Postado em 28/10/2016
Caminho para alimentação saudável passa longe da comida ultraprocessada e valoriza as refeições baseadas em alimentos in natura
Imagine que você acabou de descer em uma das estações de metrô da avenida Paulista, em São Paulo, e procura uma opção de lanche da tarde. No caminho, depara-se com uma grande oferta de salgadinhos, doces, biscoitos, salgados, chips e bebidas açucaradas. Para encontrar uma fruta, provavelmente precisaria andar algumas quadras. Mesmo para um tradicional café com pão, talvez fosse necessário procurar um pouco mais. O que você escolheria comer?
Impasses desse tipo, ligados à alimentação em meio ao modo de vida urbano, têm se tornado comuns no cotidiano do brasileiro. Cada vez mais, trocamos preparações culinárias, almoços e jantares por lanches rápidos e alimentos ultraprocessados, tendência apontada na última Pesquisa Nacional de Orçamentos Familiares, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2008 e 2009. Combinações tradicionais, como arroz, feijão, carne e salada, têm sido deixadas de lado, ao mesmo tempo em que as taxas de obesidade aumentam – segundo o IBGE, 56,9% da população brasileira adulta está com excesso de peso, e desse percentual 21,3%, já está na faixa de obesidade.
Para reverter esse quadro, não é necessária uma volta ao tempo em que cada pessoa plantava os próprios alimentos, basta retomar a alimentação baseada na chamada “comida de verdade”, explica a nutricionista e professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) Rosa Wanda Diez Garcia. Essa recomendação é o que propõe o Guia Alimentar para a População Brasileira (Ministério da Saúde, 2014), que defende refeições baseadas em alimentos in natura, como frutas, verduras e legumes, ou minimamente processados, como arroz, feijão, farinha, leite, castanhas, ovos e carnes.
No mesmo caminho do que é proposto pelo guia, Rosa lembra que a alimentação deve ser a mais convencional possível. “Assim podem ser evitados muitos problemas nutricionais, como obesidade e sobrepeso, condições associadas a doenças crônicas como diabetes e hipertensão”, ressalta. “Um bom prato de comida é uma escolha mais saudável do que um salgado no almoço, e no lanche um pão caseiro com café é melhor do que uma bolacha recheada e refrigerante”, exemplifica a professora, que faz um adendo: “É importante lembrar que isso não precisa ficar apenas nas costas dos cidadãos. Se você sai do metrô e não encontra nenhuma opção de comida saudável no seu caminho até o trabalho, você é vítima de todo um sistema que precisaria zelar melhor pela saúde dos cidadãos. Uma vida mais saudável é responsabilidade de todos, e não só de um segmento da população”.
Informação é poder
A nutricionista e pesquisadora de alimentos no Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Ana Paula Bortoletto observa a importância de avaliar criticamente os dados aos quais temos acesso sobre os alimentos. “Em meio a tantas informações circulando, parece que se alimentar de forma saudável é difícil, complicado, que você precisa saber muito. Assim, há estratégias de publicidade para comercializar alimentos como bolachas, bebidas açucaradas e bebidas lácteas como saudáveis. Porém, avaliando a composição desses produtos é possível perceber que são ultraprocessados. Isso confunde muito as pessoas e faz com que elas façam escolhas não saudáveis”, analisa.
Na opinião de Ana Paula, seria importante regular a publicidade dos alimentos e redefinir a maneira como as informações estão disponíveis nos rótulos. “Hoje, é difícil entender a tabela nutricional, mas existem outras opções, como destacar os riscos nutricionais, de modo que o consumidor saiba se aquele alimento tem excesso de açúcar e de calorias. Isso ocorre em países como Chile e Equador”, afirma.
Hoje, é comum que, nos rótulos, o açúcar apareça com diferentes nomes, como glucose de milho, maltodextrina e xarope de malte. Esse tipo de artifício acaba gerando dúvidas para quem compra o produto. “Quando se fala em alimento in natura, muita gente pensa logo na contaminação por agrotóxicos, mas esquece que o industrializado também é feito a partir de um in natura contaminado”, exemplifica a mestre em Nutrição em Saúde Pública pela USP Francine Lima, que procura explicar a composição e origem dos alimentos em seu canal Do Campo à Mesa, no YouTube.
Para o consumidor que não tem conhecimentos sobre o glossário de ingredientes que compõem os alimentos industrializados, Francine recomenda: “O ideal é prestar atenção no tamanho da lista de ingredientes, sabendo que ela está em ordem decrescente de quantidades, e na familiaridade que se tem com aqueles nomes. Não conhecer os ingredientes presentes já é um indicativo de que aquele alimento talvez seja ultraprocessado. Quanto mais nomes desconhecidos na lista, maior o alerta”, e chama a atenção para o poder do consumidor. “O importante é saber que as pessoas têm total direito de se manifestar e que podem vigiar e cobrar as marcas. Tudo isso passa por uma tomada de consciência de se perguntar se aquele alimento é bom o suficiente, se é o que queremos, se atende às nossas necessidades.”
Tempo e dinheiro
Quando se fala em alimentação saudável, outro obstáculo costuma ser a questão financeira. Porém, uma alimentação calcada em alimentos in natura e minimamente processados é mais econômica quando avaliada em relação a uma alimentação baseada em processados e ultraprocessados, ressalta Ana Paula, do Idec. “Para alguns itens específicos, como na comparação entre refrigerante e suco, essa questão econômica já é um problema, mas se você faz uma avaliação do total da alimentação de um dia, ainda é mais barato ter uma alimentação baseada em in natura”, compara, citando o estudo Preço de Alimentos no Brasil, realizado neste ano na Universidade Federal de Minas Gerais, segundo o qual o preço médio (R$/1.000 kcal) resultante da associação dos alimentos in natura, minimamente processados e ingredientes culinários é de R$ 1,56, enquanto a média do preço dos processados e ultraprocessados é R$ 2,40.
O tempo costuma ser outro obstáculo para a alimentação saudável nas cidades, lembra Rosa. “Na sua maioria, os centros urbanos oferecem muitas soluções de comida rápida. Muitas pessoas se fixam só nessa questão e em uma visão muito imediatista do custo-benefício, mas é preciso pensar que uma alimentação saudável é um investimento na saúde, com reflexos a médio e longo prazo”, informa a professora.
Mas o que fazer em um cotidiano que, muitas vezes, não permite realizar as refeições em casa, deixando-nos em situações como aquela citada no começo da reportagem, em que a oferta de alimentos não saudáveis parece ser muito maior? O ideal, recomenda Rosa, é se planejar. “Levar comida de casa, se programar para levar uma fruta ou um bom sanduíche na bolsa, por exemplo, e saber onde existem opções de comida por quilo, onde você pode escolher o que comer, ou pratos feitos, com comidas tradicionais”, explica. Essa conscientização, complementa a professora, permite que a comida seja priorizada como parte da rotina diária: “Quanto mais pudermos comer alimentos simples, melhor. Na alimentação, nós precisamos fazer escolhas, e não ser escolhidos”.
Onde encontrar produtos orgânicos em São Paulo
Opções para compra de alimentos saudáveis e sustentáveis, as feiras de alimentos orgânicos têm crescido na capital paulista. Quando o Idec lançou, em 2012, o Mapa de Feiras Orgânicas (feirasorganicas.idec.org.br), havia 200 locais listados no Brasil. Hoje, há mais de 600. “Os alimentos orgânicos são produzidos sem nenhum tipo de agrotóxico, sem sementes transgênicas e sem fertilizantes artificiais, o que protege os recursos naturais”, avalia Ana Paula Bortoletto, nutricionista e pesquisadora do Idec. “Além disso, favorece a agricultura familiar, dando uma autonomia e uma remuneração mais justa para quem produz, geralmente em pequenas propriedades, com uma rotação dos cultivos e maior preservação da biodiversidade e dos alimentos regionais.”
Conheça algumas feiras de hortaliças, frutas, legumes e outros produtos orgânicos em São Paulo:
Feira de Orgânicos do Mercado Central de São Paulo
R. Cantareira, Centro, São Paulo.
Sábados, das 7h às 13h.
Feira Orgânica do Ibirapuera
R. Tutoia, 1125, Vila Mariana, São Paulo.
Domingos, das 7h às 12h.
Feira do Bom Preço do Agricultor Orgânico
R. dos Comerciários, s/n - Ao lado da Estação de Metrô Jabaquara, São Paulo.
Sextas, das 15h às 20h.
Feira de Orgânicos Associação de Agricultores da Zona Leste
Sesc Itaquera
Av. Fernando Espírito Santo Alves de Mattos, 1000, Itaquera, São Paulo. Sábados, das 10h às 14h.
Feira de Orgânicos do Mercado Central de São Paulo
R. Cantareira, Centro, São Paulo.
Sábados, das 7h às 13h.
É dia de feira
Sesc São Caetano
R. Piauí, 554, Santa Paula, São Caetano do Sul.
Uma vez por mês; em novembro, no dia 12.
Feira Verdejante
Sesc Osasco
Av. Sport Club Corinthians Paulista, 1300, Jardim das Flores, Osasco.
13/11; a exposição de produtos e alimentos orgânicos faz parte do Projeto Verdejante.
Feira do Produtor Orgânico da AAO
(Associação de Agricultura Orgânica)
Av. Francisco Matarazzo, 455,
Água Branca, São Paulo.
Terças, das 7h às 12h e das 16h30 às 20h30; Sábados,
das 7h às 12h; Domingos, das 7h às 12h.
Feira do Produtor Orgânico da AAO
(Associação de Agricultura Orgânica)
Av. Francisco Matarazzo, 455,
Água Branca, São Paulo.
Terças, das 7h às 12h e das 16h30 às 20h30; Sábados,
das 7h às 12h; Domingos, das 7h às 12h.
Programação especial incentiva a reflexão sobre os alimentos e seu preparo
Em outubro, em comemoração ao Dia Mundial da Alimentação (16/10), as unidades do Sesc na capital, litoral e interior de São Paulo receberam bate-papos, palestras, oficinas culinárias, videodebates, vivências e intervenções culturais, com o objetivo de refletir sobre as escolhas alimentares diárias e seus impactos. Além dessa programação especial, as atividades que incentivam a reflexão sobre a alimentação estão presentes durante todo o ano. Veja alguns destaques da programação de novembro.
Alimentação e Felicidade
Sesc Consolação | 3/11, às 18h
Com o médico e professor da Associação Brasileira de Medicina Antroposófica (ABMA) Rômulo de Mello Silva, o encontro aborda escolhas alimentares e suas consequências no dia a dia.
O gosto como experiência
Centro de Pesquisa e Formação | 4/11, das 18h às 22h
O filósofo italiano Nicola Perullo discute como a gastronomia pode ser um dispositivo criativo, em uma conversa que passa pela filosofia, antropologia, história e gastronomia. A atividade também conta com uma experiência sensorial, com a sommelière de chás Nathalia Leter e a chef Flávia Spielkamp. É necessário se inscrever com antecedência.
Da Horta ao Prato
Sesc Belenzinho | 19/11, das 9h30 às 12h, e 23/11, das 19h30 às 21h30
Ministrada pela chef argentina Paola Carosella, a oficina é dividida em duas etapas: na primeira, os participantes poderão conhecer uma horta urbana, onde ajudarão na colheita do que será preparado e degustado no segundo dia de atividade. É necessário se inscrever com antecedência.
Nutrição Comportamental: dicas para comer melhor
Sesc Carmo | 24/11, das 18h30 às 20h
A nutrição comportamental defende a importância de como se come, e não apenas do que se come. A atividade é ministrada pela nutricionista Fernanda Timerman, coordenadora do Grupo Especializado em Nutrição, Transtornos Alimentares e Obesidade e membro do grupo internacional e interdisciplinar Corpo e Cultura.
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