Postado em 31/12/2020
Para uma pessoa, dez anos pode parecer muito tempo, mas e para o mundo todo? Aí a coisa muda de figura, certo?
Pois bem, o mundo tem apenas a próxima década para atingir algumas metas bem desafiadoras: erradicar a pobreza e a fome, prover água potável, saneamento e energia limpa, proporcionar educação, saúde e bem-estar para todos os habitantes do planeta. Esses são alguns dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e assumidos pelo Brasil e por outros 192 países. Uma lista de tarefas a ser cumprida “pelos governos, sociedade civil, setor privado e todos os cidadãos na jornada coletiva para um 2030 sustentável”, registra a ONU. Dentre esses objetivos, encontra-se a importância das cidades sustentáveis, das quais edificações públicas em consonância com os cuidados com o ambiente e seus usuários devem fazer parte.
“A gente pode ter uma cidade com transporte coletivo, usos mistos, mas os edifícios não serem inteligentes, serem aquecidos com energia vinda do petróleo, por exemplo. E vice-versa: ter edifícios totalmente sustentáveis, com reúso de água, geração própria de energia, neutros em carbono, mas, se as pessoas precisam se deslocar três horas de carro para chegar à cidade, ela não é sustentável”, exemplifica o urbanista Renato Cymbalista, pesquisador e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e diretor-presidente do Instituto Pólis – organização não governamental que desenvolve estudos a respeito de cidades sustentáveis e democráticas.
Ainda que a legislação brasileira careça de avanços e aprofundamentos para atingir a meta de cidades sustentáveis, prédios contemporâneos têm, cada vez mais, incorporado mudanças em busca de escolhas que priorizem tanto a sustentabilidade quanto a acessibilidade, principalmente nas metrópoles.
Afinal, o que são os chamados “prédios verdes”? Para começar, são vários os aspectos que definem esse tipo de espaço. O arquiteto e urbanista Rafael Lazzarini destaca, por exemplo, a redução de impactos no meio ambiente e no entorno onde o edifício é erguido. Também é levada em conta a preocupação com quem irá ocupá-lo ou frequentá-lo. “Outros fatores são: localização do prédio, acesso de seus usuários ao transporte público e serviços locais, aspectos que geram menos impacto ambiental; necessidade de minimizar os impactos da obra, como a saída de sedimentos, poeira, e outras questões associadas aos materiais de construção. Somam-se ainda eficiência energética e hídrica, sendo que, neste último caso, deve haver um sistema de economia, captação e reaproveitamento de água. O prédio também precisa oferecer conforto acústico e térmico para a saúde e produtividade de seus ocupantes”, explica Lazzarini, especialista em sustentabilidade na construção civil e certificações Green Building.
Nesse cenário, há apenas 14 anos o conceito de sustentabilidade saiu do papel para ser incorporado por construções que visavam a certificações na área. “É de 2006 o primeiro registro de um prédio buscando certificação”, ressalta. Atualmente, o Brasil ocupa o quinto lugar em número de certificações de sustentabilidade LEED, atrás de países como Estados Unidos, China, Índia e Canadá. No país, São Paulo sai na frente.
“As certificações vieram por uma demanda de mercado por prédios sustentáveis, mais do que por uma exigência e incentivo do poder público em termos de beneficiar essas práticas com incentivos fiscais”, explica Lazzarini, que é diretor da Unidade Sustentabilidade do Centro de Tecnologia em Edificações (CTE). Entre as diversas certificações, o especialista explica que o Procel Edifica virou obrigatório para edifícios públicos, mas é voltado apenas para a questão energética. “Enquanto o LEED e o AQUA respondem a vários aspectos importantes, no entanto, são voluntários. Ou seja, não surgiram por uma questão de legislação e sim por uma questão de mercado, para evitar o greenwash, o ato de ‘pintar de verde por fora’, algo que acontecia”, conta.
Por enquanto, não há obrigações legais que demandem construções sustentáveis. Mas esse contexto poderia mudar, acredita Lazzarini, “se houvesse uma legislação e um aumento de incentivos públicos, além de uma percepção do usuário em relação aos benefícios desse tipo de obra – tanto para o meio ambiente quanto para a saúde, bem-estar e produtividade”, acrescenta.
Início da estação de tratamento do Centro de Férias em Bertioga. A unidade foi inaugurado em 1948 e ocupa uma área de aproximadamente 450 mil m², além de outros terrenos que possuem área de mata atlântica conservada e que no total somam cerca de 2 milhões de metros quadrados, todas localizadas entre o mar e o Parque Estadual da Serra do Mar, formando um importante corredor biológico.
Na época da inauguração do Sesc Itaquera, na Zona Leste de São Paulo, a região carecia de infraestrutura básica e a unidade teria disponível a vazão de água potável igual à de uma residência. No entanto, o projeto previa, em seus aproximados 40 mil m² de área construída, um parque aquático. Para diminuir a quantidade de água utilizada, foram instaladas torneiras com arejadores e com vazão controlada; chuveiros com temperatura pré-ajustada e acionados por válvulas no piso; caixas acopladas de vazão reduzida para os vasos sanitários. Resultado: diminuição de cerca de 65% do consumo de água.
No Sesc Vila Mariana, o excedente do calor dos sistemas de ar condicionado central passou a ser utilizado para o aquecimento da água da piscina. Com isso, quando o sistema de ar condicionado é mais exigido, ocorre a autossuficiência desse processo em relação ao consumo de energia elétrica.
Inauguração do Sesc Araraquara, primeira unidade a utilizar o sistema de aquecimento de água por energia solar.
As unidades do Sesc passam a adotar o reúso de água pluvial e de drenagem para utilização nas válvulas de descarga dos vasos e mictórios, nas torneiras das áreas externas e da garagem, nas torres de resfriamento do sistema de ar condicionado e também na irrigação dos jardins. A mesma medida começa a ser adotada em novos projetos.
Inauguração do Sesc Sorocaba, primeira unidade certificada pelo Sistema LEED, na categoria Gold. Entre os critérios observados estão: a escolha do terreno, a eficiência de utilização da água e da energia, a qualidade do ambiente interno, processo e inovações do projeto. Destaque para o sistema de tratamento de águas pluviais, que, por meio do escoamento em tanques, com plantas aquáticas e peixes, permite a filtração necessária ao reúso nas descargas, lavagem de pisos e irrigação. Há ainda a interligação da ciclofaixa municipal às áreas de paraciclo da unidade.
Sesc Birigui recebe a certificação LEED, selo Gold, e Procel Edifica.
Sesc Avenida Paulista recebe a certificação LEED, selo Silver, e Procel Edifica.
Inaugurado o Sesc Guarulhos, primeira unidade onde todo o esgoto gerado passa por um processo interno, em estação de tratamento. Depois disso, ele segue para a rede pública de coleta, facilitando o tratamento final. A água da chuva é captada no teto do edifício e, após tratamento, é utilizada no sistema de irrigação dos jardins, nos vasos sanitários e mictórios. Para colaborar com a absorção de água no terreno, foram instalados “jardins de chuva” que reduzem o volume enviado ao sistema público de coleta de água pluvial.
O Sesc 24 de Maio recebeu o prêmio International Urban Project Award (IUPA) 2020. Projeto de Paulo Mendes Rocha e do escritório MMBB Arquitetos, a unidade é reconhecida pelo seu desenho e pela importância da atuação no Centro da capital paulista. O projeto da futura Central de Compostagem do Sesc Bertioga ficou em primeiro lugar no prêmio Instituto Brasileiro da Madeira e das Estruturas de Madeira (Ibramem) de Arquitetura em Madeira 2020, na categoria Profissional – Projetos. O projeto foi realizado pelo escritório NPC Grupo de Arquitetura.
As unidades em construção em Franca e Marília estão sendo planejadas seguindo as exigências para obtenção do selo LEED. Outras novas unidades em fase de projeto também estão sendo habilitadas para receber a certificação: Sesc Parque Dom Pedro II e Sesc Limeira (LEED); Sesc Osasco (já recebeu o certificado para a etapa de projeto), Sesc São Bernardo do Campo e Sesc Pirituba (AQUA-HQE).
SUSTENTABILIDADE ENGLOBA DESDE PROJETO, CONSTRUÇÃO E ADAPTAÇÃO DOS EDIFÍCIOS ATÉ AÇÕES EDUCATIVAS
Antes mesmo dos primeiros sistemas internacionais de certificação e da criação de selos nacionais, o Sesc São Paulo já se preocupava com a adaptação e construção de suas unidades na capital, litoral e interior do estado, visando à acessibilidade universal, bem como à redução de consumo de água e de energia elétrica. A sustentabilidade deve ser entendida em suas três dimensões: ambiental, social e econômica.
E, como ação transversal, ela precisa estar presente nas ações programáticas, no consumo de bens e serviços, nos processos, nas práticas das equipes e na manutenção e expansão da rede física da instituição.
No que se refere à arquitetura e à engenharia nas obras de construção e reforma, nos trabalhos de conservação e manutenção das unidades, o conceito de arquitetura de baixo impacto ambiental leva em consideração toda uma cadeia. Começa na manufatura básica até as condições de transporte, passando pelos resíduos decorrentes dos processos de aplicação e seu destino, e pelas condições que vão envolver eventuais reformas e até mesmo uma demolição.
“Todas as ações desenvolvidas com as certificações, como a escolha de materiais perenes e de baixo custo de manutenção, além de sistemas racionais para o uso de energia, água e gás, nos permitem pensar principalmente em uma operação eficiente da futura unidade. Importante ressaltar o consequente caráter sustentável na operação, sendo ainda maior período do ciclo de uma edificação”, explica Marcelo Fanchini, gerente da Gerência de Engenharia e Infraestrutura do Sesc São Paulo.
Desde 2012, todas as novas unidades do Sesc São Paulo tiveram seus projetos desenvolvidos com o apoio de consultoria para certificação ambiental (LEED ou AQUA) e de eficiência energética (Procel Edifica). No entanto, a sustentabilidade nas edificações do Sesc não está restrita aos sistemas prediais implantados. Ela também está no desenho da paisagem, nas áreas verdes cultivadas e preservadas, a exemplo do que ocorre na unidade do Sesc Interlagos, inaugurada em 1975, privilegiando espécies nativas e promovendo a restauração do bioma, bem como a qualidade do ambiente local, com programas de gestão de resíduos, a exemplo do Lixo: Menos é Mais, e nas ações educativas com o público.
“Entendemos nossas instalações como espaços educadores, isto é, estruturados para servirem como modelos de sustentabilidade, pela relação equilibrada com o ambiente, com a comunidade, e pela busca da qualidade de vida”, explica o engenheiro Luciano Ranieri, consultor da Assessoria Técnica de Planejamento (ATP) do Sesc São Paulo.
Saiba mais no portal do Sesc São Paulo: www.sescsp.org.br.
Os empreendimentos que buscam o sistema internacional de certificação Leadership in Energy and Environmental Design são avaliados nas categorias Localização e Transporte, Terrenos Sustentáveis, Eficiência Hídrica, Energia e Atmosfera, Materiais e Recursos, entre outras. Para isso, os proponentes são analisados por oito dimensões: todas possuem pré-requisitos (práticas obrigatórias) e créditos (recomendações) que, à medida que forem atendidos, garantem pontos. O nível da certificação (Certified, Silver, Gold e Platinum) é definido conforme a quantidade de pontos adquiridos.
O Processo
AQUA-HQE (Alta Qualidade Ambiental) é uma certificação internacional da construção sustentável. Além do estabelecimento de um sistema de gestão específico para o empreendimento, o empreendedor deve realizar a avaliação da qualidade ambiental do edifício em pelo menos três fases (construção nova e renovações): Pré-Projeto, Projeto e Execução; e na fase pré-projeto da Operação e Uso e fases Operação e Uso periódicos (edifício em operação e uso).
O Programa Nacional de Eficiência Energética em Edificações foi instituído em 2003 pela Eletrobras/Procel e atua de forma conjunta com o Ministério de Minas e Energia, o Ministério das Cidades, as universidades, os centros de pesquisa e entidades das áreas governamental, tecnológica, econômica e de desenvolvimento, além do setor da construção civil. O Procel promove o uso racional da energia elétrica em edificações desde sua fundação, com o objetivo de incentivar a conservação e o uso eficiente dos recursos naturais (água, luz, ventilação etc.) nas edificações, reduzindo os desperdícios e os impactos sobre o ambiente.