Postado em 28/02/2018
Transformações originadas na tradição e no patrimônio
imaterial renderam visibilidade ao campo da arte popular
Existente desde o século 18, o conceito de arte popular carrega em si uma perspectiva histórica. No Brasil, um marco dessa trajetória é a década de 1940, quando pintores brasileiros aguçaram o olhar para a terra e o cotidiano nacionais, num círculo que vinha sendo traçado desde a Semana de Arte Moderna de 1922, passando pela política de valorização do trabalho e do trabalhador ocorrida durante o Estado Novo, iniciado em 1937.
“A meu ver, essa divisão nunca fez sentido, senão sentido político”, diz a pesquisadora Angela Mascelani, ao ser questionada sobre a divisão conceitual entre arte popular e arte erudita. Diretora-presidente do Museu Casa do Pontal, no Rio de Janeiro, e referência no assunto, ela explica que tal separação servia para forjar a ideia de que nos meios ditos cultos havia e há criadores e autores. “Aos criadores populares foi sequestrado durante muito tempo o direito ao reconhecimento como autor”, completa Angela.
Bem brasileiro
A produção artística indicada sob o título de popular não define um estilo, mas se refere à origem social dos criadores, os quais reúnem qualidades para se nutrir do entorno e, a partir dele, dar forma e cor, em especial à madeira e à cerâmica, aplicando referências brasileiras. Angela Mascelani, que também é curadora da exposição (Re)Inventar: Artistas Criadores (veja boxe Baú de histórias míticas), destaca que a ideia de arte congrega um modo de ver condicionado pelo conjunto do que se vive e se pensa, ou seja, do que circula na sociedade.
A curadora aponta mudanças recentes: “Transformações trazidas pela perspectiva da tradição e do patrimônio imaterial renderam visibilidade ao campo da arte popular e incluíram, com clareza, as contribuições dos afro-brasileiros e suas formas de criação, quebrando a hegemonia da ideia de mestiçagem. Além disso, se constituiu um mercado mais estruturado, com a inclusão de segmentos urbanos das periferias das grandes cidades”.
Importantes artistas inventores exerciam profissões diversas antes de se dedicar ao ofício, como o ceramista carioca Adalton Fernandes Lopes. Ou como Dona Isabel Mendes da Cunha, famosa por suas bonecas e conhecida por compartilhar com as vizinhas seus segredos de modelagem. Além de Ulisses Pereira Chaves, um dos principais artistas do Vale do Jequitinhonha, orgulhoso em afirmar que não copia suas peças, mas sim as inventa: “Não sou como os outros que não sabem o que as peças falam”.
Exposição traz recorte potente do museu carioca Casa do Pontal
Esculturas em cerâmica e madeira formam um recorte preciso do acervo do Museu Casa do Pontal, exposto na unidade do Sesc Birigui, até 25 de março. Trata-se de (Re)Inventar: Artistas Criadores, mostra que reúne peças de 23 ceramistas e escultores, que guardam em suas histórias míticas e individuais uma das ferramentas para seu trabalho.
“Ao mesmo tempo que valoriza a experiência direta com as obras, a exposição traz, por meio de textos, filmes, documentos sonoros e de atividades de mediação, um aprofundamento para os que se interessam pelo assunto. Destaca a invenção e a criatividade deste campo de atividade, no qual os intercâmbios e as trocas são centrais”, diz Bárbara Guirado, técnica de programação do Sesc Birigui.
Confira a programação no Em Cartaz.