Postado em 30/10/2020
Dentro de casa por mais de seis meses, tivemos que nos ajustar e reorganizar espaço e tempo para tarefas, trabalho e lazer entre quatro paredes. Sentimos falta de conviver com amigos e parentes, mas também de frequentar locais a céu aberto. De fitar um passarinho ou sentir o vento no rosto e pisar os pés na terra molhada. Hoje, sem abandonar os cuidados necessários para evitar a contaminação pelo coronavírus, podemos, aos poucos, sair de casa e reaprender a habitar o mundo lá fora. Afinal, visitar espaços ao ar livre e arborizados, como parques e praças, promove inúmeros benefícios físicos e mentais para todas as idades (leia Entrevista com o médico psiquiatra da Universidade de São Paulo André Brunoni). Nesses lugares, voltamos a conviver uns com os outros e a nos expressar pela brincadeira, pela prática esportiva e pela arte.
Para a coordenadora do projeto Criança e Natureza, Laís Fleury, do Instituto Alana — organização sem fins lucrativos que promove o direito e o desenvolvimento integral da criança —, a experiência da pandemia provocada pela Covid-19 trouxe muitas reflexões e uma forte percepção da falta que sentimos do contato com o espaço aberto e a natureza. “Logo após a flexibilização do isolamento social, foi notável a busca das pessoas pelos benefícios dos espaços livres, onde se pode ter algum tipo de convívio social com mais segurança, ressaltando a importância dos parques, praças e outros espaços públicos urbanos”, observa. Afinal, destaca Fleury, “a natureza é mais do que algo que promove bem-estar, ela é uma necessidade”.
“Estudos recentes apontam que ambientes ricos em natureza, incluindo praças, parques e espaços livres para o brincar, ajudam na promoção da saúde física, mental e no desenvolvimento de habilidades cognitivas, sociais, motoras e emocionais das crianças”, explica. Dessa forma, locais com árvores, flores e outros tipos de vegetação são espaços de saúde que possibilitam a brincadeira, a convivência social e a interação com a natureza, “onde as crianças se exercitam, se desenvolvem e criam uma relação afetiva com a cidade”, complementa.
Para os adultos também é essencial a “vitamina N de Natureza”, termo cunhado pelo pesquisador norte-americano Richard Louv, autor de livros sobre o conceito de Transtorno de Déficit de Natureza. No Japão, por exemplo, faz parte da rotina o “banho de floresta”, em japonês, “Shinrin-yoku”, termo criado pelo ministro da Agricultura, Floresta e Pesca em 1982.
Os estudos dos efeitos fisiológicos desse hábito foram conduzidos por um grupo de pesquisadores da Universidade de Chiba e publicados no periódico Environmental Health and Preventive Medicine, em 2010. Entre eles, estão: a diminuição da pressão arterial e a redução dos níveis de cortisol (hormônio do estresse) no sangue. Da mesma forma, em uma grande cidade como São Paulo, incorporar esse contato com locais arborizados traria ótimos resultados à saúde física e mental.
Poder contemplar a natureza ou interagir nesses ambientes a céu aberto se somam a outro tipo de experimentação. Dessa vez, da arte. Ruas, empenas de prédios, praças e tantos outros espaços públicos transformaram-se em telas e suportes para a criação e fruição artística. Quando museus e galerias fecharam as portas — ou mesmo agora, enquanto o retorno é gradual —, iniciativas ocupam o mundo lá fora.
Esse foi o caso do Museu de Arte Moderna (MAM), que, em uma ação chamada MAM na Cidade, realizada em agosto, distribuiu painéis de reproduções de obras artísticas em 140 pontos de ônibus da cidade, também projetadas em empenas de prédios no centro da capital paulista. Aos passantes, não só o concreto dos mobiliários urbanos, mas os traços da pintora Tarsila do Amaral (1886-1973), o olhar da fotógrafa Maureen Bisilliat (leia Depoimento publicado na Revista E) e a criação de outros 14 artistas cujas obras fazem parte do acervo do museu. Uma forma de experimentar e refletir sobre a arte a partir de uma nova dinâmica social, disse à imprensa, na ocasião, o curador do MAM, Cauê Alves.
Para além das artes visuais, a dança também encontrou outro “palco” em espaços abertos. Depois de seis meses na plataforma de videochamada Zoom, o bailarino pernambucano Ângelo Madureira, que realiza há mais de 20 anos em São Paulo um trabalho e metodologia baseados em danças populares, pensou com seus alunos numa estratégia para os encontros presenciais. Algo que só seria possível se feito de maneira segura para todos. Em setembro, tiveram a ideia de se reunirem uma vez por semana em uma praça.
“A dança vem salvando as pessoas nessa pandemia. Não precisa ser bailarino. É de extrema importância as pessoas terem acesso à dança e ao dançar, não como mera preservação da dança (como linguagem artística), mas também para o corpo”, explica o bailarino. “Foi boa a experiência com a tecnologia, não acho que ela deva terminar, mas agora que podemos nos reencontrar com todo o cuidado, claro, temos outro tipo de troca.”
Com o nome de Encontros Dançantes nas Praças, o projeto tem “a simplicidade potente do encontro para dançarmos juntos”, define. Tem cachorro latindo ao fundo, enquanto na caixa de som músicas populares e do mundo reverberam nos passos de um grupo pequeno de alunos que pisam a terra vermelha. A dois metros de distância e de máscara, todos seguem as orientações de Madureira para se observarem, se movimentarem e se apropriarem de seus corpos e movimentos espontâneos.
“Vejo nos olhos que estão sorrindo. Ou seja, essa relação com a natureza, aos sábados, está nutrindo o grupo e energizando nossa semana”, celebra o bailarino, cocriador do Grupo Ângelo Madureira e Ana Catarina Vieira, que apresentou o espetáculo Outras Formas pelo Dança #EmCasaComSesc no canal do YouTube do Sesc São Paulo.
Longe de holofotes cerrados entre quatro paredes, as artes visuais, a dança e outras linguagens se ocupam de lugares abertos como forma de existir e de inspirar pessoas de todas as idades. “Dançar, cantar, fazer poesia, se encontrar para contar histórias, tocar um instrumento… A arte faz parte do processo evolutivo do ser humano. Por isso é tão importante encontrarmos estratégias para nos encontrar”, assinala Madureira.
ADAPTAR AÇÕES PARA AMBIENTES EXTERNOS ESTIMULA A CRIATIVIDADE E PROPORCIONA NOVAS INTERAÇÕES
Ajustar nosso olhar sobre outras formas de experimentar áreas públicas arborizadas do bairro se tornou imprescindível no atual contexto. Agora, é preciso libertar a criatividade e adaptar atividades costumeiramente realizadas em ambientes fechados. Vale montar um clube do livro na praça, contemplar uma intervenção artística numa parada de ônibus ou assistir a uma apresentação de balé nas ruas. Confira algumas iniciativas e sugestões para se inspirar.
Iniciativa da bailarina japonesa Chisato Katsura, que faz parte do Royal Ballet da Royal Opera House em Londres, o projeto DistDancing levou aos moradores da cidade apresentações de balé clássico e contemporâneo de julho a setembro. As performances eram anunciadas no dia, pelo perfil do Instagram, para evitar aglomerações. Para Katsura, transformar a rua em palco foi a forma que ela e outros bailarinos encontraram de se apresentar e de levar a dança para um público que nunca foi ao teatro ou teve contato com o balé.
Que tal reunir seu grupo de leitura à sombra de uma árvore? O encontro pode ser marcado numa praça e convidar cada participante a trazer seu livro, o próprio tapete e a vontade de compartilhar suas ideias acerca da obra literária escolhida para imersão do mês. Com todas as medidas e cuidados necessários, uma grande roda é formada para que todos compartilhem presencialmente suas opiniões sobre personagens e narrativas com os pés na grama.
Vídeos projetados em empenas de prédios, poesias pintadas em asfaltos, obras de arte em pontos de ônibus. Artistas vêm encontrando outros suportes para se expressarem e alcançarem o público neste momento. Por exemplo, no final de outubro, durante a Virada Sustentável, o artista Felipe Morozini levantou a reflexão sobre a necessidade de espaços verdes em grandes cidades e a preservação dos biomas brasileiros. Na ocupação urbana Eu Era Outra Selva, o artista distribuiu 180 guarda-sóis com estampas de árvores e três balões infláveis (pássaro, mico-leão-dourado e lobo-guará) ao longo do Minhocão, no Centro da capital paulista.
Protocolos estabelecidos pelos órgãos públicos a partir das diretrizes da Organização Mundial da Saúde - OMS
TOMAR SOL E ANDAR EM MEIO À NA NATUREZA JÁ É POSSÍVEL COM A ABERTURA GRADUAL DE ESPAÇOS DE LAZER
O processo de retomada de atividades presenciais do Sesc São Paulo segue tanto o Plano São Paulo, estabelecido pelo governo estadual, como as determinações das prefeituras municipais. As visitas espontâneas às unidades continuam suspensas, à exceção de Itaquera e Interlagos. Neste momento, o Sesac Itaquera e o Interlagos funcionam de quarta a sexta, das 10h às 16h, com capacidade limitada.
O Sesc mantém áreas verdes em suas unidades com várias características e tamanhos; em Bertioga, Interlagos e Itaquera estão as maiores do estado. Em meio a quintais, jardins, canteiros, bosques e praças, são desenvolvidas diversas atividades, dentre as quais o Florestar: áreas verdes educadoras. “A intenção é estimular o contato com a natureza e provocar a percepção das pessoas do quão importante é a existência desses espaços, dentro de casa, na rua, no bairro e na cidade”, afirma Denise Minichelli Marçon, assistente da Gerência de Educação para a Sustentabilidade e Cidadania do Sesc.
Nas unidades Itaquera e Interlagos, por enquanto, estão disponíveis somente as áreas verdes para práticas como corrida, caminhada e banho de sol. É preciso manter o distanciamento físico e a entrada só será permitida com o uso de máscara e após a aferição da temperatura corporal. Antes de ir, consulte as unidades. Mais informações nas redes sociais e no portal do Sesc São Paulo: www.sescsp.org.br.