Postado em 28/09/2018
Criada em 1919, a escola de arquitetura e design Bauhaus propôs mudar
o mundo com uma nova estética em que se fundiam arte e ofício,
utilidade e beleza
Bauhaus-Archiv Berlin
Vem da Alemanha uma das maiores referências de design do século 20. Nascida da união das escolas de Artes e Ofício e Belas Artes de Weimar, em 1919, a Bauhaus, que teve na figura do arquiteto Walter Gropius seu principal articulador, exerce grande impacto nos estudos de arquitetura até a contemporaneidade.
Muitos foram atraídos pela proposta do que seria a primeira escola de design do mundo e seguiram a orientação de Gropius, que incitava os novatos à revolução, dizendo: “Artistas, derrubemos os muros!” Empregando uma abordagem visionária da arquitetura e do design, passando pela construção de prédios, casas e móveis utilitários, como cinzeiros e luminárias, a escola fundiu arte e ofício, utilidade e beleza.
Na renovação em curso de 1919 a 1933, período em que permaneceu em atividade, a Bauhaus precisou mudar de casa. Em 1925, foi de Weimar para Dessau, cidade alemã que se tornou ponto turístico para conhecer a herança da escola. O edifício projetado por Gropius para a sede abriga hoje a Fundação Bauhaus Dessau e opera como um centro acadêmico e de pesquisas para questões urbanas. A linha de ação do centro reforça a contemporaneidade da Bauhaus, que ainda impacta o dia a dia dos habitantes de cidades, seja no modo de ver e de viver, seja em meios de ter contato com o belo. “Sim, a Bauhaus, como escola de projeto baseada na concepção do design ‘total’, teve forte impacto no cotidiano das pessoas”, confirma a coordenadora do curso de Design da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Priscila Lena Farias.
A especialista salienta que inúmeras marcas foram deixadas pela produção de professores e alunos, em particular “no desenvolvimento de projetos de arquitetura associados a projetos de design para interiores (móveis, luminárias, tecidos) que definiram o gosto moderno europeu e ocidental e o exportaram para outros países”.
Os profissionais que lá lecionaram propuseram respostas à sua vontade de mudar o mundo: a ideia era abrir alas ao moderno, ao urbano, ao industrial, à praticidade e à beleza. Tudo isso fermentando no período histórico conturbado entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Os professores eram arquitetos, pintores, músicos, artesãos. Era parte das atividades dos alunos estudar marcenaria, desenho, cerâmica, tapeçaria para depois angariar o conhecimento teórico da história da arte, arquitetura e estarem aptos a produzir sob a égide de novos conceitos práticos e estéticos.
Os pintores Wassily Kandinsky, Oskar Schlemmer, László Moholy-Nagy, Paul Klee, a designer Lilly Reich e o arquiteto Georg Muche foram alguns dos muitos nomes influentes que lecionaram na Bauhaus e fizeram a cabeça de alunos como os artistas Max Bill e Fritz Winter.
“A forma segue a função” (“Form follows function”) era o norte indicado pela Bauhaus. A produção deveria, portanto, privilegiar a funcionalidade e a adaptação ao pronto uso, como é o caso da cadeira Freischwinger (1926), projetada por Mart Stam e desenvolvida por Marcel Breuer, entre outros tantos itens de mobiliário criados no período.
A escola também foi modelo para a construção de moradias sociais – visando ao interior mais simples das construções em espaços compartilhados e cooperativos –, como ocorreu com apartamentos projetados pelo arquiteto suíço Hannes Meyer, o professor que substituiu Gropius na direção da escola, cinco anos antes de sua dissolução pelo regime nazista de Adolf Hitler, em 1933. As diretrizes de Meyer, que cunhou a máxima “Artigo para o povo em vez de artigos de luxo”, continuam refletindo em construções contemporâneas, no ideal de comunidade e compartilhamento dos espaços e no open design (expressão que remete à livre participação nas mais diversas fases de criação de um projeto).
A Bauhaus formou, ainda, as bases para o ensino do design gráfico no século 20, incorporando na tipografia (a arte de criar fontes de letras) a geometrização e o funcionalismo. “Os professores e egressos da escola ficaram conhecidos pela promoção de certo gosto minimalista, que privilegia o uso de letras sem serifa, e economia no uso de cores e outros elementos visuais”, acrescenta Priscila Farias.
Idell-Lamp desenhado por Christian Dell para a Kaiser | Christos Vittoratos Divulgação
conceitos e objetos da Bauhaus
ainda influenciam nosso cotidiano
Design para as massas
Talvez a ideia fundamental da Bauhaus fosse democratizar o acesso à arte e melhorar a vida do povo unindo artistas e indústria para produzir objetos acessíveis de qualidade funcional e estética. Isso continua tão necessário quanto nos anos 1920 e são pouquíssimas as empresas que o fazem.
Teoria da cor
O curso de cor de Josef Albers, sistematizado no livro Interação das Cores, continua influente, principalmente nas artes plásticas. A ideia de que a percepção de uma cor muda conforme as cores que colocamos perto dela é fundamental para qualquer trabalho visual, e Albers mostrou primorosamente como isso acontece.
Sem ornamento
O pensamento de que uma peça deve se expressar por suas próprias qualidades funcionais e construtivas, e não ser “embelezada” por acréscimos supérfluos, nasceu com a Bauhaus e o construtivismo e hoje é senso comum em boa parte da arquitetura e do design. Os admirados produtos da Apple são um bom exemplo.
Formas geométricas
Na Bauhaus, a construção formal dos objetos era evidenciada pelo uso de formas geométricas elementares. A abstração geométrica nas artes plásticas começou nesse período e alguns projetos de design – como a tipografia futura de Paul Renner e os móveis tubulares de Marcel Breuer –, embora concebidos nos anos 1920, continuam em uso até hoje e provavelmente continuarão enquanto existirem alfabetos e cadeiras.
Cultura Visual
Em The New Vision (Do Material à Arquitetura, livro de 1928) o professor da Bauhaus László Moholy-Nagy relata os experimentos sensoriais feitos em aula e, ao falar de fotografia, prevê que o analfabeto do futuro será aquele que não souber fotografar – o analfabeto agora é o fotógrafo que não sabe ler o futuro nas próprias imagens. Em tempos de Instagram, acho que ele tinha razão.
Fonte: Julio Mariutti, designer, fundador do Estúdio Lógos
e um dos autores do livro Espaço em Obra – Cidade, Arte, Arquitetura
(Guilherme Wisnik e Julio Mariutti, Edições Sesc São Paulo, 2018)
Com o coração do design industrial da Bauhaus também pulsavam as criações da arquiteta italiana radicada em São Paulo Lina Bo Bardi, autora do projeto do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e do Sesc Pompeia. De acordo com Luiza Proença, curadora local da exposição Bauhaus Imaginista [leia no boxe Inspiração circulante], o design industrial, ao lado da atenção à cultura popular, foi sua grande preocupação. “No início dos anos 1950, Lina Bo foi cofundadora do Instituto de Arte Contemporânea (IAC) do Masp, uma escola explicitamente influenciada pelo currículo da Bauhaus, e mais tarde, quando dirigia o Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador, a partir de 1959, ela desenvolveu o projeto de uma Escola de Desenho Industrial e Artesanato, que reuniria projetistas com mestres artesãos”, exemplifica.
A curadora relaciona as convicções da arquiteta com as de outros professores egressos da Bauhaus. O interesse maior era “conectar o pensamento moderno com os saberes tradicionais e as necessidades sociais. E o trabalho pedagógico – por meio do museu ou da escola – seria o catalisador desse processo”, compara Luiza.
Foto: Domínio público
SESC POMPEIA recebe exposição internacional
que celebra os 100 anos da Bauhaus
Parte de uma sequência de ações comemorativas internacionais do centenário da Bauhaus, a exposição bauhaus imaginista fica aberta ao público de 24 de outubro a 6 de janeiro de 2019, no Sesc Pompeia. A temática apresentada no Brasil será o capítulo Learning From, que aborda o papel desempenhado pelos processos de apropriação cultural nas experiências, propostas e legados da Bauhaus.
Paul Klee-Teppich (Carpet), 1927 | Hans Snoeck Private Collection, New York - Photo Edward Watkins
Serão apresentadas peças que fornecem indícios da presença e da influência de produções artísticas e artesanais pré-coloniais e não ocidentais nas pesquisas e produções de professores e estudantes da Bauhaus, assim como em propostas artísticas e pedagógicas posteriores, mas a ela relacionadas.
Os curadores são Marion von Osten e Grant Watson, que no Brasil contaram com a colaboração da pesquisadora Luiza Proença. A exposição é realizada em parceria com o Goethe-Institut, Bauhaus Kooperation Berlin Dessau Weimar e a Haus der Kulturen der Welt. No próximo ano, a exposição será realizada em Berlim (Alemanha) e em Berna (Suíça).