Postado em 29/08/2018
Observar, ler, interpretar e escrever sobre fatos políticos e sociais do Brasil e do mundo fazem parte do cotidiano do filósofo e jornalista Hélio Schwartsman, colunista da Página 2 do jornal Folha de S.Paulo. Ao longo de três décadas, ele acompanha as mudanças do fazer jornalístico provocadas pelo alcance de novos suportes da comunicação. No entanto, esse “dinossauro”, como se denomina por não fazer parte de redes sociais, nem se pautar por elas, busca em outros lugares os assuntos sobre os quais vai refletir e escrever. “Certamente estou perdendo alguma coisa, porém vejo um lado bom: não sou necessariamente pautado por esse ‘Fla x Flu’, essa polarização e discussão rasteira que é muito em cima do fígado e menos na cabeça”, conta. Autor de Pensando Bem... (Contexto) e Aquila e Titicans (Geração Editorial), Schwartsman fala sobre o começo da carreira, opinião pública e o futuro do jornalismo.
Fiz filosofia e virei jornalista por acidente. Um dia estava lendo o jornal e a Folha de S.Paulo, na época, publicava anúncios chamando tradutores. Eu resolvi, achando que ia ser tradutor, responder ao anúncio. Me chamaram para uma entrevista e estou na Folha há 30 anos –meu primeiro e único emprego. Ali passei por um pouco de tudo, comecei em Internacional, depois fui para Ciência, passei pelos editoriais, voltei para o Internacional como editor, depois fui repórter especial, articulista e, desde 2011, sou colunista na Página 2. Sou muito curioso. Então, eu leio sobre tudo e passo a maior parte do meu tempo lendo. Leio bastante sobre neurociência, a sociologia mais quantitativa, procurando fundamentar as análises políticas em dados. Tento jogar isso, na medida do possível, na coluna do jornal, de preferência capturando alguma coisa que aconteceu no dia, tentando traduzir o que está acontecendo. A resposta dos leitores é muito variada: algumas pessoas já entram xingando. Algo que não tinha muito quando eu comecei no jornalismo. Dava um trabalho enorme para o leitor escrever para o jornal. Ele tinha que pegar um papel, escrever, ir aos Correios... Ou seja, as cartas dos leitores eram muito mais ponderadas. Hoje é só apertar um botão. Então, responde-se com o fígado.
Sou meio dinossauro. Não tenho celular e não estou em nenhuma rede social. Claro que, quando alguma coisa está rolando nas redes sociais e isso vira notícia, eu fico sabendo. Mas não estou mergulhado nesse universo [das redes sociais]. Certamente estou perdendo alguma coisa, porém vejo um lado bom: não sou necessariamente pautado por esse “Fla x Flu”, essa polarização e discussão rasteira que é muito em cima do fígado e menos na cabeça. Quanto às fake news, isso sempre existiu, não é um problema novo. Antes até de haver linguagem, na natureza, você vê bichos que se camuflam. Essa é uma forma de mentir, de tentar enganar o outro. Quando se inventou a linguagem, a primeira dificuldade que a gente teve foi diferenciar o discurso verdadeiro do discurso falso. O que a internet trouxe [no âmbito das fake news]? Ela deu uma escala e velocidade para as notícias, o que, talvez, mude um pouco a natureza desse fenômeno, mas não muito. Por exemplo, nas eleições pré-internet, pré-redes sociais, já havia o fenômeno dos boatos soltos bem na época das votações, na tentativa de não dar chance para quem perdesse se recuperar.
Foto: Leila Fugii.
A indústria do jornalismo passa por uma crise muito séria. Uma crise paradoxal porque o jornal nunca foi tão lido com essa história de estar disponível na internet. A Folha, no período áureo, tirou um milhão de exemplares. Isso significa que deveria ter três milhões de leitores. Mas hoje temos mais leitores e não temos como monetizar essa leitura em renda. E o jornalismo é uma atividade cara: mandar um correspondente para algum lugar, pagar razoavelmente bem um bom corpo de redatores, repórteres, editores... Então, nós temos essa dificuldade. Nos Estados Unidos, eles tiveram uma crise arrasadora. Eles tinham um modelo de negócio um pouco diferente do nosso, que dependia da publicidade – no caso dos jornais brasileiros, o leitor paga o papel, pelo menos. Ali, os jornais eram muito baratos e cada cidade, pequena ou média, tinha três ou quatro jornais. Não ficou pedra sobre pedra. Estamos passando por uma crise séria também, um pouco menos grave por causa do nosso modelo de negócio. Fala-se muito nesse jornalismo militante, nos blogs... Uma parte da demanda, eles suprem: eles tornam a opinião mais democrática. Mas como essa pessoa, sozinha, vai fazer uma reportagem investigativa? Isso é algo que demanda um investimento e essa pessoa também tem que se manter financeiramente e não consegue dedicar 100% do tempo a um blog, por exemplo.
A tecnologia vai criando rupturas e oportunidades, e temos que ver para onde isso caminha. Não acho que o jornalismo vai morrer porque existe uma necessidade institucional dele. Mal e mal, além do Ministério Público e de instituições jurídicas, investiga políticos, juízes etc. Faz de maneira diferente, um pouco mais rápida, um pouco menos precisa, mas acho que precisamos dela. Um dos antídotos para fake news é o bom jornalismo, um que confira se os boatos são verdadeiros ou não. Aliás, o que alimenta as redes sociais são as notícias de jornal. Precisamos do jornalismo e de alguma forma ele vai ficar. Mas como e qual modelo é algo que ainda está em aberto.
Hélio Schwartsman
esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 5 de julho.