Postado em 29/09/2020
DIFERENTES CENÁRIOS E NECESSIDADES DETERMINAM
A MORADIA DE PESSOAS IDOSAS NO PAÍS
Durante a pandemia, diversas demandas da sociedade vieram à tona. Entre elas, a questão da moradia de pessoas idosas. Um segmento da população brasileira que tende a dobrar nas próximas décadas, segundo estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e que ainda é invisibilizado. Categorizados como parte do “grupo de risco” no início das medidas de restrição para contenção da Covid-19, os idosos vêm sofrendo diferentes tipos de violência, principalmente, no ambiente doméstico (leia matéria da Revista E de junho), um espaço que, assim como outras opções de residência, precisa ser analisado. A Pesquisa Idosos no Brasil: 2ª Edição, realizada pelo Sesc São Paulo e Fundação Perseu Abramo e divulgada em agosto, traz dados sobre esse cenário.
Sobre a questão da moradia, a pesquisa aponta que 17% dos idosos do Brasil moram sozinhos. Portanto, “há que se pensar em políticas públicas para essa parcela que mora sozinha”, disse a cientista social Vilma Bokany, coordenadora do Núcleo de Estudos e Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo, no Sesc Ideias Pesquisa Idosos no Brasil: 2ª. Edição – O Que Mudou nos Últimos 14 Anos (leia O que os idosos querem?).
“Durante a pandemia a gente viu o quanto de preconceito existe em torno disso. Pessoas dizendo: ‘Vai para casa, velho’. Mas, muitas vezes, são eles as próprias pessoas que respondem às suas necessidades, como ir ao mercado ou à farmácia. Não tem outra pessoa que possa fazer isso por ele. E tem, além desse fator do dia a dia, o fator da solidão, que pesa muito”, destacou Bokany.
Essa questão, segundo a psicóloga e pesquisadora Rachel Moreno, que também fez parte da pesquisa e esteve no debate do Sesc Ideias, é um problema muito sério nessa idade. “Teve o relato de uma mulher [para a Pesquisa Idosos no Brasil: 2ª. Edição] que ficou marcado para mim. Todas as entrevistas levaram cerca de duas horas e a dela foi das 14h às 18h. Ela me disse: ‘Que bom que eu conversei hoje, porque de manhã, eu ligo para minha filha, bem rápido, porque ela tem muitas tarefas, e o resto do dia, mesmo morando com meu filho, quando ele chega em casa, ele passa por mim e se tranca no quarto. Então, no fim do dia, sem falar com ninguém, fico procurando as palavras para ver se eu me lembro e se eu consigo formar uma frase completa”, relatou a psicóloga.
Há também aqueles que moram com outra pessoa, correspondendo a 33% do total de idosos. Mas aqueles que moram com parentes superam em número e representam 50%. Para a economista Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), há dois tipos de movimentos neste âmbito.
“Há aqueles idosos que moram sozinhos, que são principalmente mulheres por conta da viuvez e da dificuldade com o recasamento. E há famílias de três gerações – idosos, filhos e netos – que moram juntos, e isso tem a ver com a dificuldade dos jovens de terem uma relação estável no mercado de trabalho e mesmo nas relações afetivas. Por isso, em 20% desses domicílios, a renda do idoso corresponde a 50% da renda familiar”, aponta a economista do Ipea. Ou seja, nesse caso, para além do teto, os idosos são responsáveis por metade do orçamento da casa. O que não necessariamente implica uma residência onde os mais velhos consideram-se respeitados e cuidados, uma vez que 14% do total de idosos brasileiros se sentem mais ou menos acolhidos pela família, 6% se sentem pouco acolhidos, e 1% se considera um peso.
Outra opção de moradia ainda é vista com preconceito: a Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI). O termo substituiu o nome “asilo” em 2005 e foi cunhado pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Doutora em Serviço Social, membro da SBGG, e pesquisadora nas áreas de envelhecimento e políticas sociais, Áurea Barroso explica que a visão negativa sobre esses espaços é histórica: “A memória do atendimento asilar iniciado no Brasil no final do século 19, com propósito caritativo, destinado à população sem recursos para assegurar a sua sobrevivência e que não contava com apoio de seus familiares, ainda está presente no imaginário social”.
Fortalecem o preconceito, segundo a especialista, os nomes das instituições que prestam esse serviço. “Por exemplo, o Asilo de Mendicidade, inaugurado em 1879 no Rio de Janeiro. Mas ainda hoje encontramos nomes como: Asilo dos Abandonados, Asilo dos Inválidos, entre outros. A palavra asilo compreende um espaço de abrigo ou refúgio, traz a ideia de segregação. E, infelizmente, em pleno século 21, milhares de pessoas idosas continuam vivendo entre muros”, observa.
Ainda assim, Áurea Barroso, que também atua na Coordenação Nacional da Pastoral da Pessoa Idosa (CNBB), garante que o papel das ILPIs é imprescindível para pessoas idosas que neles podem ser mais bem atendidas. “Por exemplo, quando o idoso é dependente funcional, perdeu as habilidades físicas e mentais e não tem vínculos afetivos com pessoas próximas ou familiares. Quando ele não conta com o suporte de cuidadores, um desafio ainda a ser enfrentado pelas políticas públicas. Assim, diante da impossibilidade de cuidar de si e não ter possibilidade de contar com o apoio de cuidadores formais e informais, o atendimento prestado em uma ILPI passa ser uma alternativa em defesa da vida”, pondera.
No entanto, de acordo com Áurea Barroso, há um número insignificante de ILPIs públicas no Brasil (menos de 7%), “e pouco repasse de verbas públicas às entidades filantrópicas (a grande maioria), conforme mostram estudos realizados pelo Ipea e MDS (Ministério do Desenvolvimento Social)”. Como alternativa, há condomínios, repúblicas e vilas. Enquanto as instituições privadas atendem a uma ínfima parcela da população com condições financeiras, iniciativas municipais ou estaduais – tendo em vista a falta de programas nacionais do tipo — ainda são disputadíssimas.
Afinal, qual deveria ser o lugar ideal para a moradia de idosos e idosas? Essa resposta, segundo Barroso, precisa considerar a necessidade de compreensão desse segmento na sua totalidade. “Levando em conta aspectos emocionais, sua história de vida, seus valores e desejos”, complementa. Para a economista Ana Amélia Camarano, não há um modelo único como resposta. “Somos seres singulares e os idosos são distintos uns dos outros. O modelo ideal é aquele que atende às expectativas de cada um”, assinala.
PROGRAMAÇÃO DA QUARTA EDIÇÃO DA MOSTRA SENTIDOS LEVA EXPRESSÕES ARTÍSTICAS AO AMBIENTE ONLINE
Em celebração ao Dia Internacional do Idoso, estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) e comemorado em 1º de outubro, o Sesc São Paulo dá início à programação da Mostra Sentidos – A Longevidade na Arte. Nesta quarta edição, a mostra reúne processos artísticos virtuais de teatro e de dança com participantes do Programa Trabalho Social com Idosos do Sesc São Paulo.
“Esta edição, em tempos de importante distanciamento social, fomenta e potencializa a experimentação nos processos artísticos protagonizados pelas pessoas idosas, explorando as novas possibilidades dos ambientes virtuais”, explica Gabriel Alarcon Madureira, assistente técnico da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo. Neste ano, o público poderá acompanhar toda a programação pelas redes sociais (Instagram e Facebook) e pelo portal do Sesc São Paulo: www.sescsp.org.br/mostrasentidos.
PESQUISA APONTA SITUAÇÃO, CARÊNCIAS E DESAFIOS DESTE CRESCENTE SEGMENTO DA SOCIEDADE
Realizada pelo Sesc São Paulo, em parceria com a Fundação Perseu Abramo, a segunda edição da Pesquisa Idosos no Brasil apresenta respostas de velhos e jovens e investiga componentes do imaginário social brasileiro sobre a velhice. A partir dessa iniciativa pioneira, os resultados representam subsídios para pesquisadores, especialistas e outros profissionais em debates sobre políticas públicas e ações socioculturais para os mais de 28 milhões de idosos e idosas no país, segundo últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A pesquisa foi realizada no período de janeiro a março de 2020 e entrevistou idosos e não idosos. Esta edição e a primeira, de 2006, podem ser comparadas e oferecem um recorte no tempo sobre o envelhecimento: perfil sociodemográfico, identidade e autoimagem do idoso, preocupação com a morte, estatuto do idoso e direitos, educação, saúde, relações familiares e laços afetivos, instituições de longa permanência, violência, desrespeito e maltrato ao idoso, trabalho remunerado e renda, e reforma da previdência/aposentadoria. Confira os resultados da Pesquisa Idosos no Brasil: 2ª edição: www.sescsp.org.br/tsi
Assista à live Pesquisa Idosos no Brasil: 2ª edição – O Que Mudou nos Últimos 14 Anos no Sesc Ideias, com a cientista social Vilma Bokany, doutoranda em Sociologia (PUC-SP) e pesquisadora sobre o tema preconceito, discriminação e intolerância em São Paulo, e a psicóloga Rachel Moreno, mestre em Meio Ambiente e Sociedade (Fesp-SP) e mediação e apresentação da socióloga Ioná Damiana de Souza, assistente da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc no canal do YouTube do Sesc São Paulo.