Postado em 31/10/2018
Criadores teatrais imprimem DNA nacional em produções que abraçam esse gênero artístico
Foto: Julian Mommert
Tradição brasileira ou modismo importado? O fato é que muito antes de superproduções da Broadway como Os Miseráveis e O Fantasma da Ópera chegarem por aqui, no ano 2000, o teatro musical já era popular no Brasil. Entre os séculos 19 e 20, o Teatro de Revista, gênero musicado que se valia de sátiras do cotidiano, foi o primeiro a desenhar essa vocação do tablado brasileiro. Já nos anos 1960, o teatro musical ganhou um tom político e contestador, a exemplo de Arena conta Zumbi, de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, com música de Edu Lobo. Atualmente, diferentes abordagens, temas e personagens imprimem novidades ao gênero que está, cada vez mais, afinado com a cultura do país.
Diretora do musical Elza, em cartaz no Sesc Pinheiros, Duda Maia percebe esse movimento. “Ultimamente, vários atores-produtores têm necessidade de criar seus trabalhos. São atores-cantores que também vieram de musicais.
Acho que há uns anos víamos muito esses nomes brasileiros nos pequenos musicais e, à medida que eles foram ganhando simpatia e receptividade, isso foi se espalhando. Já o musical vindo do exterior também criou espaço para novas produções”, observa.
Além disso, outra motivação levou à criação de espetáculos como Sassaricando – E o Rio Inventou a Marchinha (2007) ou Gonzagão – A Lenda (2013), cuja direção de movimento também é de Duda Maia. “Há a necessidade de um lugar de trabalho autoral. Consequentemente, surgem daí trabalhos que são mais nossos, mais brasileiros, com a nossa digital. Mesmo que não seja uma homenagem a um artista daqui, mas que tenha uma digital nossa. Brasileiro no sentido mais amplo, contemporâneo, e não no sentido regional. Um brasileiro de nome e sobrenome”, acrescenta Maia.
Para o músico, ator, dramaturgo e compositor Vinícius Calderoni, autor de Elza, o gênero musical é propício para que se cantem as mitologias fundadoras de um país, suas narrativas marcantes e personagens centrais, algo que a Broadway já faz de forma consolidada. “É muito importante que a gente se aproprie das nossas histórias. Isso vai fortalecendo a identidade do país e formando um tipo de público que pode se reconhecer ali, e estar mais próximo da sua própria experiência. Vejo isso com entusiasmo e espero que seja uma tendência que venha para ficar”, conta.
O BEIJO NO ASFALTO
Texto de Nelson Rodrigues, com direção geral de João Fonseca, O Beijo no Asfalto tem trilha original de Claudio Lins e direção musical de Délia Fischer. No palco, a história se passa nas ruas do Rio de Janeiro da década de 1960, onde um homem perde o equilíbrio e cai na frente de uma lotação. A primeira pessoa a socorrê-lo atende o último desejo do homem atropelado: um beijo.
O espetáculo esteve em cartaz no Sesc Vila Mariana, em setembro.
SUASSUNA - O AUTO DO REINO DO SOL
Com texto de Braulio Tavares, canções de Chico César e encenação de Luís Carlos Vasconcellos, o musical da companhia Barca dos Corações Partidos faz uma homenagem a Ariano Suassuna (1927-2014). No palco, o universo de temas e personagens que habitam a obra do escritor paraibano – a valorização da cultura nacional e a mescla da cultura popular e erudita. A peça estreou em
São Paulo, em agosto de 2017,
no Sesc Vila Mariana.
CANÇÃO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS
Baseado em obra de Toquinho, Canção dos Direitos da Criança, da companhia Le Plat du Jour, passa-se em meio às engrenagens e chaminés da Revolução Industrial. Nesse mundo sombrio, regido pelas máquinas, está o castelo da Rainha Má, onde as crianças, chamadas de “coisinhas”, são obrigadas a trabalhar. Certo dia, por não aguentarem mais os maus-tratos, as crianças se unem para bolar um plano de fuga. O espetáculo já esteve em cartaz no Sesc Pinheiros.
Enredos, personagens e canções de autores brasileiros em destaque
De um lado, crianças lutam por seus direitos num cenário de engrenagens e chaminés da Revolução Industrial. Do outro, músicos, bailarinas e palhaços distribuem sorrisos e contam causos no sertão paraibano. Mesmo com enredos e épocas distintas, tanto Canção dos Direitos das Crianças quanto Suassuna – O Auto do Reino do Sol abraçam a linguagem do espetáculo musical para contar uma história e encantar espectadores. Exemplos de produções premiadas e nas quais temas, canções e personagens da cultura brasileira indicam novos caminhos do teatro musical nacional.
Neste mês, é a vez de Elza, no Sesc Pinheiros. No palco, uma banda composta somente por mulheres e sete atrizes compartilham o palco. Juntas e individualmente, cada uma delas é Elza Soares. A menina com a lata d’água na cabeça, que se casou aos 12 anos e foi revelada ao mundo no programa de calouros do maestro Ary Barroso. A garota apaixonada por Mané Garrincha, que deu a volta ao mundo e cantou para multidões. A mulher que passou por momentos de amor, dor e violência.
“O musical era sobre ela e para ela, então Elza sempre esteve onipresente. Absorvi umas 30 horas de entrevistas, arquivos, tudo que encontrei. Ela não interferiu diretamente, não aprovou ou reprovou. Foi super-respeitosa e paciente dando espaço para essa investigação”, conta Vinícius Calderoni, que assina o roteiro do espetáculo, a convite da produtora Andrea Alves. Para Duda Maia, o musical é ainda uma homenagem às mulheres brasileiras. “Difícil não ser um espetáculo que abrisse essas janelas para a vida de outras mulheres
tão importantes e que também pudesse dialogar com aquelas que estão assistindo ao espetáculo. Fico feliz em fazer essa homenagem a Elza e a mulher brasileira.”, acrescenta.