Postado em 28/10/2016
Brincar pode abrir portas para a educação em qualquer fase da vida
A terra do quintal se transforma em comidinha; as almofadas da sala, em fortaleza; o tapete, em um perigoso pântano; as bonecas, em filhinhas; e cada recanto do apartamento é um possível esconderijo. Esse universo da imaginação, tão característico das brincadeiras, faz parte do desenvolvimento humano. Mais do que enxergar o brincar como ferramenta de aprendizado para determinados conteúdos, é possível olhar para ele como uma atividade, em si, educadora – não só na infância, mas em qualquer idade.
A pedagoga Raquel Franzim explica que brincar reúne aspectos cognitivos, emocionais, sociais, físicos, espirituais e culturais, também presentes na educação. “Entendendo a educação em uma perspectiva integral, em que diferentes espaços e atores contribuem para a formação humana, é possível perceber que o brincar é uma potência”, afirma Raquel, que é assessora pedagógica do Instituto Alana, organização sem fins lucrativos que trabalha com projetos ligados à vivência da infância. “Quando a gente brinca, está acionando uma série de saberes, raciocínios, aprendendo a conviver com o outro. Nenhuma outra atividade humana é tão integral e necessária.”
A pesquisadora e coordenadora do projeto Território do Brincar, Renata Meirelles, dá como exemplo um recurso muito utilizado pelas crianças em jogos como pega-pega, queimada ou esconde-esconde, o do “café com leite”, geralmente designado a quem ainda não está familiarizado com uma brincadeira. “Com esse mecanismo, as crianças assumem que tem alguém ali que não sabe, que não há problema nisso, e que é preciso incluir essa criança na brincadeira para que ela aprenda. Isso é um mecanismo muito forte de aprendizado, de ver o erro como parte desse processo, partir de uma etapa para atingir outra e gerar autonomia”, argumenta. “O brincar é esse espaço primordial que a criança tem para entender quem ela é e se vincular com algo interno para que isso se expresse para o mundo, mas também para que ela capte o mundo que existe ao seu redor em diálogo com quem ela é.”
Renata, que viajou por diversas regiões do Brasil pesquisando atividades para seu projeto, conta que percebeu uma situação inusitada. Aonde quer que chegasse, fosse uma comunidade quilombola ou um condomínio em um centro urbano, os adultos diziam que os pequenos não brincavam mais. Bastava passar um tempo no local para perceber o contrário: o brincar continua tão forte quanto sempre foi. “A brincadeira, como a cultura de modo geral, é mutável e se transforma, e muitas vezes existe uma restrição de espaço, mas as crianças continuam brincando, porque brincar é necessidade vital da criança”, diz. Segundo a pesquisadora, a atividade está desvinculada da obrigação de ser ligada a um brinquedo. “Brincar parte da criança e não do objeto. O ‘recurso brinquedo’ não é medidor da qualidade ou intensidade do brincar”, completa.
Em qualquer idade
A dificuldade que muitos adultos sentem de brincar com crianças, segundo Renata, vem, em parte, do fato de que há nas brincadeiras essa liberdade de ação e de ser, permeada por uma imprevisibilidade. “Brincar não exige saber um repertório de brincadeiras, mas sim estar com a criança sem nenhuma preocupação quanto aos objetivos do brincar, ou se deve haver um estímulo para ensinar algum conteúdo específico”, comenta. “Uma criança quer brincar com o adulto porque ela quer ler no adulto quem ele é, o que ele sabe, criar um vínculo da presença.”
Essa potência criadora que faz parte desses momentos, lembra Raquel, pode estar presente em qualquer fase da vida. “O ser humano é um ser pensante, fazedor, que sente e também que brinca, simboliza, imagina. A gente atrela muito o brincar à infância, e acha que depois acaba”, acrescenta. “Na verdade, não acaba nunca. Muda a forma de expressão, que pode se demonstrar com jogos, esportes, cantar e outras aproximações com um mundo simbólico, imaginário, e que deveria ter vazão e possibilidade de expressão por toda a vida. Isso faz bem para a nossa saúde física, social, emocional e cultural.”
Projeto para público de 0 a 6 anos, Espaço de Brincar promove e valoriza intenções lúdicas e trocas entre gerações
Direcionado a bebês e crianças de 0 até 6 anos acompanhados por seus responsáveis, o Espaço de Brincar é um dos projetos de educação não formal com foco no público infantil que compõem a programação do Sesc. Iniciado em 2010, hoje está implantado em diversas unidades no estado de São Paulo. Entre seus objetivos, estão a promoção e a valorização do brincar, com trocas entre gerações a partir de interações lúdicas.
“Acreditamos na educação não formal como caminho de aprendizagem, por considerar o contexto, a experiência e a história da criança, dando-lhe mais sentido e significado por meio do brincar e da ludicidade”, explica a assistente da Gerência de Estudos e Programas Sociais Rosana Abrunhosa. “Além disso, o projeto busca uma relação próxima com as famílias, pensando na importância da presença constante dos responsáveis para trocas e informações, como aliados no desenvolvimento psicofísico, motor, social, cognitivo e emocional da criança.”
Nas unidades onde o projeto está em funcionamento, os espaços buscam favorecer o livre brincar entre as crianças e também o brincar mediado pelos pais, educadores, professores e demais familiares, já que todos podem propor brincadeiras e compartilhar experiências. Além disso, há uma programação lúdica e educativa, com atividades como oficinas, contação de histórias, iniciação à literatura, teatro para bebês, vivências, estimulação sensorial e rodas de conversa com os adultos. “A intenção é proporcionar experiências coletivas de interação e convivência com a diversidade”, completa Rosana.
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