Postado em 23/01/2019
"Existem várias formas de você lidar com o desenho quando você elabora uma história em quadrinhos. Existem quadrinistas que têm o desenho super simples e conseguem desenvolver histórias extremamente complexas no formato de histórias em quadrinhos", explica o premiado quadrinista paulistano Marcelo D'Salete. "Considero que a mágica dos quadrinhos, mais do que apenas em um quadro, está justamente nessa relação de um quadro com outro quadro. E nesse meio entre um e outro é que você cria sentidos, que você ocupa espaços vazios e contribui para a narrativa".
O nome do professor, ilustrador e quadrinista Marcelo D'Salete não era estranho aos leitores de quadrinhos nacionais antes de 2018. Além do trabalho difundido em revistas do meio, como a Front e a Quadreca, sua primeira graphic novel, Noite Luz (2008), completava já uma década de existência. Mas em 2018, além de ganhar o famoso Prêmio Jabuti por Angola Janga – Uma História de Palmares (2017), na categoria voltada às HQs, viu a edição americana de Cumbe (2014) vencer o Prêmio Eisner, conhecido também como o Oscar dos quadrinhos. Os holofotes da imprensa sobre D'Salete foram inevitáveis.
A obra de Marcelo acumula outros prêmios e indicações, mas o artista nascido na zona leste de São Paulo em 1979 e formado em Artes Plásticas pela USP não vive apenas de suas HQs, ele é também professor de artes na Escola de Aplicação da Faculdade de Educação (USP) e tem, há alguns anos, ministrado cursos e oficinas nas unidades do Sesc São Paulo. Algumas das ilustrações de D'Salete fizeram parte da exposição PretAtitude - Insurgências, emergências e afirmações na arte afro-brasileira contemporânea, no Sesc Ribeirão Preto e no Sesc São Carlos, no ano passado.
Marcelo começou cedo, em casa, a experimentar o formato de contar histórias em quadrinhos. Mais velho, narrou nos contos de Noite Luz (2008) e Encruzilhada (2011), cenas e fragmentos da vida urbana. Em Cumbe (2014) e Angola Janga (2017) mergulhou nas tragédias do passado da escravidão no Brasil revelando histórias pouco contadas sobre a resistência negra à opressão. "Algo interessante pra gente pensar", reflete D'Salete, é "no tipo de narrativa que a gente vem fazendo no formato de histórias em quadrinhos aqui no Brasil, na forma como essa representação do negro aparece nessas histórias, nessas narrativas, e pensar também no caso de artistas negros falando também sobre a sua história, sobre as suas narrativas. Não que eles não possam falar de outros temas, mas é claro que quando a gente não tem artistas negros falando também disso, pra mim, é um problema. É algo estranho. E faz parte, claro, do tipo de sociedade que a gente tem: um tipo de sociedade que sempre deixou esse tipo de narrativa à margem".
"Eu não sou o primeiro quadrinista negro", explica, "já tem o Maurício Pestana e alguns outros aí com obras importantes. Não sou o primeiro escritor negro também. Na área de literatura, tem ainda mais gente. Só que é bem provável que esses últimos trabalhos meus tenham sido alguns trabalhos que tiveram mais repercussão de artistas negros no Brasil aqui nos últimos anos. A gente está tentando romper essa bolha, essas barreiras, e mostrar que essas narrativas são importantes. [...] É o espaço de disputa simbólica que a gente precisa estar dentro também".
Marcelo D'Salete conclui no próximo dia 2 de fevereiro o curso de Introdução às HQs: narrativas negras, que está ministrando no Sesc Pompeia. Ainda no dia 29 de janeiro participa, na mesma unidade, do bate-papo Quadrinhos em contextos de luta, com as colegas quadrinistas LoveLove6 e Germana Viana. Essas atividades fazem parte de um conjunto de programações que seguem até o final de fevereiro, Pompeia nos Quadrinhos: Narrativas Plurais. No dia 31 de janeiro, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo, o artista conversa com o púbico sobre suas obras.
Minutos antes da primeira aula do curso em andamento no Sesc Pompeia, Marcelo concedeu à EOnline uma rápida entrevista e compartilhou um pouco do que pensa sobre a arte de contar histórias. Confira no vídeo: