Postado em 30/04/2021
Eu não saberia precisar quando foi meu primeiro contato com a dança, além das atividades escolares na infância. Considero “primeiro contato” as experiências que me marcaram. Elas aconteceram por meio do audiovisual, esse grande guarda-chuva onde colocamos os experimentos com imagens em movimento e som.
A primeira foi na faculdade (sou formada em Cinema) com os filmes do período do cinema silencioso. Danse Serpentine (1897), dos Irmãos Lumière, registrava uma coreografia de Loïe Fuller, pioneira da dança moderna. Entr’acte1 (1924), de René Clair, tinha uma sequência marcante onde uma bailarina dançava sobre uma superfície transparente e a câmera filmava de baixo para cima. A segunda experiência aconteceu durante uma oficina de videodança ministrada pelo multiartista belga Thierry De Mey, dentro do Festival Dança em Foco 2010. Por meio do vídeo, mergulhamos no universo de Pina Bausch (1940-2009) e Anne Teresa De Keersmaeker, ícones da dança contemporânea.
A linguagem audiovisual não é estranha para, a dança e vice-versa. Pode-se dizer que uma influencia a gramática da outra: a corporalidade na atuação, as técnicas de suspensão do tempo, entre outras coisas2. Esse duo vem desde os primórdios do cinema, passa pela obra da cineasta norte-americana Maya Deren (1917-1961), que fez a câmera dançar pela primeira vez, segue pelas inúmeras experiências dos filmes musicais, chega aos videoclipes e à videodança em si, que se estabeleceu com sua própria poética e estética.
Quando o mundo entrou neste estado pandêmico, tudo parou e tudo precisou ser (re)inventado. Trabalhar a dança neste contexto do ambiente virtual mediado pelo audiovisual não pareceu ser uma dificuldade. Durante as longas conversas com artistas para construir a programação do projeto #EmCasaComSesc, nunca questionamos se isso seria dança ou não. Partimos do princípio de que era dança. O audiovisual e o virtual não nos eram desconhecidos. Os desafios eram outros. Surgiu uma preocupação com o dançar em casa, na sala, no quarto. Será que o corpo dançante cabe na casa? Mas, dançar em casa também não era exatamente novidade. Para dar um exemplo, a artista Cláudia Müller, com o trabalho Dança Contemporânea em Domicílio3 (2005), entregou dança para muitas pessoas em diferentes locais, inclusive casas.
A questão fundamental que se colocou foi: como construir o encontro entre público e artista? Daí, vieram outras. Como fazer uma experiência diferente da videodança, que se sabe gravada e editada? Como trazer a corporeidade palpável que o presencial proporciona? Como partilhar o “tempo real” simultaneamente? O artista dança, a câmera dança e eu assisto no exato momento em que acontece? E os delays? Os comentários nos chats e os emoticons são suficientes para dar a ideia do estar junto? E se a conexão cair? Agora, a dança também busca formas de estar presente. Artistas presentes. Públicos presentes.
Talita Rebizzi é graduada em Cinema pela Universidade Anhembi Morumbi, curadora e assistente para Dança na Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo.