Postado em 14/07/2018
Na música, a Ditadura Militar e a censura não foram combatidas apenas pela chamada MPB dos anos 1960 e 1970, de Caetano, Gil, Chico e Vandré. Apesar de seu grande apelo midiático e popular na época em que surgiu, o rock nacional dos anos 1980 mostrava ao público letras de forte apelo revolucionário e com sede de libertação e mudança.
A banda Plebe Rude, uma das atrações do Pandemia Rock 2018 e que atualmente é composta por Philippe Seabra (guitarra), Clemente Nascimento (voz), André X (baixo) e Marcelo Capucci (bateria), está entre as que mais aproveitaram sua voz para oferecer às massas um discurso reflexivo. E tudo isso sem deixar de lado o certo tom de ingenuidade que as bandas carregavam.
Philippe, que concedeu entrevista ao Sesc Birigui, falou sobre fazer rock na época do regime ditatorial brasileiro e nos dias atuais, além de discorrer sobre as posturas políticas e comportamentais na atualidade, o poder da música, entre outros temas. Confira:
Nos anos 1980, época em que surgiu a Plebe Rude, ainda havia a censura da ditadura militar. Atualmente, há quem diga que exista uma censura que parte das próprias pessoas, vinda do tradicionalismo, da intolerância, ou, de uma forma mais ampla, das relações que envolvem interesses financeiros ou políticos. O que você acha disso? E o quanto esses tipos de censura prejudicaram e prejudicam o rock?
Realmente, são duas eras diferentes, mas recentemente até que os extremos das duas eras começaram a se encontrar. O que antes era censura federal agora é censura moral de uma silenciosa maioria que se esconde atrás das redes sociais, onde todo imbecil tem uma opinião. O inimigo era mais nítido naquela época, quando apanhávamos da polícia e mandávamos as músicas para a censura. Agora o linchamento é em praça pública quando algo sai da norma das redes sociais. Claro que tem exageros e, sim, tem que denunciar, mas no geral é preconceito e intolerância. No nosso caso, sempre usamos a música para denunciar, então não é nada novo para a gente. Mas para quem nunca teve uma voz e sempre algumas ideias equivocadas, a internet é a perfeita plataforma para espalhar esse ódio. É uma pena que uma ferramenta tão poderosa é usada para disseminar notícias falsas e ideias preconceituosas. O que torna a nossa missão inconsciente de usar o espaço que a Plebe tem na mídia de maneira responsável mais urgente ainda. E o triste é que as nossas denúncias e críticas/comentários sociais não envelhecem nunca. A maioria das letras poderiam ter sido escritas ontem. Como artista, me sinto feliz com a relevância das letras, da obra, mas como cidadão e pai, fico aflito com a constatação de que realmente nada mudou nesse país.
Nos noticiários, vemos que há ainda quem defenda uma intervenção militar. Por que acha que uma reivindicação dessa ocorre em pleno ano 2018?
Quem defende intervenção militar hoje simplesmente não lembra ou não sabe como era. Mais uma vez, são as redes sociais ao dispor de quem quer suas ideias equivocadas ampliadas. A música “Proteção”, de 1984, é um áspero comentário sobre a ditadura, mas as opiniões hoje em dia são tão polarizadas e rasas que, se fosse lançada hoje, é capaz de acharem que é uma louvação a intervenção militar. Aceso a toda informação existente deveria iluminar as pessoas, mas parece que as pessoas encontram refúgio nos cantos mais extremos da internet. Uma lástima.
Mesmo no atual cenário, acham que a arte ainda é uma arma para combater repressões e censuras? Por quê?
Todo período difícil na história é refletido nas artes. E conosco lá em Brasília (DF) não foi diferente. Nossa arma para combater a repressão e a censura foi a música, é o poder da palavra. E até hoje vejo arte da mesma maneira, especialmente nesse mar de complacência e idiotice que toma conta da mídia. Não faço mais que minha obrigação como cidadão e artista ao mostrar que não precisamos nivelar por baixo. Jamais.
A Plebe nasceu em Brasília, nos anos 1980, em um contexto musical e histórico diferente de hoje. Com o passar dos anos, foi preciso ressignificar a importância da banda e, de forma geral, do rock produzido naquela época?
O DVD “Primórdios” resgata o começo do Rock de Brasília dos anos 1980 da maneira mais direta e crua possível. Os shows eram exatamente assim, com a gente contando histórias e descendo a pancada sonora na cabeça da plateia. E no final da apresentação filmada, dá para sentir uma leve evolução na banda, com o instrumental mais intrínseca e as letras mais trabalhadas, porém sem perder o impacto. Volta e meia algum colega de outra banda chega falando que deveríamos nos reinventar, sugestão que gentilmente declinamos (para não mandá-los a m***), mas, mesmo assim é espantoso ver a renovação de público na plateia da Plebe. Aparece muita gente nova, e não porque os pais ouviam a banda. É porque nesse mar de música insossa, eles têm sede de coisa boa, séria e contundente. Já a importância da banda são os historiadores que vão dizer, mas é bacana ter passado esse tempo todo, 37 anos de cabeça erguida navegando tranquilamente entre o mainstream e o alternativo sem jamais perder o norte. Sim, vale a pena ter princípios.
A mídia brasileira atual já não dá mais tanto espaço para músicas que protestem contra a situação do país, em um tempo em que precisamos tanto disso... Como vocês veem a atual situação da música brasileira, de forma geral?
Se você for analisar a música brasileira apenas através o que chega a grande mídia, então estamos todos perdidos. Mas tem muita coisa legal por aí, inclusive já vi muito, pois sou produtor de discos também, e vejo muita gente mais ou menos como nós éramos no início, e que continuamos a ser, movidos pela urgência. No meio alternativo tem muita gente que está fazendo o que acha certo e não o que acha que vai “colar” ou virar viral. O rock do começo da década de 1980 era inocente, e mesmo se alguma banda quisesse se vender, ninguém iria comprar, porque não existia mercado. Essa inocência, talvez até ingenuidade, carrego em mim até hoje, e acho que isso ajuda a Plebe a ser a Plebe, fiel aos princípios, mas não numa coisa pedante panfletária, é que nós somos desse jeito. Acreditamos no bem maior que música consciente pode fazer.
O projeto “Primórdios” tem músicas de 1981 a 1983 que eram até então inéditas. Por que lançá-las agora? Essas composições continuam atuais? Por quê?
O projeto “Primórdios” nasceu quando tive a ideia de escrever minha autobiografia, depois de ler o livro “Meninos em fúria”, do meu colega de banda e líder dos Inocentes, Clemente, com Marcelo Rubens Paiva. E durante a pesquisa do livro, trocava ideias com o co-fundador da Plebe, André X, e começamos a lembrar de quão legal aquele repertório do início era, mesmo que soterrado embaixo do peso e impacto dos discos “Concreto Já rachou” e “Nunca Fomos tão Brasileiros”. Entre 1981 e 1983, a Plebe tocou nas quebradas de Brasília, no underground paulista e até em Patos de Minas no lendário show da estreia da Legião onde todos foram presos. O repertório é cru, pesado, mas espantosamente atual. Foi um projeto muito fácil e divertido para a gente montar e o momento era esse. Agora sim, os primórdios do rock de Brasília da década de 1980 está registrado e, entre as músicas do Renato do Aborto Elétrico, e esse disco da Plebe, está tudo ali.
Quais são os próximos projetos da banda? Alguma novidade?
Estamos preparando um disco de inéditas que está bastante adiantado e temos vários projetos borbulhando lentamente: um DVD acústico lado B, onde tocaremos só as músicas menos conhecidas da banda; um DVD com orquestra sinfônica; e o projeto Plebeus, com artistas consagrados e fãs da Plebe tocando Plebe. Meu foco pessoal, além do lançamento do DVD “Primórdios”, é minha autobiografia, para ser lançada no final do ano.