Postado em 28/02/2021
Venho de uma família com certa tradição nas artes têxteis – minha avó paterna, portuguesa da Ilha da Madeira, bordava e vendia belíssimos enxovais com as técnicas típicas da região onde nasceu. Já minha avó materna trabalhou em fábricas têxteis, costurou o próprio vestido de noiva e gostava de pintar e crochetar panos de prato.
Minha mãe, legítimo exemplo de mulher que trabalha fora desde muito jovem e “não tem jeito para essas coisas”, cresceu afastada do fazer manual e só foi capaz de me ensinar a fazer um pequeno e simples quadrado em tricô, que transformei em uma manta de bonecas não muito bonita. Sem orientação e contato maior com a técnica, esse conhecimento acabou desaparecendo – ou é o que acreditei durante duas décadas.
O ano é 2010.
Com 30 anos recém-completos, comecei a trabalhar no Sesc cuidando da programação de Artes Visuais, minha área de formação e estudo.
Um dia, buscando referências, deparei-me com uma matéria curiosa: ela falava sobre um pequeno mas potente movimento de jovens mulheres que buscava o resgate de técnicas manuais tidas como arcaicas, ultrapassadas ou “coisa de avó”: tricô, crochê, bordado e afins; já não mais em panos de prato ou enxovais e sim em quadros, toy art ou roupas com modelagem atual.
Algumas praticavam desde crianças; outras entraram nesse universo já adultas, encontrando ou formando grupos de estudos ao vivo e através da internet. Impulsionadas pela filosofia punk do “faça-você-mesmo” e por uma maior autonomia perante a massificação do mercado, essas mulheres desafiavam o status quo convidando todas as pessoas interessadas a unirem-se nesse fazer manual.
Esse convite falou tão diretamente comigo que não só voltei a me aventurar nas agulhas e lãs com o apoio dessas jovens incríveis, como imaginei que o Sesc seria um local perfeito para unir pessoas interessadas nas mesmas condições que eu – com muita disposição e pouco conhecimento –, proporcionando esse compartilhamento de saberes tradicionais com uma abordagem contemporânea.
No mesmo ano, sob olhares curiosos e de estranhamento, passamos a oferecer cursos de tricô, bordado, crochê e outras técnicas têxteis junto de nossa programação já tradicional de desenho, gravura, cerâmica, fotografia e outras tecnologias.
Uma das coisas mais incríveis que o Sesc possui, a meu ver, é essa habilidade em unir pessoas em torno da aprendizagem de saberes e fazeres de todo tipo. Uma aprendizagem que começa em nossas salas de oficinas e frequentemente transborda pelos prédios, para as escadarias, os bancos, as mesas das cafeterias e comedorias.
Vi muito disso acontecer: a formação de diversos coletivos artísticos nascidos nessas oficinas; pessoas que entraram completamente cruas em um curso de bordado e tornaram-se artistas relevantes no cenário nacional. Vi nascerem casais, grupos de amigos, clubes e pequenas associações; todos unidos pelo amor ao fazer artístico proporcionado por um ambiente criativo e acolhedor.
E vejo, com alívio e alegria, que mesmo em uma situação de restrição de mobilidade e distanciamento social esses grupos continuam existindo, nascendo e se alimentando através das redes sociais e da internet. Em vez de salas, escadarias e mesas, agora temos vídeos tutoriais, aulas e bate-papos virtuais; até mesmo a criação de mailings focados em compartilhamento de técnicas vem sendo utilizada como forma de contato e parceria.
O ponto de encontro (e de partida) no momento não é físico, mas ele definitivamente não é um ponto final.