Postado em 31/01/2021
"Talento, inteligência e sensibilidade.” É com essas qualidades que a socióloga, antropóloga e crítica de arte Lélia Coelho Frota é descrita pelo poeta Ferreira Gullar, em coluna no jornal Folha de S.Paulo, em 24 de março de 2013. O elogio registrado no diário resume bem o carinho e o reconhecimento recebidos pela pesquisadora que também era poeta.
Por sua vez, Lélia dispensava atenção e deferência aos realizadores, às manifestações artísticas e “culturas populares”. Assim mesmo,“sempre no plural”, para destacar a variedade, de acordo com a professora e pesquisadora do Programa de Arte e Cultura Visual da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (UFG) Leda Guimarães.
Lélia nasceu em 1938 na cidade do Rio de Janeiro e foi autora de livros basilares para a crítica, conhecedora profunda de artistas populares de matizes e materiais diversos. Pesquisadora incansável, afirmava que o artista tinha que ser investigado em seu ambiente e pela sua vivência. Isso se aplicava não apenas aos expoentes do interior do Brasil, em grande parte catalogados por ela em 2005 no Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro – Século 20, mas, também, do circuito urbano das capitais.
Em entrevista de 2009, concedida para o projeto Sempre um Papo por exemplo, citou o grafite como expressão de Arte Pública “fascinante e cada vez mais importante”. Na fala, compara a atenção que os “grafiteiros”, na época, recebiam no exterior, em detrimento do acolhimento nacional.
A capacidade de observar e estabelecer conexões era forte em sua atuação como crítica e na vertente poética. Atuante como gestora em vários órgãos públicos voltados às artes, desempenhou funções como diretora do Instituto Nacional de Folclore da Funarte (Fundação Nacional de Artes), presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e diretora do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. A carreira internacional também foi expressiva: como curadora esteve à frente das representações brasileiras nas Bienais de Veneza em 1978 e 1988 e da mostra Brasil, Arte Popular Hoje, exibida no Grand Palais, em Paris, em 1987.
Em 2002, Lélia compôs o júri de seleção e premiação da 6ª Bienal Naïfs do Brasil, ao lado de Radha Abramo e Antonio do Nascimento.
No currículo, trouxe um olhar aprofundado sobre o perfil contemporâneo da produção brasileira na arte popular, evidenciando “mudanças sociais e hibridismos culturais”, ao ressaltar a “necessidade de contextualização de criadores e produções, geralmente vistos como anônimos, anedóticos, estáticos, a-históricos e, acima de tudo, sem conceito”, explica Leda Guimarães.
Na poesia, agregou histórias saborosas e amigos. O desejo de publicação do primeiro livro a aproximou do poeta Carlos Drummond de Andrade, que na década de 1950 trabalhava no Ministério da Educação. A magnitude do escritor não arrefeceu o ímpeto da jovem – prestes a completar 18 anos – em saber sua opinião sobre a coleção de versos fresquinhos, os quais originariam Quinze Poemas (1956), ponto de partida de uma escrita consistente, que não estacionou na fase adolescente.
A paixão pelos versos a acompanhou por toda a sua trajetória pessoal e profissional. Pouco antes de morrer, em 2010, Lélia concebeu a coleção Canto do Bem-te-vi, da Editora Bem-te-vi, reunindo passado e futuro, ao garimpar novos poetas e resgatar nomes da geração dos anos 1960 e 1970.
Ainda na vertente das descobertas, no livro Mitopoética de Nove Artistas Brasileiros (1978) revelou o Mestre Vitalino (1909-1963), pernambucano que deixou sua marca nas esculturas de barro, e Arthur Bispo do Rosário (1911-1988), que ao unir objetos do cotidiano ao bordado quebrou paradigmas entre vida e obra. “Lélia nos ensinou que não podemos posicionar os populares perifericamente à arte hegemônica”, acrescenta Leda. “Cada vez mais, vemos artistas que saem do lugar de ‘narrador’ e instauram suas próprias narrativas.”
Ao iluminar carreiras e apresentar artistas, a produção de Lélia segue influenciando trajetórias, a exemplo da professora adjunta do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Isabela Frade, que atua na cadeira de Cerâmica/Escultura, modalidades caras a Lélia. Isabela aponta a potência intelectual “ainda pouco explorada” da pesquisadora, tendo nela sua principal referência para os estudos de artesanato e arte popular, situados em novo patamar.
“Esse estatuto de arte para o trabalho de criação popular se deve primeiro ao crítico Mário Andrade e depois à Lélia”, garante Isabela. Na entrevista, concedida por e-mail, a professora expressa sua alegria ao revisitar os passos da crítica: “Ela merece ser revista e reconhecida”.
“Sobre a mesa o relógio
anuncia meu tempo
que se desfaz em crivo
de aflito pensamento.
De que jardins me evado
de que amores provenho
de que enredo impreciso
se armara o que estou sendo. (...)”
Lélia Coelho Frota, em Poesia Reunida, 1956 a 2006 (Bem-Te-Vi, 2006)
UMA SELEÇÃO DE TEXTOS CRÍTICOS E POÉTICOS
Quinze Poemas
(Editora Pongetti, 1956 – edição esgotada)
Em suas páginas encontramos a estreia de Lélia Coelho Frota na poesia, com capa e ilustrações feitas pelo desenhista e pintor carioca Milton Dacosta, que estudou boa parte da vida no exterior e retornou ao país em 1954. O livro marcou o início da amizade entre a autora e Carlos Drummond de Andrade, procurado por ela enquanto funcionário do Ministério da Educação para opinar sobre seus poemas.
Menino Deitado em Alfa
(Editora Quíron, 1978 – edição esgotada)
Este livro rendeu frutos laureados: o Prêmio Jabuti na categoria poesia e o Prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras, ambos em 1979. A apresentação da publicação original foi feita pelo escritor Luiz Paulo Horta e a introdução pelo jornalista, escritor e amigo mineiro Otto Lara Resende.
Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro – Século 20
(Editora Aeroplano, 2005, encontrado em sebos)
Quando o dicionário foi lançado, Lélia já acumulava 30 anos de pesquisa sobre a produção brasileira. A edição, pioneira em organizar informações sobre 150 criadores da vertente popular, com 444 páginas e bilíngue, divide-se entre verbetes biográficos e temáticos: desde a formação social dos artistas até o significado de festas, arquitetura e espaço, e arte pública.
Poesia reunida
(Editora Bem-Te-Vi, 2006)
Como o nome alude, oportunidade de ler sua obra poética completa, somando mais de 500 páginas, abrangendo os anos de 1956 a 2006. A introdução do volume foi feita pela escritora Heloísa Buarque de Hollanda.
15ª EDIÇÃO DA BIENAL NAÏFS DO BRASIL REÚNE PASSADO E PRESENTE DA MOSTRA
A edição 2020-2021 da Bienal Naïfs do Brasil conta com a curadoria de Ana Avelar e Renata Felinto, que reverenciam Lélia Coelho Frota e também Ana Mae Barbosa, mulheres intelectuais brasileiras que demonstraram em suas pesquisas a preocupação e o cuidado com o entendimento da pessoa artista e de sua produção de forma mais humana e plural. Esta edição reúne obras de 129 artistas de 21 estados do país, além do Distrito Federal. No ambiente virtual, é possível conhecer as obras e catálogos desta e das mostras anteriores. Saiba mais em: www.sescsp.org.br/bienalnaifs.