Postado em 01/06/2020
A casa deveria ser um ambiente de segurança e aconchego. Um local ainda mais especial neste momento de isolamento para a contenção da Covid-19. No entanto, o mesmo lar que protege também invisibiliza a violência contra pessoas idosas. De acordo com o Disque 100, que analisa e encaminha denúncias de violações de direitos humanos, 78% das denúncias de violência contra idosos relatam episódios no ambiente doméstico, sendo que 60% dos suspeitos de cometer diferentes tipos de agressões (física, psicológica entre outras) são filhos(as) ou netos(as). Violências que se reforçam quando essa parcela da população ainda é classificada como grupo de risco. Um triste retrato e resultado do que o ator Lima Duarte, 90 anos, enfatizou em vídeo nas redes sociais em maio: a desvalorização da vida de mulheres e homens mais velhos.
“Idoso não é grupo de risco. A condição de saúde das pessoas idosas pode ser boa, regular e ruim. Essa pandemia tem mostrado para nós, enquanto sociedade, que existe um perfil diferente das pessoas que têm morrido pela Covid-19, um perfil que também é jovem”, explica o doutor em Saúde Pública Alexandre Silva, especializado em Gerontologia pela Unifesp. Mesmo assim, os mais velhos ainda são tratados com preconceito. “Agora, nesse período de pandemia, vemos piadas dizendo que o idoso é uma pessoa teimosa, que ele não sabe ficar em casa e não quer compreender a magnitude do problema. Nós temos aí um problema de discriminação”, acrescenta.
Mas, o que move esse pensamento que na prática se transforma em agressão? Afinal, a população brasileira, e mundial, está envelhecendo. E a expectativa de vida do brasileiro é, em média, de 76 anos, segundo os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mesmo assim, o ageísmo ou idadismo (preconceito referente à idade) é reforçado diariamente. Uma questão que, segundo Alexandre Silva, foi construída ao longo da história.
“Se a gente for fazer um resgate histórico da nossa composição ética e cultural como sociedade, há vários grupos que sempre tiveram na sua essência cultural étnica a valorização da pessoa mais velha. Na cultura africana, por exemplo, temos a imagem do Griô. Na indígena também há essa veneração às pessoas mais velhas. Entretanto, com a chegada do capitalismo e a busca frenética por uma mão de obra qualificada e pronta, isso foi realçando a questão do envelhecimento. Isso tudo vai nutrindo não só preconceito, mas atitudes a partir desse preconceito. Esse é o grande perigo”, analisa o especialista.
Existem vários tipos de violência contra os mais velhos. “Gritar, xingar, não lhe dar atenção. A violência psicológica em que você diz que ele ou ela não serve para nada, e até utilizar o cartão de aposentadoria do idoso para si. Todos esses são tipos de violências e muitas delas são silenciosas”, destaca a especialista em Gerontologia Claudia Fló, coordenadora da Área Técnica da Saúde do Idoso da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
Agressões que podem estar acontecendo agora, neste período de isolamento social. “A violência atinge todas as classes sociais, não é só para as pessoas mais humildes. Esses idosos estão isolados com seus agressores. Ou seja, eles não têm nenhum instante em que possam se afastar para dar um telefonema ou avisar um vizinho. Muitos também dispensaram os cuidadores, que, às vezes, eram pessoas que os protegiam”, ressalta.
Há também aqueles que optam por não denunciar. “Muitas vezes os idosos que são violados em seus direitos e em sua integridade física e psicológica dizem: ‘O que eu fiz para merecer isso? Não tenho culpa’. É a falência da família, é a falência da sua atuação como educador se alguém tão próximo comete atos de negligência, de abandono, de maus-tratos físicos, psicológicos. Então, ele tende a negar. Nega para si mesmo, nega para os outros”, disse a psicóloga Anita Liberalesso Neri na série Envelhecer, dirigida por Claudia Erthal e Paulo Markun, exibida pelo SescTV (leia Onde mora a violência). “Por isso, muitas vezes, esses episódios são subnotificados, são mal relatados em função dessa necessidade de proteger a própria autoestima, a própria integridade. Isso favorece os abusos.”
Se todos nós, um dia, iremos envelhecer, como agir diante dessa realidade? De que forma queremos ser tratados na velhice? E, para os mais velhos, como eles estão se posicionando? “Dentro desse processo, um ponto que a gente deixou de lado foi o de empoderar esse idoso, de que ele tem direitos e formas de cuidar de si mesmo”, complementa Alexandre Silva. “Então, isso passa pela educação. Desenvolver ações que mostrem aos idosos as formas de violência pelos meios mais adequados para transmitir essa informação. Para que eles possam ter consciência e se empoderar de possibilidades de mudança.”
Campanha e outras iniciativas difundem conhecimento e informação para combater diversos tipos de agressões
"É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”, determina o Estatuto do Idoso. No entanto, todos os dias, é preciso relembrar a sociedade desse direito, por meio de notícias, livros, seminários, filmes, séries e outros suportes. O dia 15 de junho é o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa.
Com o tema Onde mora a violência?, neste ano a Campanha de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa reforça a importância de olhar para os lares, principalmente no contexto de pandemia, para tornar visível todos os tipos de violência sofridos por homens e mulheres acima dos 60 anos. Com alcance nacional, a campanha será realizada nas plataformas digitais.
“Em tempos em que estamos em casa, convivendo em diferentes formações familiares, discutir as várias formas de violência contra os idosos é mais do que urgente, é vital”, explica Gabriel Alarcon Madureira, assistente técnico da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo. Além da campanha, outros conteúdos produzidos e exibidos pelas plataformas digitais do Sesc São Paulo levantam reflexões sobre o envelhecimento e a cultura da longevidade.
Confira alguns destaques:
SÉRIE
Nessa série de 13 episódios, dirigida por Claudia Erthal e Paulo Markun, o espectador acompanha depoimentos que refletem sobre o envelhecer no século 21. Quais as incertezas, tensões, exclusões, violências, mas também conquistas, alegrias e realizações dessa população. (Disponível na plataforma de streaming on demand do SescTV – sesctv.org.br)
CURSO
Com base nas diretrizes do programa Trabalho Social com Idosos do Sesc São Paulo e pesquisas sobre o tema, o curso apresentado pela atriz Zezé Motta aproxima e sensibiliza um público interessado na temática do envelhecimento. São seis aulas, acompanhadas por textos de apoio, indicação de filmes, músicas e artigos. (O curso é gratuito e está disponível na plataforma do Sesc Digital de educação a distância – sescsp.org.br/ead)
ARTIGOS
Revista Mais 60 – Estudos sobre envelhecimento
Publicação quadrimestral de artigos e matérias que trazem à luz assuntos relacionados ao envelhecimento, como violência, sexualidade, trabalho, direitos, estimulando reflexões com estudantes, profissionais e interessados na cultura da longevidade. (Leias as edições no portal do Sesc São Paulo: sescsp.org.br/mais60)