Postado em 28/04/2017
Sábato Magaldi renovou a crítica cultural por meio de análises que contam a história da cena brasileira
Foto: Arquivo pessoal de Edla Van Steen
Testemunha e voz ativa dos palcos desde os anos 1950, Sábato Magaldi acompanhou de perto o amadurecimento do teatro brasileiro, em muito potencializado por suas críticas. Seus textos começaram a pipocar na imprensa nas páginas do Diário Carioca, de 1950 a 1953, do Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo, a partir de 1956, e como titular da coluna de teatro do Jornal da Tarde, de 1966 a 1989.
Crítica teatral e colaboradora do jornal O Estado de S. Paulo, Maria Eugênia de Menezes resume esses anos iniciais num cenário caracterizado como amplamente favorável para a profissionalização da crítica. “Os primeiros críticos brasileiros eram comentaristas. O surgimento da Revista Clima, em 1941, alterou esse quadro. Dali, despontaram grandes críticos profissionais, entre eles Décio de Almeida Prado”, relata. “Sábato segue a trilha aberta por Décio no jornalismo. Ambos se guiavam pela agilidade na escrita, a elegância no estilo, a generosidade no olhar.”
DE PERDER A CONTA
O mineiro Sábato Magaldi nasceu em 1927, formou-se em Direito, mas o coração bateu mais forte para o teatro e, aos 23 anos de idade, iniciou a carreira de crítico. Numa produção sem pausa, somam-se mais de duas mil críticas publicadas no Jornal da Tarde, 650 artigos como colaborador do Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo e 18 livros. Na esteira dos números, traçou caminhos acadêmicos no Brasil e na França. Na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (EAD-USP), recebeu o título de professor emérito, nos anos 2000. De 1985 a 1987, lecionou na Universidade de Paris III (Sorbonne Nouvelle) e, de 1989 a 1991, na Universidade de Provence. Na Academia Brasileira de Letras, juntou-se aos literatos em julho de 1995.
Se o teatro brasileiro tem uma linha do tempo, Magaldi, Bárbara Heliodora (1923-2015), que iniciou carreira em 1958 como crítica do jornal Tribuna da Imprensa, e Jefferson Del Rios, com grande parte de seus textos publicados no jornal Folha de S.Paulo, a partir de 1969, formam uma trinca de referência no exercício da crítica contemporânea. O ponto de vista de cada um deles foi publicado no livro A Função da Crítica (Giostri Editora, 2014), no qual a voz de Magaldi, por meio de exemplos, guia o leitor sobre a profissão: “Julgo o amor pelo teatro e a boa-fé as qualidades primeiras da função de crítico”, escreve ele.
Del Rios e Magaldi foram amigos por mais de 30 anos, numa convivência alimentada por jantares e conversas sobre literatura, política e artes. “Nascido em Belo Horizonte, com um lado italiano, Magaldi integra a geração de mineiros talentosos que iluminaram a cultura brasileira em todos os setores: Hélio Pellegrino (seu primo), Fernando Sabino, Jacques do Prado Brandão, Wilson Figueiredo, Francisco Inglesias, Autran Dourado, Wilson Figueiredo. Poetas, romancistas, cronistas, ensaístas e críticos”, observa Del Rios, munido da intimidade de quem foi vizinho de Magaldi.
OLHAR PRIVILEGIADO
Magaldi considerava o crítico um espectador privilegiado dos espetáculos, numa rica articulação responsável pelo aprimoramento da arte teatral. Essa teoria foi exposta em seus livros, os quais esmiúçam com calma e precisão temas e personagens fundamentais: a contribuição de Oswald de Andrade para a dramaturgia e o universo de Nelson Rodrigues. Ainda é considerado um dos pesquisadores mais atentos à obra rodrigueana e todo seu impacto no teatro moderno.
Para Maria Eugênia, a trajetória de Magaldi se confunde com a de Nelson Rodrigues, qualificada por ela como uma relação profunda e frutífera entre crítico e artista. “Sem a recepção que teve de Magaldi, um defensor da modernização do teatro, não seria exagero supor que o autor de Vestido de Noiva [peça encenada pela primeira vez em 1943] não alcançasse nunca o panteão que lhe é hoje reservado”, afirma. “Ele elucidou o que para muitos soava como melodrama, sensacionalismo e pornografia. O público brasileiro não tinha, naquele contexto, os instrumentos para compreender o que a dramaturgia de Nelson propunha. Sábato os forneceu.”
Lendo os textos de Magaldi, que morreu em 2016, aos 89 anos, nota-se sua abordagem integral dos espetáculos, sem deixar o conteúdo descritivo ou enumerativo. Tinha uma sólida formação cultural e acadêmica, entremeada por opiniões incisivas que resultavam em prosa analítica das mais sedutoras ao leitor. Também valorizava o domínio da escrita, uma exigência óbvia, como chegou a comentar: era necessário saber escrever com clareza e honestidade, sem preconceito de gênero. Outro aspecto imprescindível era o conhecimento teórico da história da dramaturgia, passando por Roma e Grécia, num percurso que cruzava a história medieval, renascentista, até chegar à modernidade.
“Antes de crítico, ele se considerava um cronista”, pontua Maria Eugênia. Simples de resumir, pouco afeita ao imediatismo da crítica cultural que se distribui em pílulas e por vezes tem no leitor um consumidor em potencial, a obra deixada por Magaldi revela sensibilidade analítica rara. “Sua escrita partia, sempre, da própria subjetividade. É difícil pensar que houvesse hoje espaço para uma produção como a sua, para alguém que, como ele, se colocasse como interlocutor da cena, e não seu juiz”, completa.
Marcos do teatro nacional na opinião de Sábato Magaldi
UBU REI (1969)
Direção de Gianni Ratto, texto de Alfred Jarry
É o mais poderoso antídoto do teatro contra a burrice e a incompreensão. E não será difícil ver na obra, escrita em fins do século passado, todas as audácias estilísticas do teatro de vanguarda.
BONITINHA, MAS ORDINÁRIA (1974)
Direção de Antunes Filho, texto de Nelson Rodrigues
A direção de Antunes Filho tem a virtude inicial de dar plena existência cênica ao mundo de Nelson Rodrigues. Nelson está convencido de que, antes de tornar-se santo, para figurar no panteão religioso, o homem precisa experimentar toda a amargura da condição humana.
A MORTE ACIDENTAL DE UM ANARQUISTA (1982)
Direção de Antônio Abujamra, de texto Dario Fo
Representa um banho de teatralidade espontânea, generosa, popular. Dario Fo é um desses autores que praticam a dramaturgia por instinto, e o público, mesmo levado a desvendar uma história “séria”, ri o tempo inteiro. O espetáculo protagonizado por Antônio Fagundes faz a farsa viver na sua plenitude.
4 VEZES BECKETT (1985)
Direção de Gerald Thomas, texto de Samuel Beckett
No palco, tudo desemboca no ator, e os três intérpretes – Sérgio Britto, Rubens Corrêa e Ítalo Rossi – são excelentes. Não será demais lembrar que um bom ator dá vida à leitura de um catálogo telefônico, ao passo que um mau torna Shakespeare irreconhecível.
Fonte:
Edla Van Steen e José Eduardo Vendramini (Org.).
Amor ao Teatro: Sábato Magaldi.
São Paulo: Edições Sesc, 2015.
Curso traça painel da trajetória de Sábato Magaldi
No mês de abril o Centro de Pesquisa e Formação (CPF) recebeu o curso Sábato Magaldi: Um Crítico Amoroso, ministrado pela jornalista, pesquisadora e crítica teatral Maria Eugênia de Menezes. Parte significativa da produção de Sábato está reunida no livro Amor ao Teatro: Sábato Magaldi (Edições Sesc, 2015), organizado por Edla Van Steen, viúva do crítico. Na obra, o leitor tem acesso a 783 textos, escritos entre 1966 e 1988.
Durante o mês de maio, o CPF promove mais encontros na temática teatral: no dia 25, às 19h30, a palestra Teatro Russo e Revolução: Experimentalismo e Vanguarda, com a professora titular de teatro, arte e cultura russa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) Arlete Cavaliere, vai apresentar uma visão plural do teatro russo de vanguarda e avaliar as experiências artísticas da cena soviética sob o influxo do grande furacão de outubro de 1917.
No sábado, dia 27, às 14h, a atividade programada faz parte da 2ª edição do projeto Censura em Cena, que envolve a leitura dramática de peças censuradas que compõem o Arquivo Miroel Silveira, em São Paulo. Na ocasião será feita a leitura da peça O Berço do Herói, de Dias Gomes. Trechos desse texto serviram de base para a novela Roque Santeiro.
Confira a publicação na Livraria Sesc no portal
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