Postado em 03/12/2018
Por Guga Costa*
Um concerto para crianças e para famílias com um repertório formado por obras de John Cage, Astor Piazzolla, Richard Aaker Trythall e do brasileiro Eduardo Guimarães Álvares? Confesso que fiquei muito instigado quando recebi o convite para acompanhar Entre Tambores, Baquetas e Chocalhos - um passeio musical pela percussão. E eis que os percussionistas Carlos dos Santos, Daniela Oliveira, Rafael Costa e Rosângela Rhafaelle convidam o público não apenas para um passeio, mas sim para uma bela e divertida viagem ao universo da percussão. E que viagem!
Com um palco repleto de instrumentos dos mais variados tamanhos, timbres e origens, os músicos estabelecem um diálogo direto e permanente com o público desde o início, seja comentando um pouco sobre cada música, ou sobre os instrumentos que fazem parte de cada obra, e até mesmo convidando cada presente para uma participação corporal.
Com os sentidos aguçados desde o primeiro instante, o passeio se inicia com a obra Bolero, do norte-americano Richard Aaker Trythall (1939). Inspirada no ritmo e na estrutura da dança tradicional - e remetendo ao Bolero, de Ravel - a peça é um grande jogo de sonoridades e dinâmicas. Torna-se quase impossível piscar os olhos durante sua execução, pois além da música extremamente envolvente e vibrante, é espetacular ver os corpos dos quatro músicos atuando quase como dançarinos.
Após um início de tirar o fôlego, a música (e a dança) segue com duas obras para marimba e vibrafone. A primeira é o bonito arranjo de Kevin Super para o Segundo Movimento do Tango Suite, de Astor Piazzolla (1921-1992) - escrito originalmente para os violonistas brasileiros Sérgio Assad e Odair Assad; e o Estudo II - A falsa rhumba, do mineiro Eduardo Guimarães Álvares (1959-2013). Neste momento do concerto, é interessante ver o contraste entre as duas peças para essa formação de duo, com destaque para a execução da divertida - e falsa - rumba em 5 por 4, do brasileiro Eduardo Guimarães Álvares.
Enquanto as três primeiras obras do concerto são baseadas nos ritmos e estruturas das danças tradicionais (o bolero, o tango e a rumba), com uma exploração das mais variadas possibilidades que o universo da percussão oferece para cada peça, o final do programa ainda deixa reservado um espaço potente para a criatividade e a liberdade.
Seja pela ousadia e pela simbologia da obra de um compositor como John Cage para encerrar um concerto para crianças e famílias, ou mesmo pela infinidade de sons, timbres e dinâmicas contidos em Terceira Construção, na qual instrumentos tradicionalmente utilizados em orquestra se unem a outros tipos de instrumentos de percussão, como a queixada, o rugido de leão, latas de alimentos, o canto do grilo e uma concha que soa quase como uma corneta. E são cerca de 12 minutos dessa música repleta de movimento. Certamente o ponto alto do concerto.
É muito bonito conferir um concerto como esse em meio a um espaço tão vivo e tão cheio de movimento como é o complexo da unidade do Sesc Campo Limpo. Olhar pelo espaço e poder acompanhar as reações das pessoas em cada música tornou a experiência do concerto ainda mais rica. Ao final, os artistas - que estabelecem uma comunicação muito legal com o público desde o início até o fim do concerto - ainda convidam os presentes para conhecer e tocar os instrumentos. É quando vemos as crianças de todas as idades entrando em contato com esse universo rico e divertido da percussão.
Se a proposta era apresentar um repertório ousado como esse, com a ideia de colocar obras de compositores contemporâneos em contato com as crianças e com os mais variados públicos - e ainda considerando uma formação pouco frequente em concertos pelo Brasil - o acerto foi em cheio, fazendo de Entre Tambores, Baquetas e Chocalhos uma bela viagem e uma excelente e acertada iniciativa tanto do Festival Sesc de Música de Câmara quanto dos artistas envolvidos.
*Guga Costa é cantor, compositor e produtor. Sua produção artística permeia a música popular, a música erudita e o diálogo com outras linguagens.
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