestão urbana Kazuo Nakano. Ele explica que, no Brasil, o processo mais denso de urbanização ocorreu na segunda metade do século 20, quando houve a saída de muitas pessoas do campo para a cidade. Naquele momento, migrantes e imigrantes vindos de áreas rurais passaram a cultivar hortas para atender à demanda por abastecimento alimentar da vizinhança. “Porém, houve um momento em que isso enfraqueceu. Agora, vemos uma volta desse hábito por uma tendência de buscar modos de convivência, além da preocupação pela segurança alimentar e nutricional. As pessoas estão valorizando o alimento orgânico, mais natural, saudável e ligado à cultura regional”, complementa Kazuo.
O arquiteto e urbanista comenta que a agricultura urbana é uma tendência não só no Brasil, mas em outros países, como Alemanha, Inglaterra, Japão, Argentina e Cuba, onde surgem iniciativas de utilização de espaços públicos para atividades de convivência. “Esse movimento parte de pessoas que constataram que a vida urbana isolada e confinada não tem sentido, então buscam criar relações de vizinhança nos locais onde vivem cotidianamente”, analisa.
Hortelões urbanos
Iniciativas como a Horta do Ciclista, na região da Avenida Paulista, a Horta das Corujas, na Vila Beatriz, e a Horta das Flores, na Mooca, são mantidas e cuidadas por voluntários. A colheita costuma ser livre, o que quer dizer que qualquer pessoa pode ir até esses espaços pegar algumas folhas de tempero, chás ou outros vegetais.
Os mutirões para cuidado, realizados semanalmente ou mensalmente, costumam ser divulgados pelas redes sociais, nos grupos em que os voluntários responsáveis pelas hortas se reúnem. Uma das criadoras da Horta das Corujas e da Horta do Ciclista, em 2012, a jornalista Claudia Visoni explica que, como as hortas têm surgido de maneira espontânea, ainda não existe uma legislação que as regulamente. Hoje, qualquer pessoa pode criar uma horta comunitária. “O mais importante, porém, é a disposição para cuidar do espaço. Em geral, todas as hortas precisam de mais voluntários frequentes para ajudar nos cuidados”, ressalta. “As hortas estão integradas ao tecido urbano e as pessoas participam como querem, indo só visitar ou trabalhando nelas.”
Há, ainda, uma vertente de educação ambiental nessas iniciativas, aponta Guilherme Ranieri. “Especialmente as hortas de ativismo fazem parte do entendimento sobre o que é um espaço verde. Entre outros benefícios ao meio ambiente, esses espaços fazem aumentar os polinizadores, atraem insetos benéficos para um ecossistema mais equilibrado, renovam a água do lençol freático e contribuem para um local mais fresco”, exemplifica. Além disso, a agricultura urbana serve para questionar a tradicional divisão entre campo e cidade: “Há crianças que nunca viram um pé de alface, então existe uma função tanto lúdica quanto educacional. Mesmo para nós, adultos, é importante criar uma reconexão com o alimento, com a natureza e com a cidade, porque as ruas, além de locais de trânsito, podem ser também locais de permanência”.
Geralmente, as hortas têm colheita pública e mutirões abertos.
Conheça alguns exemplos:
Av. Paulista, 2444
facebook.com/groups/HortaDoCiclista
Mutirões no primeiro domingo de cada mês.
Rua Vergueiro, 1000
Mutirões no último domingo de cada mês.
Rua Caetano Desco, 123, Casa Verde
facebook.com/groups/hortaocasaverde
Mutirões divulgados no grupo.
Av. Alcântara Machado, 2200, Mooca
facebook.com/groups/hortadapracadasflores
Mutirões no terceiro domingo de cada mês.
Praça Dolores Ibarruri
facebook.com/groups/hortadascorujas
Mutirões divulgados no grupo.
Av. Dr. Arnaldo, 455
Mutirões às quintas-feiras, após a 17h, e sextas-feiras ao meio-dia.
Conheça mais sobre as hortas e os produtores agrícolas de São Paulo no mapeamento disponível em www.muda.org.br.
Diversas unidades do Sesc, como Interlagos, Itaquera, Taubaté, Bertioga e Sorocaba, possuem hortas permanentes ou espaços para plantio destinados às atividades de educação para a sustentabilidade
Centro de Pesquisa e Formação | 30/6 e 1/7, das 10h às 13h
A atividade aborda as hortas urbanas sob as perspectivas da saúde e do bem-estar, com visita à Horta das Corujas e roda de conversa com uma das idealizadoras do grupo Hortelões Urbanos. Com Sabrina Jeha, geógrafa e herborista do viveiro Sabor de Fazenda Ervas e Temperos; Silvia Jeha, nutricionista, herborista e especialista em cultivo orgânico de ervas e temperos da Sabor de Fazenda Ervas e Temperos; e Claudia Visoni, jornalista.
Sesc Itaquera | 29/7, das 9h às 14h
Bate-papo com educadores sobre as possibilidades educativas em espaços de plantio geridos pela comunidade. O encontro abordará a experiência da Horta das Flores para fomentar as discussões dos espaços educadores na cidade e as possibilidades de troca entre escola e esses novos espaços de socialização. Necessária inscrição prévia.
Sesc Osasco | 10 e 24/7, às 11h
No segundo e quarto domingo do mês, a horta do Sesc Osasco está aberta para moradores do entorno, funcionários e entusiastas de agricultura urbana participarem da sua colheita e manutenção. No mutirão, são apresentados os conceitos das hortas comunitárias, técnicas de preparo para novos canteiros, limpeza, adubação e cobertura do solo.
São Caetano | 2/7, às 9h
Uma vez por mês, o jardim do Sesc São Caetano recebe produtores de alimentos orgânicos e mediadores que trazem, além de seus produtos frescos direto da horta, relatos de boas práticas e a reflexão sobre o consumo consciente e seus impactos sociais, econômicos, ambientais e do ponto de vista da saúde.