Postado em 30/06/2020
São vinte e dois anos dedicados à nutrição. Jamais esquecerei o primeiro dia na faculdade rodeada de pessoas que eu não conhecia. A aula era de Sociologia e o professor chamava-se Nakazone. Foi impactante ouvir dele a seguinte frase: “Vocês serão nutricionistas em um país em que as pessoas passam fome”.
Era o ano de 1994. Tínhamos um quadro de desnutrição grave em todas as regiões do país, principalmente no Nordeste. Nos grandes centros, o problema existia, mas o assunto era pouco abordado.
Durante os quatro anos de curso, estudamos várias “curvas” de crescimento de crianças desnutridas. A multimistura (composto cujo objetivo era fornecer uma quantidade de nutrientes que atendesse em parte às necessidades nutricionais de crianças desnutridas e gestantes que não tinham o que comer) era distribuída, principalmente, pela Pastoral da Criança. Havia políticas públicas de combate à fome, mas nada muito efetivo e que fizesse a diferença na vida dessas pessoas. Enquanto estudava, trabalhava na prefeitura da capital paulista como professora substituta em uma Emei no Jardim Damasceno (zona norte). Em minha função, acompanhava a alimentação das crianças e notava que, para muitas delas, as refeições na escola eram as únicas realizadas no dia e, quase sem querer, associava o que eu via com o que eu estudava sobre desnutrição.
Após a formatura, deixei a área de educação e fui trabalhar em um hospital. Passei muitos anos às voltas com a nutrição hospitalar; ao sair, exerci a nutrição escolar e por último a alimentação coletiva. Enquanto isso, a situação de fome no país foi melhorando.
Em 2010, iniciei minha carreira no Sesc na unidade Carmo com quase 5 mil refeições diárias. Após três anos trabalhando no setor de alimentação, fui convidada para assumir a coordenação do Mesa Brasil na unidade do Sesc Carmo, primeiro a ser iniciado no país.
Administrar o programa que atendia quase 25 mil pessoas mensalmente, em princípio, me assustou. As visitas às instituições que atendiam pessoas em situação de vulnerabilidade social fizeram com que eu me despisse de certos preconceitos e passasse a aceitar que cada um tem sua história. Minha empatia pelos assistidos aumentou e a admiração pelas pessoas que faziam a diferença na vida deles, também.
Depois de um ano e meio no Sesc Carmo, novo desafio: trabalhar no Centro de Captação e Armazenagem Mesa Brasil – Cecam – para compor a equipe de captação e auxiliar na distribuição da doação dos alimentos que seriam recebidos em grandes quantidades. Novo frio na barriga. Novas responsabilidades.
Nesses cinco anos de Cecam, muitas situações diferentes aconteceram. Contudo, neste momento, estamos enfrentando a condição mais adversa pela qual já passamos: atuar em meio à pandemia, com nossas equipes distribuindo alimentos para as instituições sociais que permaneceram abertas na quarentena e para milhares de famílias. Produtos de higiene, limpeza e descartáveis também estão sendo entregues. O enfrentamento é diário. As equipes, nas ruas, no Cecam ou em trabalho remoto estão se dedicando ao máximo para atingir o maior objetivo do programa, que é o combate à fome.
Posso dizer que ainda ecoa a voz do professor e o que escutei 26 anos atrás, porém, com um sentimento diferente do anterior. Agora, a sensação predominante é a de que mesmo sendo um profissional nutricionista em um país em que as pessoas voltaram a passar fome, com a mobilização de vários setores da sociedade, é possível fazer a diferença.