Postado em 29/11/2016
por Beth Brait Alvim
A poesia entrou na minha vida aos 12 anos.
A percepção de um ser poético surgiu bem depois, e me impactou de forma encantatória. Parecia que a expressão dava conta do estranhamento que eu sentia, na maior parte do tempo. A poesia me concedia – e ainda me concede – uma pausa vital, uma suspensão sobretudo, rompendo com todas as obrigações e regras; pondo abaixo todos os vetos, classificações, preconceitos e limites. E, daí, eu vivia uma transfiguração, ganhava outro olhar sobre todas as coisas.
Meus poemas contêm, com recorrência, o espanto diante das estranhezas da família, dos espaços, dos impulsos do amor e de seus contrários – como se fossem questão razoável de oposição. Aqui, vale citar a revelação de [Fernando] Pessoa que, feito Alberto Caeiro, me presenteou aos 15 anos com o apaziguamento sobre o estatuto de mistério d’Ele: “Mas se Deus é as árvores e as flores / E os montes e o luar e o sol, / Para que lhe chamo eu Deus? / Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar? E, na base de quase tudo, a dor, essa consanguínea permanente, demasiadamente humana.”
Até os anos 1970 meus poemas eram rimados. Nos 1980, conheci poetas que me provocaram a romper as rimas. Passei a jogar com o território restrito e asséptico da folha branca, a quebrá-lo, apenas palavra e um não espaço. Ainda nos 1980, meus poemas ganharam popularidade e eram degustados oralmente. Sem dúvida, poesia, ao ser falada, é mais.
No início dos 1990 éramos um grupo de poetas mulheres tomadas pela obra de Adélia Prado. Hilda Hilst me acompanhava, com predileção absoluta pelo Do Desejo, em um cotidiano em que subjaziam Rimbaud, Baudelaire e Pessoa, até o susto e o êxtase de Herberto Helder.
Entre outras e outros, ao meu lado Celso de Alencar e o mago Claudio Willer, que, nos anos 2000, promove a reaparição presencial de Roberto Piva, com quem tive o privilégio de experimentar ações poéticas no ABC. Esses cúmplices revolucionários me arrebataram a viver a poesia.
E viver poesia é determinante. Todas as vezes em que trabalhei a palavra poética, ela revelou-se como necessidade inegável. Somos seres poéticos. Não sabemos, pois somos prosaicos desde que a razão ocidental, esse pensar linear, sobrepujou a intuição, a expressão primal. Esquecemos que na antiga Grécia a vida era contada em poesia, tenha ou não existido um Homero. E a Odisseia ainda está entre nós.
Uma forte opção esta viver em estado poético, em nossos dias. Tanto que assistimos a uma multiplicação vertiginosa de manifestações poéticas, flagrantemente jovens, que, dentre os temas recorrentes, gritam por justiça social, em meio ao caos urbano. Esses poetas atuam em coletivos que mesclam a ação social com a ação poética, buscando seu locus de ser por meio da poesia, uma atitude demasiadamente humana. O Sesc reflete e retroalimenta esse momento, promovendo a presença dessas vozes poéticas.
Convoquemos os românticos. Segundo o poeta e pensador mexicano Octavio Paz, para esses poetas o romantismo não foi apenas um movimento literário, e sim uma moral, uma erótica e uma política, um modo de se apaixonar, combater, viajar, de viver e de morrer. De fundir a vida e a arte... E o romantismo sempre volta.
Ouso conclamar nossos seres poéticos.
Esses tempos pedem, não nos furtemos: sejamos todos poetas.
BETH BRAIT ALVIM, técnica de programação do Sesc Bom Retiro, é escritora e poeta, mestre pelo PROLAM-USP com a dissertação: Desvelando uma atitude poética para o mundo contemporâneo – experiências com poesia em Diadema e Catamarca.
::