Postado em 15/02/2019
A internet comercial chegou ao Brasil em 1996, trazendo consigo muitas promessas. No mesmo ano, o cartunista André Dahmer cursava desenho industrial no Rio de Janeiro. Nesse momento de transição, os alunos foram levados para conhecer o laboratório digital da universidade, uma sala com um único computador. A professora que acompanhava a visita ao espaço disse: “Você vai escrever nessa tela e pesquisar coisas”. “Qualquer coisa?”, indagou Dahmer. Ela respondeu: “Não, por que não tem tudo”. “Mas um dia vai ter?”, retrucou. Ela disse que não sabia, afinal, mesmo com todas as expectativas, era difícil dimensionar a forma como aquilo iria evoluir.
Não precisou de muito tempo para que quase todo o conhecimento do mundo estivesse acessível pela rede. Mais do que isso, uma década depois, praticamente toda pessoa se tornou uma produtora de conteúdo em potencial. Um cenário que tinha tudo para ser trazer uma democratização nunca antes vista tanto para se criar ou acessar arte, afinal os intermediários haviam sido eliminados.
“A gente achava que a internet ia melhorar a comunicação entre as pessoas, que chegaria mais informação boa. A gente dizia que a TV só mentia e que a internet iria nos trazer a verdade. Isso há 15 anos. (...) Tudo o que a gente previu não aconteceu”, comentou Dahmer durante o debate Experiências Literárias e Tecnologias, parte da programação do Sesc na Campus Party.
Samira Almeida, que trabalha com o desenvolvimento de livros interativos, vê o cenário sem romantismo. Para ela, o fato de todo mundo poder produzir não significa necessariamente que tudo o que é bom vai ter sucesso. Ou seja, só fazer bom conteúdo não basta. “A internet ainda é uma selva, e nela vale a lei do mais forte. Essa selva faz com que coisas medíocres apareçam acima de coisas muito interessantes. Se a gente não for marqueteiro, nosso conteúdo some”.
Então, será que produzir conteúdo online ainda vale a pena? Para Ju Wallauer, do podcast Mamilos, a resposta é sim, uma vez que com a internet podemos fazer coisas que antes eram impossíveis. “Existe uma ideia de que as pessoas não estão interessadas em alguns assuntos, mas a nossa experiência diz que se a gente fizer um programa de 90 minutos sobre um tema como imposto, vão ter 190.000 pessoas para ouvir”. E se há críticas quanto à falta de valorização dos criadores quando todo mundo é criador, Ju defende que nasceram outras formas de sustentar projetos com os quais o público se identifica, como os financiamentos coletivos.
Mesmo com as barreiras não calculadas a princípio, que entregaram o controle da circulação de ideias para outros oligopólios midiáticos como o Facebook, Google e seus algoritmos, não faltam exemplos de conteúdos que não existiriam dentro da lógica off-line. Dahmer vê problemas, mas enxerga ainda possibilidades em um ambiente com que transformou as formas de controle sobre a sociedade: “As pessoas criativas existem aos milhões e isso é maravilhoso. Elas estão testando formatos jamais seriam experimentados pelas mídias tradicionais”.