Postado em 31/05/2019
Arquivo da ABL.
Romancista, cronista, ensaísta. José Lins do Rego foi o responsável por obras que estabeleceram um marco editorial no Brasil. Com o lançamento de Menino de Engenho (1932) e Banguê (1934), o autor virou best-seller. “Ele alcançou tiragens até então inéditas no mercado nacional”, diz a professora do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Mariana Chaguri.
A professora esclarece que a primeira edição de Menino de Engenho se concretizou em acordo com a Andersen Editores em termos não exclusivos, ou seja, não se tratou de uma autopublicação, como praticada atualmente por alguns autores, mas em parceria financeira com a editora.
O enredo trata do menino Carlos, que vive até a adolescência no engenho do avô, membro da oligarquia açucareira nordestina. José Lins foi buscar na própria infância memórias para criar a narrativa. Nascido em 1901, na Paraíba, passou a infância no Engenho do Corredor, propriedade da família.
Com o sucesso do livro, veio o reconhecimento e a inserção na roda literária que estava despontando – o movimento de renovação da prosa brasileira no Nordeste, a Geração de 30, que criou o romance regionalista, na segunda fase do modernismo brasileiro. A boa acolhida de público e crítica também motivou a mudança para o Rio de Janeiro, em 1935.
Estudos e primeiros trabalhos
Em 1919, o jovem frequentava a Faculdade de Direito do Recife, onde iniciou a amizade com intelectuais do círculo regionalista, como José Américo de Almeida e o crítico Olívio Montenegro. No fim desse período, passou temporada de estudos nos Estados Unidos. O olhar brasileiro sobre o estrangeiro reverberou em sua obra e sua formação pessoal. Na volta, em 1923, travou contato com Gilberto Freyre. O sociólogo foi influência para que o autor trabalhasse com as cores locais. Já formado, viveu entre a literatura e empregos concursados. Pouco antes da publicação de Menino de Engenho, trabalhou como promotor público, em Maceió (AL), período em que conheceu Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz. Nessa época, também atuou como colaborador em suplementos literários da região.
Boleiro
Dos quatro cantos do campo para os quatro campos da página. Na década de 1930, já morando no Rio, José Lins continuou a fazer jornalismo, colaborando em vários periódicos com crônicas diárias.
Familiarizado com a cena intelectual carioca, contribuiu com a popularização da crônica esportiva. “Seu prestígio literário foi transferido para um gênero – a crônica esportiva – visto com desconfiança pela intelectualidade, já que o futebol era entendido por muitos literatos como fenômeno sem maior significação cultural”, explica o professor e pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getulio Vargas, Bernardo Buarque. “Zé Lins contribuiu para a superação desse preconceito, com uma escrita espontânea, coloquial, capaznde se comunicar com seus leitores-torcedores e de externar sua paixão clubista.” A dedicação originou mais de 1.500 crônicas publicadas, nos seus 12 anos de atuação no carioca Jornal dos Sports.
Cena do filmes Menino do Engenho (1965), direção de Wlater Lima Jr.
Língua solta
O estilo informal apontado por Buarque não se restringe às crônicas esportivas e pode ser atribuído também aos romances. “Pode-se dizer que se trata de continuidade, sim, com as devidas características que distinguem romance de crônica”, esclarece.
Habilidade para narrar não faltava ao autor, numa obra baseada em memórias e reminiscências. Seus romances evidenciam um sistema econômico de origem patriarcal, com o trabalho semiescravo, sem deixar de lado outro aspecto importante da vida nordestina: o cangaço e o misticismo. A obra romanesca abarca, entre outras produções, o Ciclo da Cana-de-Açúcar, composto das obras: Menino de Engenho, Doidinho (1933), Banguê (1934), Usina (1936) e Fogo Morto (1946). O último da lista é uma espécie de síntese dos demais. Doidinho já mostra a vida do menino Carlos no internato, encantado pela possibilidade de retornar ao engenho. Banguê é o retrato da vida adulta e a dualidade observada nos caminhos do país. O título faz referência ao objeto de cipós trançados no qual o bagaço da cana era transportado para a bagaceira. Da decadência dos modos operacionais dos engenhos surge Usina, em alusão ao maquinário moderno que se interpunha como novidade no Nordeste.
Cartaz do filme Menino de Engenho.
Mariana Chaguri afirma que o conjunto da obra de José Lins “ajudou a abrir espaço para temas e autores como Rachel de Queiroz e Graciliano Ramos”. A pesquisadora também explica que ele foi o elo entre esses escritores e o editor José Olympio, que viabilizou a publicação da sua obra.
Como ocorreu com outros ícones da literatura brasileira, a telona e a telinha fizeram sua homenagem a José Lins do Rego, morto em 1957. Entre outras iniciativas, Menino de Engenho foi adaptado para o cinema em 1965, pelas mãos de Walter Lima Júnior; o romance Riacho Doce (1939) ganhou versão de sucesso para a TV em 1990. Já a trajetória do escritor foi tema do documentário O Engenho de Zé Lins (2007), dirigido por Vladimir Carvalho.
Posse de José Lins do Rego na Academia Brasileira de Letras, em 1956
Conhecer o mundo
Crônicas de viagem são recuperadas e trazem relatos inéditos sobre Argentina e Portugal
No baú de José Lins do Rego também cabem suas crônicas de viagem. Em Gregos e Troianos (1957), pode-se acompanhar relatos da Europa. Já os textos sobre as passagens por Argentina e Portugal estavam dispersos e inéditos, até se tornarem objeto de pesquisa de Regiane Matos. E o que esses mais de 100 textos somam ao conjunto já clássico do autor? Descubra na sequência.
Viagens em três tempos
Diplomáticas, familiares e esportivas (ligadas à sua atuação no Flamengo e na CBD – Confederação Brasileira de Desportos). As crônicas produzidas a partir dessas viagens – Argentina, Portugal e Grécia – abordam os pontos turísticos, as paisagens, o povo, a cultura e por vezes a política de cada um desses países.
A linguagem é coloquial e se adequava ao jornal O Globo, veículo no qual as crônicas foram publicadas em um primeiro momento.
Aguçado
Seu olhar para outros países é de contemplação e de alteridade – o paraibano busca semelhanças e diferenças entre Brasil, Argentina, Grécia e Portugal, muitas vezes, inclusive, se utilizando das comparações para criticar a atuação do governo brasileiro na época.
*Fonte: Regiane Matos, mestre pelo Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP) e doutoranda em História na Fundação Getulio Vargas (PPHPBC-CPDOC-FGV).
Depois de destacar a obra de José Lins do Rego, série de cursos sobre a arte de escrever lança nova programação
O Centro de Pesquisa e Formação ofereceu em maio o minicurso Dos Engenhos de Açúcar aos Campos de Futebol: A Literatura de José Lins do Rego. No programa, que ficou a cargo dos professores e pesquisadores Bernardo Buarque (Fundação Getulio Vargas), Mariana Chaguri (Unicamp) e Regiane Matos (Fundação Getulio Vargas), um passeio pela trajetória, vida e obra do escritor paraibano.
E o mês de junho reserva mais atividades literárias: Ciclo do Autor Homenageado: Euclides da Cunha, de 3 a 26 de junho; Poesias em Tempos de Guerra, de 5 a 26 de junho; Dois Olhares Que Conversam: Mulheres nas Artes Visuais e na Literatura, no dia 27 de junho; Dostoiévski e a Dialética: Fetichismo da Forma, Utopia como Conteúdo, no dia 29 de junho.