Postado em 28/04/2017
Criador de vanguarda, Walter Franco alia a força da música com a espiritualidade, em busca do autoconhecimento
Foto: Jairo Lavia
Os anos 1970 foram marcantes na carreira de Walter Franco, instrumentista e compositor brasileiro. Numa sequência produtiva e elogiada que contempla o intervalo de 1973 a 1982, o músico lançou: Ou Não (1973), Revolver (1975), Respire Fundo (1978), Vela Aberta (1979), Walter Franco (1982). Já nos anos 2000, produziu Tutano (2001). Embora não tenha mantido a regularidade no estúdio, esteve presente nos palcos e assegurou o interesse do público pelo seu trabalho. Considerado um dos primeiros a se aventurar pela música concreta no Brasil, continua a atrair fãs por seu trabalho e por sua visão de mundo.
Abaixo, trechos de sua participação no encontro Em Primeira Pessoa, realizado pelo Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, em fevereiro.
Anos de formação
Eu me entendi com a minha poesia, com o meu trabalho com a música, no sentido de aperfeiçoar a busca pelo autoconhecimento. Desde pequeno, a música exercia sobre mim uma influência maior do que a normal, eu sentia uma atração muito grande. E fui criado também nas estações de rádio. Meu pai foi diretor da Rádio Cruzeiro do Sul, o que foi bastante importante para a minha formação. Eu tinha um radinho do modelo Spica, muito moderno na época, dormia com ele ligado. As rádios eram mais democráticas, o tempo foi passando e as pessoas foram se embrutecendo cada vez mais. Assim, o meu objetivo com a música é combater o embrutecimento.
Minha formação é essencialmente de rock, a minha preferência é o rock tribal, como diria John Lennon, o resto é música para consultório dentário. Só que o rock não é um ritmo simplesmente, é uma atitude que para muitos é vista como uma afronta. Um dia estava no meu quarto e, de repente, alguém bateu na minha porta, e eu estava na cama com o violão no colo. Meu pai abriu a porta e pediu desculpas por interromper, havia essa delicadeza em nossa relação. Era fase de vestibular e eu pretendia carreira de direito, devido à tradição familiar (havia advogados na família). Nisso cheguei para ele e disse que não queria ser advogado. Meu pai lamentou, mas afirmei que gostaria de ser músico e seguir essa trajetória. Ouvi dele: “Puxa, que maravilha! Por que a música também é uma forma de se comunicar com Deus”. Nunca foi tão fácil. Pensei que eu fosse levar uma dura, mas ao contrário. Eu me criei numa atmosfera de muita cultura e liberdade.
A função do artista deveria ser a de derrubar muros e fronteiras, eliminar distâncias. De repente, tudo para mim vira um canto coletivo, uma espécie de mantra. Acho que a palavra é percussiva, sonora. A língua portuguesa é muito rica em termos de inflexões como nenhuma outra.
Dramáticas
Tenho um vício durante as apresentações, costumo tocar o instrumento de olhos fechados. Descobri que isso para mim é um caminho, consigo trabalhar as modulações do instrumento. Consigo viajar numa espécie de coral sinfônico. Uma coisa é compor uma música a partir de voz e violão. Muita gente não leva a sério essa forma em voz e violão, mas para trabalhar a parte rítmica só com o violão tem que ser um Jackson do Pandeiro em termos rítmicos, um mestre nesse caminho. As divisões rítmicas e pulsações têm asas.
Eu me formei como ator pela Escola de Arte Dramática de São Paulo. Lembro a primeira vez que entrei na Escola e encontrei com o diretor, Alfredo Mesquita. Ele me cumprimentou e continuei andando. Aí ouvi o diretor chamar meu nome e me disse: um homem tão grande com um passinho tão pequeno. Nisso eu pensei: Vim parar no lugar certo. Acabei assumindo essa identidade nas minhas músicas. Cada um dos meus discos possui personagens, uma inflexão de voz, um timbre. A música “Canalha”, por exemplo, é um personagem, muitas vezes entendido com o ódio por alguém, mas não é o ódio, e sim uma dor canalha.
Essa experiência em artes dramáticas é muito atraente, pois são personagens que vamos experimentando a partir de nós mesmos, personas que nem conhecíamos. No rock, os caras mais representativos dessa postura filosófica pela vida são os Beatles e os Rolling Stones, só a presença deles nos intimida.
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