Postado em 16/03/2018
Um projeto audacioso, um país a mais de 4 mil metros acima do mar, muito misticismo e um céu de arrepiar. Esses foram os ingredientes que fizeram a composição da exposição Travessias Ocultas – Lastro Bolívia, em cartaz no Sesc Bom Retiro.
Dez artistas com propostas pré-elaboradas viajaram rumo à Bolívia para o que se chama residência artística. Ou seja, no periodo de 30 dias, juntas, elas passaram pelas tarefas de produzir suas peças e conviver.
Maria Catarina Duncan, a curadora convidada, é formada em Culturas Visuais e História da Arte pela Goldsmiths College, University of London e atualmente trabalha na Equipe de coordenação do programa COINCIDÊNCIA - intercâmbios culturais Suíça América do Sul, da fundação suíça para cultura Pro Helvetia. Ela conversou com a Eonline e contou como se estruturou essa residência artística, o envolvimento de todas as pessoas no processo de trabalho e quais foram as intenções ao produzir os materiais da exposição e um pouco da experiência de curar um trabalho como esse.
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Eonline: Desde quando existe a vontade de transformar a viagem à Bolívia em exposição?
Maria Catarina Duncan: A viagem nasceu como um projeto de residência em trânsito e não sabíamos exatamente em que resultaria. Contudo, levamos esse planejamento como processo de trabalho desde o inicio e cada uma das artistas convidadas enviou um pré-projeto para desenvolvimento durante o percurso. Nossa postura ao longo do trajeto já envolvia uma dinâmica de criação, de pensar sobre aquilo que mais nos marcava, quais eram os pontos que gostaríamos de aprofundar nessas pesquisas. A exposição foi um processo de construção: antes, durante e depois da viagem.
Eonline: Como foi a concepção do título?
Maria Catarina Duncan: O título Travessias Ocultas surgiu antes mesmo da viagem, quando começávamos a organizar o trabalho, nos reuníamos com frequência para falar sobre as intenções desse deslocamento e o que buscávamos nesse encontro. Desde o início identificamos o caminho espiritual e o processo de transformação em relação ao desconhecido como algo que todas nós compartilhamos. A concepção foi mútua, para chegar em um título amplo o suficiente e que reverberasse com o mesmo peso para todas as práticas.
Eonline: Durante a montagem/curadoria, quais os aspectos das peças expostas que mais se aproximam da realidade brasileira?
Maria Catarina Duncan: Não acredito que haja a possibilidade de definir uma realidade brasileira. As realidades no Brasil são completamente díspares, cheias de camadas, preconceitos e diferenças abismais de classe. Os trabalhos na exposição não tem como intenção alcançar uma sociedade inteira, trata-se de uma condição específica e só podemos falar do que nos diz respeito, nesse caso do corpo da mulher, da mulher lésbica e do corpo trans em trânsito. Podemos falar do que somos e do que encontramos. Neste sentido, também não se trata de uma exposição sobre a Bolívia e sim de uma exposição sobre a nossa experiência no país. A intenção é comunicar essa experiência em outros corpos e tocar em diversas realidades.
Eonline: Como cada artista se envolveu com você no processo de curadoria?
Maria Catarina Duncan: Desde o início, a Beatriz Lemos – curadora geral da exposição – e eu acompanhamos o processo de todxs xs artistas, tudo se consolidou como uma parceria mesmo. Não houve uma distinção clara sobre quem cuidaria do que. Cada relação é única. Em alguns casos pude estar mais próxima e em outros menos mas estive e ainda estou disponível para interlocução com todxs. E a relação acontece de diversas formas, reuniões, encontros, visitas ao ateliê, e-mails, mensagens e até leituras de tarô ou de aura...
Eonline: Houve alguma curiosidade durante a viagem? Histórias engraçadas ou inusitadas?
Maria Catarina Duncan: Com certeza! Tínhamos alguns hábitos que foram para mim muito marcantes. A forma como decidíamos o nosso percurso, por exemplo. Quando isso acontecia, sentávamos juntxs e jogávamos com os pesos bolivianos para ver se seria cara ou coroa. Logo, um indicava que sim, seguiríamos até tal cidade, e outro que não. Em geral tínhamos uma rota pré-definida, mas os limites do corpo muitas vezes falaram mais alto, a altitude debilitou muitxs de nós e às vezes precisamos reconsiderar. Essa forma casual abria um sentido de entrega tão grande, estavamos dispostas a acatar o que o destino sugerisse. Nessa viagem a razão não venceria. Além disso a moeda tomou uma força bem grande, por ter escrito em são entorno 'La union es la fuerza' (A união é a força).
Galeria de fotos da exposição:
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