Postado em 17/05/2017
Desde fevereiro de 2017, a Comedoria do Sesc Pompeia se transforma mensalmente. Mesinhas redondas de madeira e petiscos são combinados com arte, ativismo e conversas descontraídas sobre direitos humanos e diversidade cultural. É o projeto Boteco da Diversidade, que em junho realiza sua 5ª edição.
Apresentamos uma retrospectiva do que rolou, pra quem perdeu ou pra quem quer rever. Confira.
As monas! O primeiro Boteco teve como tema a Visibilidade Trans.
Em levantamento da ONG Transgender Europe, o Brasil lidera o ranking de assassinatos por motivação transfóbica, e, ao mesmo tempo, é o país que mais consome pornografia envolvendo corpos de mulheres trans e travestis, segundo dados do Redtube. Para Amara Moira, travesti doutoranda em teoria literária pela Unicamp, profissional do sexo e militante, esse paradoxo mostra como as pessoas trans povoam o imaginário popular como “aquilo que não devia existir”, ao mesmo tempo em que atiçam desejos e temores “que ninguém quer assumir que tem”. Dessa forma, segundo a pesquisadora, essas pessoas seguem condicionadas à margem da sociedade, longe das famílias e do mercado formal de trabalho.
Trazer homens e mulheres trans e travestis à esfera pública é importante para que essa situação possa ser revertida. Em uma noite cheia de aprendizados, Laerte, MC Linn da Quebrada, Amara Moira, Jota Mombaça (Monstra Errátika), Ariel Nobre, Aretha Sadick e Ledah Martins debateram com o público questões de gênero e suas próprias vivências pessoais.
As minas! Em março, a mulherada dominou a Comedoria.
A invisibilidade do discurso e da própria existência permeia também a vida das mulheres. O Boteco da Diversidade de março teve como tema o feminismo e suas pluralidades, com a presença das artistas Bárbara Sweet, BrisaFlow, Danna Lisboa, Issa Paz e Sara Donato (Rap Plus Size), Mel Duarte, Stefanie Roberta, Aline Afrobreak, Darlita Albino, Franciele Carvalho, DJ Mariana Boaventura e Coletivo 7 Cabeças.
Segundo a autora e co-curadora desta edição, Clara Averbuck, a produção das mulheres (artística, política, científica, ou qualquer outra) foi repleta de exclusão, invisibilidade, opressão e exploração em todas as épocas e lugares. Apesar disso, durante o encontro descontraído e animado, a luta por direitos e a resistência das mulheres foi celebrada nas canções e performances das artistas.
“Sei que é difícil ter coragem
Mas você dá conta!
Entenda, mulher já nasce pronta
E quando menos perceber
Terão outras inspiradas em você”
(Mel Duarte)
Os manos! A terceira edição do Boteco abordou o universo das masculinidades.
A noite começou com discotecagem de DJ Tano e performances de Lineker, Leo Moreira Sá e Jé Oliveira. Depois das apresentações artísticas, o público participou de um bate-papo com os artistas, mediado pelos psicólogos Leandro Feitosa e Tales Mistura, integrantes do Núcleo de Masculinidades (Grupo Reflexivo de Homens) do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde.
Debater o tema “masculinidades” de forma crítica é fundamental para o combate ao machismo. Para Salloma Salomão, pesquisador de culturas negras, políticas culturais e doutor em história pela PUC-SP , a construção das hierarquias sociais foram definidas em termos de masculinidade(s). Por exemplo, a relação entre os poderosos senhores de terras e os camponeses, suas senhoras e escravos. Ou a relação entre meninos e homens, homens brancos e homens negros. “Estou falando sobre nossas relações de poder e prestígio em termos de sexo, gênero e raça”, conclui Salomão.
As putas! Em maio, o Boteco debateu a luta das prostitutas por direitos no Brasil.
A prostituição é considerada a mais antiga das profissões. Ainda assim, não existem leis direcionadas às prostitutas no país. Em torno desse debate, as putafeministas Lourdes Barreto, Betania Santos, Indianara Siqueira, Monique Prada, Leila Barreto e Amara Moira trouxeram suas realidades políticas e poéticas e a luta por seus direitos em performances e debates.
“As prostitutas hoje têm voz e estão aprendendo, com maestria, essa linda função de fazer-se ouvir”, comenta a trabalhadora sexual, feminista e escritora Monique Prada. O avanço da internet contribuiu para isso, na visão dela, em um movimento conhecido como cyber-putativismo, em que “damos as mãos umas às outras”, e assim, escrevem uma nova história da prostituição Brasil adentro.
Sexualidade e deficiência: reconhecendo a corporalidade e as sexualidades das pessoas com deficiência no Brasil em junho
As realidades e vivências quanto às muitas formas de serem reconhecidas e experienciadas as corporalidades e a sexualidade pelas pessoas com deficiência. Nesta edição, que contou com tradução simultânea em libras, algumas leituras artísticas, pessoais e políticas sobre as interações entre corpo, desejo e deficiência. Conduzindo os trabalhos, Estela Lapponi e Edu O. apresentaram fragmentos cênicos impactantes sobre o tema. Suas performances foram introduzidas pela discotecagem e rimas do MC Billy Saga, e seguidas das narrativas poéticas e políticas de Leandra Migotto, Leandra Du Art, Tuca Munhoz e da Gata de Rodas, com as quais o público interagiu diretamente.
Boteco de férias: Visibilidade Trans, Feminismo, Masculinidades, Prostituição e Sexualidade e Deficiência
A programação contou com encontros, oficinas, vivências e exibições ministradas ou com a participação de artistas e ativistas das edições que aconteceram neste primeiro semestre. Veja na matéria tudo o que rolou por lá; clique aqui.
Gordofobia: a visibilidade gorda foi o tema de agosto
O diaálogo político sobre as muitas formas de reconhecer a corporalidade e as vivências das pessoas gordas no Brasil tomaram conta do Sesc Pompeia por meio de poéticas de resistência e de combate à gordofobia e à pressão estética. No encontro, a DJ Taty Yuki abriu a noite com seu animado set. As intervenções ficaram por conta de Preta Rara, MC desta edição. Já as performances, narrativas poéticas e políticas ficaram por conta de Riot Queens, Draga da Quebrada, Junior Ahzura e Grupo Me Gusta. Para fechar o evento, Preta Rara fez um pocket show com versãoo ao vivo da intérprete de libras Karina Zonzini.
Em setembro: refúgio e imigração
A sétima edição teve como ponto de partida as experiências e memórias de pessoas que vivem na cidade de São Paulo em situação de refúgio. As experiências foram compartilhadas por artistas e ativistas por meio de cartas, cantos, batuques, teatro e outras linguagens poéticas de resistência, partindo de concepções originárias da desterritorialização forçada e da integração das pessoas refugiadas. Para apresentar a visão de pessoas na situação de refúfio, o Boteco recebeu fragmentos cênicos dos espetáculos "São Paulo Refúgio", projeto organizado pelo Grupo Performatron, e "Cabaré Vodu", do Teatro de Narradores, formado por atores brasileiros e haitianos e um monólogo com o ator Palestino Amjad sobre seu país e sua história com o teatro. A noite também contou com apresentações musicais da banda de congoleses "Os Escolhidos", da cantora iraniana Mah Mooi Moni – acompanhada do músico Koosha Delshad.
Criminalização da vida: a oitava edição aconteceu em outubro
As violências e contradições presentes nos processos de criminalização e no sistema penal, bem como sua relação com a crise democrática, com as diferentes formas assumidas pelo racismo e com o crescimento da violação aos direitos humanos foram o tema do Boteco de outubro. O encontro é deu voz às vivências de pessoas que passaram por processos de criminalização, suas dificuldades e formas de resistência. O preconceito para reinserção no mercado de trabalho e no convívio social, os abusos de autoridade policiais e jurídicos e a falta de assistência social e instituições de amparo foram alguns dos recortes retratados. A edição contou ainda com a instalação visual e sonora ‘Ponto Cego ou o Terrorismo de Estado’, do Grupo do Trecho, que compõe um mosaico de denúncias do Sistema Penitenciário de São Paulo; um pocket show do rapper DEXTER; fragmentos cênicos do espetáculo de dança ‘Colônia Penal’, da Cia. Carne Agonizante, e de ‘Sonhos’, da Cia. Os Crespos; a intervenção cênica ‘Blitz – O Império que Nunca Dorme’, da Trupe Olho na Rua; e trechos do filme ‘Leite e Ferro’, de Claudia Priscilla.
Em novembro: Etnias em resistência
As vivências cotidianas que revelam a urgência do combate aos racismos presentes na sociedade, tanto da perspectiva negra quanto indígena, evidenciando o reconhecimento da memória e as resistências da cultura afro-brasileira e indígena ocuparam a Comedoria em novembro. Participam da edição do Boteco: DJ Evelyn Cristina, Cia. do Sal, Brô MC’s, Zona Agbara, Dom Filó, Nelson Triunfo, Kunumí MC, Márcia Wayna Kambeba e Ellen Oléria.