Postado em 31/01/2019
Iniciativas de moradores de diferentes regiões de São Paulo mostram que
a atividade física fomenta qualidade de vida e inserção social
Em rincões da grande São Paulo, sob viadutos ou em parques, há milhares de vidas em ebulição. Quando o ex-pugilista Nilson Garrido criou uma academia de boxe sob o viaduto Alcântara Machado, na Zona Leste, em 2006, não fazia ideia do alcance desta ação sobre dependentes químicos. Na mesma região, no bairro de Itaquera, o faixa-preta em artes marciais, ex-jogador de futsal, e apaixonado por corrida de rua, Francisco Carlos da Silva nem sequer imaginou qual seria o impacto em construir uma pista de atletismo para dar aulas a crianças e jovens. Já na Zona Sul, no Capão Redondo, há 20 anos a corredora Neide Silva começou a ensinar, despretensiosamente, o esporte a crianças e mulheres sem saber as repercussões da iniciativa. Projetos que geraram, e geram, transformações sociais graças a cidadãos que reconheceram na prática esportiva um poderoso agente de mudanças.
Das cinco da manhã às nove horas da noite, moradores de rua, empresários, motoboys, refugiados e curiosos que passam embaixo do viaduto da Radial Leste fazem as aulas do projeto Garrido Boxe. Em média, 700 pessoas frequentam a estrutura com aparelhos de musculação, cama elástica e ringue que Nilson Garrido conseguiu montar sob o viaduto Alcântara Machado, na Bela Vista. Um espaço criado para estimular àqueles que vivem nas ruas ou que passam pela região a deixar a dependência química, buscar uma nova oportunidade de vida e socializar.
“A maior luta é a de você com você mesmo. Não é fácil, mas muitos daqui conseguem superar suas dificuldades. O Rubens, por exemplo, está no projeto há um mês e já trabalha e treina diariamente. Todo dia é um dia em que ele batalha e vence”, conta Garrido, que enfrenta os percalços da rotina ao ser motivado por lições como esta.
A constatar que o esporte pode transformar hábitos e dar novas oportunidades aos praticantes, Garrido acredita que a mudança venha dos cidadãos, mas também de outras esferas. Sem incentivo governamental ou empresarial, o projeto se mantém com parcerias e voluntários. “Eu não sonho, porque mal durmo. Mas tenho um desejo: que o poder público possa ver esse projeto e perceber que essa é uma forma de resgatar essas pessoas para que voltem à sociedade”, diz. “O viaduto não é lugar para lixo, desova de carro ou consumo de drogas. Esse pode ser um espaço positivo de transformação. Quero mais viadutos com projetos sociais com o intuito de fortalecer o ser humano pelo esporte.”
Outras vivências e trocas
Localizada em Itaquera, Zona Leste, a Associação Esportiva e Cultural Kauê (AEC Kauê) é outro exemplo de que o esporte pode transformar a vida de jovens da periferia. Criada em 1998 pelo ex-atleta universitário Francisco Carlos da Silva, ou apenas Fran Kauê, como é conhecido entre os amigos, a associação realiza 11 projetos de inclusão social. Dentre alguns voltados para informática, reforço escolar e artesanato, a “menina dos olhos”, segundo Fran, são os projetos voltados para a atividade física, como o Correndo para o Futuro.
Projeto voltado para crianças e adolescentes, nele alguns participantes apresentam potencial atlético e são encaminhados para programas supervisionados. De lá, podem ser chamados por clubes federados de atletismo. Para as demais crianças fica o aprendizado das técnicas e disciplina do esporte associadas à melhoria de saúde física e mental. “O que mais os deixa felizes é falar que são sementes do asfalto, porque foram plantados na pista de atletismo, que mudou a vida deles”, destaca Fran.
O ex-atleta também cresceu na periferia e teve a vida transformada pela corrida. “Eu também tinha sonhos e não tinha condição de realizá-los. Tive no esporte a possibilidade de mudar minha vida e dos meus familiares”, recorda. Desde que o projeto entrou em ação, Fran celebra o fato de que a AEC Kauê já formou atletas de alto rendimento, que recebem salário e construíram uma carreira por causa do esporte que escolheram praticar.
“Mais do que uma questão financeira, a mudança é educacional: alguns jovens conseguem entrar num colégio particular porque são atletas. Outros conseguem cursar uma universidade. É muito bacana ouvir: ‘Vou ser fisioterapeuta porque quero cuidar dos idosos que participam do projeto Mexendo o Esqueleto (voltado para os mais velhos)’. Ou dizer que quer ser professor de educação física. O maior sentimento é plantar gratidão no coração deles para motivá-los a ir cada vez mais longe”, comemora Fran.
Foto: Anderson Rodrigues
Acreditar para alcançar
Desde 1999, o projeto Vida Corrida vem mudando a situação de mulheres e crianças do bairro do Capão Redondo, na Zona Sul, por causa do esporte. Liderado pela corredora Neide Santos, hoje o projeto oferece aulas de corrida de rua para adultos, treino funcional para mulheres – que correspondem a 90% dos participantes –, além de aulas de atletismo lúdico para crianças e adolescentes. Um total de 680 pessoas atendidas.
Como resultado, Neide observa uma melhoria da qualidade de vida de alunos e, principalmente, de alunas. Como a cultura do futebol no bairro restringe-se aos homens, meninas e mulheres que não têm condições financeiras para se matricular em alguma academia de ginástica não realizam atividades físicas. Consequentemente, muitas buscaram a Vida Corrida com problemas de saúde.
“Quando elas chegam aqui, querem parar de tomar medicamentos para colesterol, triglicerídeos e, às vezes, até para diabetes”, conta a corredora. Outras vão atrás do projeto porque querem um “corpo perfeito”. “Explico para todas que um corpo bonito é um corpo saudável e feliz”, acrescenta. Dessa forma, Neide, que em 2016 foi convidada para conduzir a tocha olímpica na capital paulista, observa o impacto da corrida de rua na saúde, autoestima, inclusão social e até mesmo na educação dos praticantes. “Muitas só tinham até a quinta série. Hoje algumas já se tornaram professoras no projeto. Mulheres que voltaram a estudar depois da prática esportiva”, celebra.
Somente no ano passado, seis crianças saíram do projeto para trilhar uma possível carreira no esporte. Três destas são futuras atletas paralímpicas e outras três foram chamadas pelo Centro Olímpico para se tornarem corredoras de alto rendimento. “A oportunidade de sair da comunidade, conhecer atletas olímpicos, tudo isso impacta nossa região. Moro no Capão e não saio daqui. Como diz Mano Brown do Racionais MC, depois da ponte, sou só mais um na multidão. Mas sou importante para quem mora aqui”, conta Neide, que nasceu e passou a infância em Porto Seguro (BA), mas foi em São Paulo, aos 14 anos, que se encantou pelo esporte.
“Todo santo dia, estou aqui para motivá-las. Incentivar essas pessoas me torna mais feliz. Nunca imaginei que eu, Neide, sem grande poder aquisitivo ou formação acadêmica, poderia impactar a vida de tanta gente. Já fui tachada de magrela, ou a maluca que corria, e hoje ensino pessoas a colocarem um pé na frente do outro e acelerar. Isso é uma grande conquista.”
Aulas abertas, vivências, apresentações esportivas, exposições e debates estimulam uma nova postura sobre
o valor social de diferentes práticas físicas e esportivas
Durante os meses de fevereiro e março, o Sesc Verão dá sequência a uma série de atividades gratuitas realizadas desde janeiro em todas as unidades de São Paulo. Voltadas para a prática esportiva e física, um total de 1.800 ações, entre oficinas, cursos e mesas de debate, levantam reflexões sobre impactos na saúde e educação, bem como a repercussão social dessas práticas. Na programação, Nilson Garrido, Neide Silva e Fran Kauê juntam-se a outros convidados para compartilhar com o público suas vivências no esporte.
“O Sesc convida o público ao engajamento, ao convívio e à atenção para a coletividade como elementos que reforçam a adesão às atividades físicas e esportivas, entendendo a relevância das relações sociais presentes em tais atividades e sua força para a manutenção delas no cotidiano da população”, explica Fábio Henrique Miranda, assistente da Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo do Sesc São Paulo.
Confira alguns destaques da programação de fevereiro:
IPIRANGA
Foto: Evelson de Freitas
Ginástica Para Todos em Heliópolis (de 2 a 23/2)
Modalidade de ginástica inclusiva, não competitiva e voltada para o lazer, ela possibilita a participação de todas as pessoas, independentemente de idade, gênero, classe social ou mesmo condições técnicas. Realizada exclusivamente com grupo formado na comunidade de Heliópolis. Inscrições antecipadas, pelo email: esportivo@ipirana.sescsp.org.br.
SANTO ANDRÉ
Foto: Divulgação
Ginástica Artística com Arthur Zanetti (dia 3/2)
Nascido no ABC, Arthur Zanetti foi o primeiro atleta brasileiro a conquistar uma medalha olímpica para a Ginástica Artística, em 2012. No ano seguinte, conquistou o título mundial inédito nas argolas. Essas e outras conquistas serão contadas ao público pelo atleta em um bate-papo seguido de uma demonstração.
POMPEIA
Foto: Rodrigo Zaim
Boxe com Robson Conceição (dia 3/2)
Nesta atividade, o pugilista brasileiro, medalha de ouro nos jogos olímpicos do Rio em 2016, e atualmente competindo profissionalmente com dez vitórias em dez lutas, vai contar detalhes de sua formação, apresentar os movimentos básicos da modalidade e interagir com o público presente. Além disso, contará detalhes de sua iniciação na modalidade a partir de projetos sociais em Salvador.
Elaboração de Projetos Esportivos (de 2 a 23/2)
O objetivo da atividade é capacitar profissionais da área de esporte e educação a elaborarem projetos dentro das normas definidas pelas leis de incentivo ao esporte. O público-alvo do curso são funcionários de organizações públicas de esporte e educação, membros de organizações não governamentais sem fins lucrativos, estudantes e profissionais de educação física. O curso será ministrado por Willian Boudakian, diretor da Rede Esporte pela Mudança Social, instituição que fomenta a formalização e a integração de associações esportivas pelo Brasil.
PARQUE DOM PEDRO II
Foto: Alexandre Babadoboul
Festival Sesc Verão Basquete 3X3 Feminino (dia 17/2)
Variante do esporte desenvolvido para ser jogado em campos externos, como as ruas, o Basquete 3X3 é disputado por trinca de jogadores, que utilizam apenas meia quadra e uma das tabelas.
CAMPO LIMPO
Foto: Fernando Solidade
Passeio ciclístico de aproximadamente 30 km realizado no trecho entre o Sesc Campo Limpo e a ciclovia da Marginal Pinheiros, nesta atividade os participantes terão a oportunidade de ver e sentir a cidade sob uma nova perspectiva.
PINHEIROS
Foto: Gabriel Heusi
Esgrima com Amanda Simeão (dia 23/2)
Nesta atividade prática, a atleta vai ensinar ao público noções básicas da esgrima, além de realizar uma apresentação com os alunos do Esporte Adulto Esgrima.
SANTO AMARO
Foto: Renata Teixeira
Desafio Indoor Cross com a participação especial do atleta Paulo André (dia 24/2)
Tradicional corrida de obstáculos cujo percurso põe à prova diferentes capacidades do participante. Agilidade, equilíbrio, força, velocidade e resistência do corredor são testadas em um circuito onde é preciso se valer de diferentes formas de locomoção, como rastejar, rolar, escalar e saltar. O velocista Paulo André Camilo Oliveira tenta quebrar um tabu histórico de correr os 100 metros abaixo dos dez segundos.