Postado em 31/05/2019
Em um extenso terreno, em meio à ocupação de casas populares de um bairro distante do centro da cidade de São Paulo, uma mulher, protegida do sol forte já pela manhã, leva em uma das mãos uma pequena pá e, debruçada sobre um pedaço de terra vermelha, realiza com destreza e delicadeza a sua lida diária de plantio em uma horta que não é sua, mas comunitária. Ali, moradoras e moradores se revezam no cuidado da terra e socializam o resultado da produção, que poderá gerar alguma renda e, ao final, movimentar a economia local.
Mas alguém chama a atenção para aspectos menos tangíveis – o fortalecimento dos laços comunitários e o sentido de pertencimento àquele lugar. Ambos foram criados a partir da interação entre as pessoas em torno da motivação de cuidar, de forma cooperada, daquele espaço, passando a compartilhar os mesmos valores – dentre eles, que a terra cultivada tornara-se um bem comum.
Coloco esse cenário em perspectiva. Assim como essa iniciativa, há no território brasileiro, em diferentes latitudes, uma pluralidade de articulações assemelhadas. São famílias que se reúnem em torno da pequena produção agrícola baseada em formas agroecológicas de cultivo; grupos que recuperam áreas verdes; pessoas que desenvolvem tecnologias sociais em diálogo com comunidades tradicionais e as necessidades de geração de renda; associações que fomentam o comércio justo; cooperativas que auxiliam na produção e na distribuição de alimentos, estreitando o vínculo entre quem produz e quem consome; ativistas que mantêm na ordem do dia pautas ambientais urgentes; povos originários, que lutam pela preservação das florestas e combatem as mudanças climáticas, atentos à centralidade desse problema na vida das pessoas e à garantia da biodiversidade.
Essas práticas resultam em arranjos baseados na interação de redes sociais em diferentes escalas. Cada qual a seu modo, apoiam-se em um circuito de trocas concretas e afetivas, que orienta a forma como ocupar e se relacionar com o território. Demonstram a riqueza de saberes construídos a partir de diferentes perspectivas culturais. Na sua totalidade, estão implicadas em propor alternativas aos discursos e às políticas que projetam caminhos exclusivos pela via do crescimento infinito.
Ainda que essas alternativas estejam em curso no território brasileiro, a sua sustentabilidade depende de pelo menos dois aspectos. O primeiro inclui a manutenção de políticas sociais, como instrumentos de incentivo, que deem suporte à sua implementação – hoje sensivelmente afetadas. O segundo passa pela compreensão do quanto esses arranjos têm uma ação transformadora e são imprescindíveis em uma sociedade que convive com relações sociais excludentes e desiguais, e práticas predatórias contra os bens naturais.
Afinal, como lidar com esses desafios? É incontornável reconhecer a diversidade de pontos de vista, histórias, valores e costumes que perpassam esses arranjos sociais, bem como o fato de estarem ancorados em uma base coletiva e na relação de interdependência entre seres humanos e natureza.
Ao narrar experiências como essas, o projeto Ideias e Ações para um Novo Tempo, do Sesc, quer ampliar as oportunidades de troca de saberes. E, inspirado por esses processos de aprendizagem, chama a atenção para outros modos de viver, que são sustentáveis na essência.
VIRGINIA CHIARAVALLOTI é mestre em
Ciências Sociais e assistente na Gerência de Educação
para a Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.
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