Postado em 04/01/2020
No dicionário, o termo “artesanato” é definido como técnica de trabalho do artesão, que alia utilitarismo à arte. Para ampliar esse entendimento, a exposição EntreMeadas, no Sesc Vila Mariana, propõe um novo olhar sobre essa prática. Com curadoria da jornalista e pesquisadora de arte e design Adélia Borges, a mostra ressalta a qualidade artística dessas narrativas criativas e poéticas que transcendem a habilidade manual.
“Na perspectiva hierarquizada da cultura que permeia a nossa sociedade, o artesanato é visto como o último degrau, longe até da chamada arte popular”, explica Adélia, que foi diretora do Museu da Casa Brasileira [entre 2003 e 2007] e já escreveu mais de 30 livros sobre artesanato, arte e design. “Para muitos, o vocábulo [artesanato] é uma forma de desqualificação de quem o fez.”
A curadora acredita que o contato com essas manifestações seja uma forma de “despir o olhar de preconceitos e prejulgamentos para descobrir uma densidade poética notável nos trabalhos de comunidades de artesãs”. Um exemplo é o trabalho realizado por grupos e coletivos de artesãs no estado de São Paulo, apresentado em EntreMeadas, obras feitas à mão e que conduzem o público por outra linha de expressão e compreensão.
“A maneira de expor as obras procura conferir a dignidade que esses trabalhos merecem e que, via de regra, lhes é negada”, enfatiza Adélia, que participa do comitê científico da 12ª conferência do International Committee for Design History and design Studies (ICDHS), a ser realizada em Zagreb, Croácia, em outubro.
No Sesc Vila Mariana, até 9 de fevereiro, a exposição EntreMeadas convida o público a imergir na produção de artesãs que integram 20 coletivos do estado de São Paulo, um patrimônio cultural composto por saberes e fazeres manuais a partir de linhas, fios, fibras e outros materiais que ganham simbologia transformando-se em tecelagens, rendas e novas tramas. Peças que costuram narrativas e dialogam com a identidade cultural de suas comunidades de origem, como o trabalho realizado pelo coletivo Rendeiras da Aldeia, de Carapicuíba, ou pelo Mulheres Artesãs da Enseada da Baleia, de Cananeia. O relato da curadora Adélia Borges resume a importância da iniciativa: “Na noite de abertura [em outubro de 2019], a veterana Lucinda Bento, 78 anos, tecelã de Américo Brasiliense, fez uma fala emocionante sobre o artesanato como expressão da cultura. E em 23 de novembro ela faleceu. É um privilégio ter sua obra na mostra. Nos perguntamos quantas Lucindas não há por aí. Pessoas que passaram a vida expondo em praças e batalhando em ocupações subalternas, sem o reconhecimento devido”.