Postado em 31/01/2017
O audiovisual na educação
Dispositivos tecnológicos, aplicativos, vídeos e plataformas digitais fazem parte do dia a dia de diferentes gerações. Na escola, também passa a ser mais comum a apropriação dos recursos tecnológicos no processo educativo, seja com filmes ou atividades que envolvem os alunos na produção de conteúdo em vídeo e digital. Qual o papel do cinema no processo educativo? Como os recursos audiovisuais podem ser utilizados em sala de aula? Discutem o tema a professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) Cláudia Mogadouro e a pedagoga e especialista em Tecnologia Educacional pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Lígia de Assis Monteiro Fontana.
por Cláudia Mogadouro
Há muitas formas de aprender e de ter experiências culturais significativas. O cinema é inegavelmente um instrumento potente, porque entra em nosso corpo por todos os poros. Uma aula expositiva e os textos também têm seu papel, porém perderam a força, especialmente no mundo frenético em que vivemos. Esses instrumentos não são excludentes e o cinema na escola (entendido aqui como cultura audiovisual) permite um diálogo interessante com os textos e os debates. Mas a relação cinema e educação é bem mais complexa do que parece e a presença do cinema na escola nos tem mostrado não apenas boas experiências, mas muitos equívocos também.
Em minhas andanças por cursos de cinema ministrados a professores, tenho percebido que é muito comum a escola promover “sessões pipoca” com os alunos, isto é, anuncia-se a exibição de um filme, ou num auditório ou numa sala especial da escola, e prepara-se a pipoca para este momento especial. Às vezes, há também refrigerante ou suco. Esta é uma prática tanto da rede particular como da pública. E os relatos chegam cheios de orgulho, dando a entender que cinema e alunos estão sendo muito bem considerados.
Eu me pergunto se estou ficando ranzinza demais, porque implico com a pipoca nas sessões de cinema na escola. Talvez esteja mesmo. Mas tenho conseguido me controlar e, antes de condenar, tenho procurado compreender qual o sentido da pipoca nessas sessões.
A partir do que tenho escutado, creio que a intenção é oferecer aos estudantes uma atividade lúdica (termo que está na moda no meio educacional), mostrando o cinema como algo divertido e prazeroso. Convido os educadores a refletirem sobre o papel do cinema no processo educativo, lembrando que escola e cinema são “entidades” de mundos muito diferentes.
O cinema surgiu no finalzinho do século 19, como resultado do desenvolvimento tecnológico de vários inventores e curiosos, mas quem se interessou em investir na novidade foram os homens do entretenimento. Não por acaso, o ilusionista francês George Méliès tornou-se um dos pais do cinema, ao desenvolver trucagens de edição e os primeiros efeitos especiais que encantavam as plateias. Os intelectuais torciam o nariz para a diversão das “classes populares” e demoraram a compreender o valor artístico do cinema. O termo “sétima arte”, cunhado por Ricciotto Canudo – um dramaturgo italiano radicado na França –, só foi compreendido nos anos 1920, isto é, quando o cinema já existia há certo tempo e a elite cultural europeia não tinha mais como esconder seu encantamento por aquela sedutora e complexa linguagem. A partir de 1921, surgiram os cinèclubs na França e o cinema começou a ser considerado cult, isto é, uma experiência que ia muito além do entretenimento, porque estimulava a sensibilidade e mobilizava muito conhecimento. Dessa época em diante, o cinema ganhou o status de arte, mas nunca deixou de ser também entretenimento.
O cinema carrega consigo essa dicotomia: indústria cultural ou arte? Diversão ou cultura? Esse dilema ainda nos perturba, até porque são tensões do século 20 que continuam sem resposta. Sinto um desconforto quando ouço as pessoas classificarem um filme como “cinema comercial” ou “cinema de arte”. É muito simplificador rotular as obras assim, pois a realização de um filme, mesmo que de olho na bilheteria, envolve a participação de muitos artistas: atrizes e atores, fotógrafos, cenógrafos, figurinistas, músicos e tantos outros. E mesmo um cineasta de vanguarda, se quiser entrar no circuito exibidor, tem que atender às regras do mercado. Há, certamente, obras audiovisuais em que o interesse mercadológico pesa muito mais no resultado. E outras com altas doses de experimentação artística. E uma infinidade de outras obras entre esses dois polos. O fato é que, quando pensamos no cinema como instrumento pedagógico, esses rótulos não nos ajudam.
Já o mundo da escola tem seus dilemas próprios: formar para a vida ou transmitir informações? Paulo Freire condenava o que ele chamava de “educação bancária” há mais de 60 anos. E até hoje vemos escolas fazendo sua propaganda de uma “escola forte”, em torno de um currículo com muito conteúdo e intenso preparo para o vestibular. De uma forma geral, a escola não conseguiu ainda perder seu viés de educação com sofrimento. Para a escola “forte”, o processo educativo passa pelo acúmulo de conteúdos e pela coerção das avaliações, o que muitas vezes não faz nenhum sentido para o estudante. Sem dúvida alguma, a escola é o espaço da reflexão e da produção do conhecimento. E, segundo o senso comum, pensar e aprender é necessário, mas não é divertido.
Para amenizar esse sofrimento, pode-se alegrar os alunos com uma “sessão pipoca”.
Será que, ao separar o conhecimento da diversão, a escola não está reforçando o lado entretenimento do cinema e a ideia pesarosa da escola? Então, por que não há pipoca na aula de ciências ou de matemática? Ah, é porque essas áreas são “sérias” e o cinema é o momento da descontração. A cultura escolar tradicionalmente legitima apenas a linguagem letrada, em contraponto à audiovisual, que representa o momento do relaxamento.
A ligação entre a pipoca e o cinema, diz a lenda, vem do tempo em que o cinema era apresentado em parques ou galpões que agregavam também espetáculos circenses e musicais. Sempre havia um pipoqueiro por perto desses espaços. Especialmente nos Estados Unidos, após a depressão dos anos 1930, cinema e pipoca podiam ser consumidos com pouco dinheiro, o que fez com que o casamento entre os dois acontecesse. Atualmente, os donos das salas de cinema multiplex obtêm mais lucro com a venda de baldes de pipoca e de refrigerantes do que com os ingressos para os filmes. Para alguns frequentadores, é quase obrigatório consumir pipoca no cinema, porque ela está ligada ao momento da diversão. Para outros, esse hábito é infernal, porque atrapalha a fruição do filme com a atenção necessária.
O que acho mais complicado nas “sessões pipoca” é que muitas vezes elas são oferecidas somente como diversão, sem critério na escolha do filme e sem nenhum debate. É muito comum que alunos levem os filmes da casa deles e, neste caso, o professor “mostra o quanto ele é bacana”, permitindo que eles vejam o que eles querem. Também é forte o uso de filmes quando falta algum professor. Essas práticas só reforçam o preconceito de que o cinema na escola é enrolação, é tapa-buraco, já que a aula séria é aquela expositiva e chata. Já estive presente em sessões com estudantes, em que a pipoca é servida no meio do filme, atrapalhando a sessão. Neste caso, a pipoca adquire maior importância que o filme, a mesma lógica dos donos de salas dos shoppings.
Nada contra a pipoca. Nem contra os filmes dito comerciais. Mas é preciso refletir sobre qual a intencionalidade dos educadores com aquela atividade de cinema. Se ela está sendo promovida para “alegrar”, acho um mau sinal, porque a transformação da escola vai se dar quando mostrarmos às crianças e aos jovens que aprender é interessante, é saboroso, é estimulante. Um filme na escola não é sessão da tarde, deve ser uma experiência significativa e tão prazerosa quanto todas as aulas, promovendo reflexão e produção de conhecimento.
Cláudia Mogadouro é coordenadora do Cineduc SP, do Grupo Cinema Paradiso e formadora audiovisual de professores da rede municipal de São Paulo. Historiadora, com especialização, mestrado e doutorado pela ECA-USP, onde leciona como docente de cursos de pós-graduação lato sensu. É também pesquisadora do Núcleo de Comunicação e Educação da USP e do Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura da USP (Obcom).
por Lígia de Assis Monteiro Fontana
Quem nunca viu um vídeo na internet, aulas, tutoriais, entrevistas, eventos online, esquetes animadas e outros conteúdos digitais? Quando realizamos pesquisas na web, encontramos no acervo digital vídeos com vários formatos para atender diversos públicos. Se pensarmos no contexto educacional, esses materiais audiovisuais possuem conteúdos que transmitem inicialmente uma informação e que podem se transformar em conhecimento. Para que isso ocorra, deve haver uma parceria entre ambiente escolar, intervenções educacionais, docentes e estudantes.
O ambiente educacional em parceria com o mundo cibernético agrega em suas ações pedagógicas novas linguagens, não ficando apenas no discurso oral e da escrita. As potencialidades dos vídeos na educação podem ocorrer em diversos momentos de uma aula presencial ou a distância, isto é, antes da aula, durante e depois, funcionando como uma estratégia para o docente tratar uma temática de forma introdutória, exploratória ou de fechamento.
Se a ação pedagógica ocorrer antes da aula, os estudantes podem entrar em contato antecipadamente com o conteúdo que será abordado, facilitando a interpretação, autonomia, gerenciamento das informações para a compreensão ou dúvidas para serem sanadas com o docente e os outros estudantes. Durante a aula, o docente pode promover um debate, tornando o momento interativo, proveitoso, democrático e instigando novos pensamentos, hipóteses, formulação de conceitos e indagações. Após a aula, pode ser utilizada como atividade de reflexão e fechamento da temática, para incrementar mais as arguições. Há ainda a possibilidade de continuar a atividade no fórum online em rede social digital, no qual novas linguagens seriam agregadas a essa proposta.
Nesse sentido, a escola passa a ser um espaço propulsor e motivador para reflexão e expressão, pois nessa era cibernética os estudantes são produtores de conteúdos digitais, no qual o docente pode atrelar o assunto que estão trabalhando em sala de aula com produções audiovisuais elaboradas pelos estudantes.
Os estudantes como protagonistas do processo de ensino e aprendizagem desenvolvem outras habilidades e competências que se afloram nesse processo produtivo e criativo. É um estudo pluridisciplinar, no qual existe uma relação e cooperação entre disciplinas e suas áreas de estudo em um conjunto dessas ações e produções. Outro ponto relevante são os processos interativos que ocorrem durante essa troca e construção, pois ultrapassam o processo de criação, estão envolvidos com o olhar diante das imagens, elaboração de cenas, edição, interação, roteiro, interpretação, análise, estratégias, reformulação de novas possibilidades para criação envolvendo novas mensagens, informação e conteúdo.
O docente, por sua vez, desenvolve o papel de mediador e instigador de descobertas, desafios e conhecimentos. Isso mostra aos estudantes um novo mundo e outras possibilidades de aprendizado, onde tudo pode acontecer de acordo com a criatividade, os personagens são da cor que quiserem, o mundo é mágico e às vezes surreal. Nesse papel de mediador, o educador se torna um sinalizador de possibilidades, encaminhando os estudantes para o mundo da criação, produção e imaginação.
Aplicativos, softwares e redes sociais digitais oferecem esse tipo de trabalho com várias possibilidades. É possível, por exemplo, propor que os estudantes usem a câmera do celular para elaborar stopmotions, nas quais irão fotografar cenas de acordo com o roteiro planejado e colocar em movimento toda a criação. É possível criar um novo final para um livro, fazer esquetes animadas, documentários sobre temas históricos, atuais, sociais e da realidade dos estudantes. Tudo isso contribui para investigar, refletir, analisar, descobrir e promover algumas considerações sobre o assunto em questão.
No curso de pedagogia em uma instituição particular de ensino, produzo com estudantes diversos materiais audiovisuais. Na atividade Esquete animada: luz, câmera e ação, as estudantes se transformam em personagem do livro, encenam cada capítulo em um minuto, gravam, editam e apresentam em vídeo. No projeto Literatura Infantil – monte seu livro e sua história, as estudantes confeccionam um livro com o roteiro da história, cenários e diagramação do texto com as imagens. Para os cenários de cada página, utilizam recursos como barbante, fita, guache, massinha, objetos não estruturados, sucata, dobradura, giz de cera e tecido. A partir daí montam o cenário, fotografam, editam e montam o livro, depois transformado em vídeo com fundo musical instrumental.
Outro trabalho elaborado que julgo essencial para a formação de professores são as elaborações das aulas digitais em vídeos, pois o material pode ser personalizado para cada turma e necessidade. O material audiovisual também é um excelente instrumento para promover a educação inclusiva, pois na construção dos vídeos podem ser colocadas legendas, audiodescrição, imagens estáticas e em movimento, atendendo não só aos estudantes que necessitam desse auxílio, mas a todos os envolvidos no processo educacional.
Ao usufruir dos materiais audiovisuais ofertados na web, a preocupação é com a conscientização da qualidade desse leque de possibilidades. Muitas vezes, os conteúdos partem de um senso comum e não possuem o referencial teórico adequado à temática pesquisada e exposta. Por outro lado, é dada maior autonomia aos estudantes. O docente, nesse processo, pode realizar intervenções, mostrando caminhos, sites com produções de qualidade com certificações de conteúdos científicos e promover esse olhar de análise aprofundada para futuras pesquisas e estudos. Há hoje diversas plataformas planejadas com materiais audiovisuais e conteúdos educacionais como Teachertube, YouTube Educação, Khan Academy, Veduca, TED Talks, Academic Earth, EdX, Coursera, Fundação Lemann, Geekie, Educa Mais, Cosmeo, Futures Channel, MIT Open CourseWare e a BrainPop.
Nesse sentido, a “educomunicação” nos mostra que meios, linguagem e instrumentos de comunicação, como os vídeos, podem fazer parte do ambiente escolar, pois favorecem um espaço democrático em que os estudantes desenvolvem análises críticas diante das informações que lhes são transmitidas. Além disso, os estudantes se tornam produtores de cultura no ambiente educativo, uma vez que se apropriam dos recursos tecnológicos para produzirem uma linguagem própria com identidade personalizada.
Lígia de Assis Monteiro Fontana é pedagoga e especialista em Tecnologia Educacional pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É professora do curso de Pedagogia no Instituto Brasileiro de Tecnologia Avançada (IBTA).
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