Postado em 30/11/2017
As minhas primeiras recordações de infância me levam para a casa dos meus avós, no início dos anos 80. Era uma casa térrea, com jeito de residência de cidade do interior, com o portão baixinho e quintal nos fundos. Aquela típica casa de um bairro paulistano pré-verticalização.
No canteirinho deste quintal, lembro de ajudar a colher os frutos de um limoeiro e dos cheiros gostosos de algumas ervas plantadas, usadas tanto para o preparo das refeições, quanto de forma medicinal. Também é lembrança prazerosa quando ia passear com meu avô por um terreno descampado próximo de casa para procurar esterco dos cavalos que ficavam pastando por ali. Aquela atividade ganhava ares de brincadeira e aventura para mim, na qual o objetivo era o de juntar todo esse material e depois colocá-lo junto às plantas do canteiro. Na época não sabia muito bem por que o esterco do cavalo fazia bem para as plantas, mas achava fantástico saber que aquilo ia se transformar em um alimento para aquelas plantas. Ao rememorar essas histórias, vejo que foi nessa época que foi plantada uma sementinha que fez desenvolver em mim um gosto especial por estar em meio à natureza.
Atualmente, esse assunto me causa mais interesse do que nunca. Como pai de uma menina de quase 1 ano e meio de idade e morando em um apartamento, tenho buscado oferecer oportunidades para ela também experienciar a natureza, mesmo vivendo numa cidade como São Paulo, tão associada à falta de áreas verdes. Como sabia que aquela experiência do quintal dos meus avós foi transformadora para mim, procurei desnaturalizar meu olhar para a paisagem urbana do dia a dia, buscando por sutilezas da natureza em nosso cotidiano.
O exercício de desnaturalizar meu olhar atrás dessas experiências significantes de contato com a natureza para minha filha me fez ver que para ela – e mesmo para mim – somente o ato de caminhar pelas ruas do bairro já era algo extremamente interessante. No percurso, reparar na diversidade das árvores plantadas nas calçadas, as texturas dos troncos, formato das folhas, procurar as aves nas copas e ver pequenos insetos que nelas habitam é uma brincadeira bastante divertida. Percebi que, ao aprimorar o olhar, uma nova paisagem se descortinou naquele ambiente que era tão rotineiro. Enquanto para minha filha aqueles momentos podem ter sido de descobertas, para mim serviu para resignificar as ruas do meu bairro, em especial sob a forma de como as árvores ali plantadas me traziam uma série de sensações novas àquele meu cotidiano – do cheiro de suas flores à beleza contemplativa de suas copas. Aquele caminho rotineiro acabou ganhando novas identidades para mim.
Essa experiência se complementou com o trabalho que realizo no Sesc Itaquera. Como educador ambiental tenho como um dos meus objetivos auxiliar as pessoas a aprimorar este olhar para as áreas verdes e seus diversos elementos que compõem esses ambientes ao nosso redor. Para tanto, temos realizado uma interessante ação por meio de um passeio pelas alamedas do parque, durante o qual apresentamos as árvores e aves que lá habitam, com auxílio de um guia. Chamada de Passeio Verde, a ideia é que as crianças e adultos que fazem o percurso possam ver as particularidades que cada árvore possui e a forma como elas se relacionam com os demais seres vivos do entorno, inclusive com nós, seres humanos. Com isso, buscamos estimular no público a curiosidade e novos olhares para as paisagens que nos cercam, tanto lá, no Sesc Itaquera, quanto nos bairros onde eles moram.
A partir dessas experiências, me traz grande felicidade saber que os momentos de encantamento e de curiosidade com as descobertas nas áreas verdes da unidade possam ser transformadores para aquelas crianças e adultos, pois são nessas ocasiões que acaba sendo inevitável lembrar o quão importantes foram na minha infância as vivências naquele pequeno jardim da casa dos meus avós, e como foram aquelas sementes plantadas em mim que transformaram meu olhar para com a natureza.
Guilhermo Panebianco é cientista social,
educador ambiental e supervisor do núcleo de
Educação para Sustentabilidade do Sesc Itaquera.