Postado em 30/05/2021
SUSTENTABILIDADE COMO PREMISSA DE DESENVOLVIMENTO GANHA FORÇA NO SÉCULO 21
Desde meados do século 20, ambientalistas vêm realizando e divulgando estudos sobre os impactos das ações humanas nos ecossistemas e a necessidade de uma relação sustentável com os bens naturais. No entanto, foram necessárias décadas e mais décadas de conferências, acordos internacionais, agendas e, principalmente, uma pandemia para a sociedade como um todo recalcular sua rota de navegação. Em pauta na Cúpula do Clima, realizada virtualmente em abril passado, com a participação dos líderes de 17 países que, com os Estados Unidos, são responsáveis por cerca de 80% das emissões globais de carbono, a urgência de adotar a sustentabilidade como premissa econômica. Na ocasião, o presidente dos EUA, Joe Biden, reforçou a importância de uma economia de emissão zero (leia Entrevista com o cientista Carlos Nobre sobre aquecimento global, nesta edição).
Considerando a dimensão ambiental, a economia do Green New Deal (em português “novo acordo verde”) propõe outro olhar sobre produção, consumo, descarte de bens e serviços. E esse movimento deve se consolidar no mundo, segundo análise de Ricardo Abramovay, professor sênior do Programa de Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo (USP), em debate online realizado pela República do Amanhã – associação sem fins lucrativos voltada a promover discussões sobre os grandes desafios atuais.
“A relação entre sociedade e natureza é uma relação que não faz parte da tradição das ciências sociais e, portanto, quando vem uma proposta como essa do green new deal, é um convite para que a sociedade repense como ela está se relacionando com os serviços ecossistêmicos que sistematicamente o crescimento econômico vem destruindo e dos quais a sociedade depende”, destacou Abramovay, autor de diversos livros, entre eles Amazônia: Por uma Economia do Conhecimento da Natureza (Ed. Elefante/Terceira Via).
Grandes empresas vêm se adaptando, dado o atual quadro de aquecimento global, à necessidade de proteção da biodiversidade e a outras medidas de responsabilidade ambiental. O data center da Apple, por exemplo, em Prineville, é alimentado pelo parque eólico em Oregon, nos EUA, evitando toneladas de emissão de dióxido de carbono. A indústria automobilística também vem demonstrando essa preocupação. No primeiro trimestre deste ano, as vendas de veículos elétricos cresceram 140%, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), graças, principalmente, aos mercados da China, Europa e Estados Unidos. De acordo com a IEA, esse resultado foi impulsionado por normas mais rígidas de emissão de carbono e por subsídios dos governos.
Para a coordenadora do Portfólio de Política Climática do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Marina Marçal, as empresas estão cada vez mais atentas aos indicadores de responsabilidade social corporativa e ESG (Environmental, Social and Governance, em português, Governança Ambiental, Social e Corporativa – os três fatores centrais na medição da sustentabilidade e do impacto social de um investimento em uma empresa ou negócio). Isso acontece “ainda que por cobranças de financiadores, preocupação com a marca ou submissão a leis internacionais de responsabilidade nas cadeias de valor”, observa.
A perda da biodiversidade e as mudanças climáticas estão entre os cinco maiores riscos globais apontados no relatório do Fórum Econômico Mundial em 2020 e 2021. E o Brasil é um protagonista importante desse cenário, por ser detentor da maior diversidade biológica do planeta. Por isso, o setor empresarial brasileiro demonstra expectativas elevadas para a 15ª edição da Conferência das Partes (COP 15) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), prevista para o primeiro semestre deste ano, na China. Nela será definido o Marco Global para a Biodiversidade Pós-2020, composto por metas para conservação e uso sustentável da biodiversidade.
Tais expectativas nortearam o evento Chegando a um Acordo Global Pós-2020 Transformador, o Posicionamento dos Negócios pela Natureza, realizado em abril passado e disponível na internet. Organizado pela Business for Nature (BfN), pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), a International Chamber of Commerce (ICC Brasil), a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), a The Nature Conservancy (TNC) e a WWF-Brasil, o evento contou com a participação de representantes da comunidade empresarial, instituições financeiras e governo. Presidente do CEBDS, associação civil sem fins lucrativos, criada em 1997, a economista Marina Grossi reforçou o empenho do setor privado na direção de um desenvolvimento econômico sustentável.
“Essa conferência de biodiversidade é o equivalente ao que foi, em 2015, o Acordo de Paris [tratado mundial que possui o objetivo de reduzir o aquecimento global]. A gente tem consciência disso, e a Câmara de Biodiversidade, que existe há 20 anos no CEBDS, trabalha arduamente para que a gente mostre metas ambiciosas. O setor privado precisa dar a sua participação nesse assunto”, enfatizou Grossi.
Além de uma nova postura das empresas, é preciso que iniciativas governamentais, e novas ações e comportamentos da sociedade, reforcem o fomento de uma economia ambientalmente responsável, visando ao cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até o ano de 2030. Para isso, a pesquisadora Marina Marçal, mestra em Sociologia e Direito sobre Conflitos Socioambientais, Rurais e Urbanos pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ), observa que é preciso vencer alguns obstáculos.
Em 2015, na Cúpula de Desenvolvimento Sustentável, realizada em Nova York, na sede da Organização das Nações Unidas, os países integrantes definiram 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como parte de uma nova agenda com prazo para 2030. Ela também é conhecida como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Dela fazem parte as seguintes metas: Energia Acessível e Limpa, Consumo e Produção Responsáveis, Ação Contra Mudança Global do Clima, Fome Zero e Agricultura Sustentável, e outros 13 objetivos que também abarcam questões sociais importantes, como erradicação da pobreza e igualdade de gênero.
Ainda neste ano, a prefeitura de São Paulo deve divulgar seu primeiro plano de metas concretas ligadas à Agenda 2030, da ONU. Essa será a primeira vez que a cidade terá um plano formal e especificamente elaborado a fim de traduzir os 17 ODS, com metas incorporadas ao Plano Plurianual (PPA) do município. No entanto, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades – Brasil (IDSC-BR), apresentado em março passado, tanto a capital paulista quanto as outras 25 capitais estaduais ainda têm grandes desafios pela frente a fim de atingir os ODS nos próximos nove anos.
Ao todo, foram coletados e sistematizados dados de 770 municípios brasileiros, incluindo as capitais estaduais, além de cidades de todas as regiões metropolitanas e biomas do país, levando em conta 88 indicadores de gestão relacionados aos diversos temas abordados pelos 17 ODS. Esse estudo inédito, realizado antes da pandemia, foi desenvolvido pelo Programa Cidades Sustentáveis (PCS), em parceria com a Sustainable Development Solutions Network (SDSN), uma iniciativa da ONU para monitorar os ODS em seus países-membros, com apoio do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e financiamento do Projeto CITinova.
“MUITOS ATORES DA NOSSA SOCIEDADE AINDA NÃO COMPREENDERAM QUE É POSSÍVEL USAR DE FORMA SUSTENTÁVEL OS RECURSOS NATURAIS, SEM COMPROMETER O CRESCIMENTO ECONÔMICO DO PAÍS E A QUALIDADE DE VIDA DA POPULAÇÃO.” ALÉM DISSO, MARINA MARÇAL COMPLEMENTA, “ESTÁ FALTANDO UMA MAIOR INTEGRAÇÃO ENTRE ESTADO, INICIATIVA PRIVADA E SOCIEDADE CIVIL PARA UMA VERDADEIRA REVOLUÇÃO VERDE”
Confira como estão os indicadores da Agenda 2030 na cidade de São Paulo: https://idsc-br.sdgindex.org/profiles/sao-paulo-SP
CONHEÇA ALGUNS NEGÓCIOS DE IMPACTO SOCIAL E AMBIENTAL QUE REFORÇAM PRÁTICAS RESPONSÁVEIS
A economia do Green New Deal, além de poder gerar oportunidades econômicas ambientalmente responsáveis, deve também considerar a redução das desigualdades sociais em suas ações, como a criação de empregos verdes, geração de renda e arrecadação tributária, segundo a coordenadora do Portfólio de Política Climática do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Marina Marçal. “Algumas empresas já têm percebido essa oportunidade e estão se interessando mais em ações como essas, que se tornam ainda mais importantes no contexto pós-pandêmico, considerando os mais de 14,4 milhões de desempregados hoje no Brasil”, ressalta. Conheça algumas iniciativas:
Empresas fabricantes, importadoras, distribuidoras e comerciantes de produtos eletrônicos devem disponibilizar pontos de entrega voluntária para que seus consumidores possam descartar o lixo eletrônico da forma adequada. Em resposta à demanda crescente para a coleta e tratamento adequado dos eletroeletrônicos no fim da sua vida útil, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) criou, em 2016, a Green Eletron – Gestora para Logística Reversa de Equipamentos Eletroeletrônicos. O principal objetivo é auxiliar as empresas no atendimento à Política Nacional de Resíduos Sólidos (lei 12.305/2010), a partir de um sistema coletivo para operacionalizar a Logística Reversa. Conheça: www.greeneletron.org.br.
Desde 2009, o Instituto Muda promove práticas sustentáveis nos condomínios residenciais da cidade de São Paulo por meio da Gestão de Resíduos. Atualmente, o instituto destina corretamente mais de 350 toneladas mensais de materiais recicláveis às cooperativas, atendendo não só à legislação, como também promovendo a geração de renda e impacto social positivo em cooperativas de reciclagem para as quais o material é doado. Empresas podem adotar um condomínio, manter a operação de coleta, e as cooperativas emitem os créditos da logística reversa para as empresas patrocinadoras. Saiba mais: https://institutomuda.com.br/empresas
Localizada no bairro República, capital paulista, essa associação sem fins lucrativos promove o acesso a produtos orgânicos a partir de relações comerciais justas com todos os atores da cadeia produtiva, conectando quem produz a quem consome. “O Instituto Feira Livre opta por um formato em que tudo o que estará disponível para compra terá o mesmo preço de venda do produtor”, descreve a associação em sua página na internet. Despesas como aluguel, fretes, salários, impostos e taxas são abertas e expostas ao público, que contribui com um percentual acrescido ao valor final da compra. Confira: www.institutofeiralivre.org.
Em 2019, a ativista climática e jovem embaixadora da ONU Amanda Costa criou a empresa social Perifa Sustentável para democratizar a Agenda 2030 na periferia da cidade de São Paulo. O objetivo dela é levar conhecimento sobre sustentabilidade para a periferia, depois de perceber que seus vizinhos e amigos não faziam ideia do que eram os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e outros temas tão caros do cenário atual. Para isso, a jovem adapta uma linguagem muitas vezes técnica, a fim de levar informação e realizar ações de responsabilidade ambiental adaptadas à realidade de quem mora na periferia. Saiba mais: www.instagram.com/perifasustentavel.
CONSERVAÇÃO DE ECOSSISTEMAS E PROMOÇÃO DO BEM-ESTAR E DA CIDADANIA
Os caminhos da sustentabilidade exigem um empenho urgente para conciliar conservação da natureza e desenvolvimento humano, segundo reflexão feita pelo diretor do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda no Cadernos Cidadania - Lixo: Menos é Mais. Ação e Educação para Sustentabilidade. “Numa empresa ou instituição, tais caminhos passam por alterações nas cadeias de produção e escolhas que vão desde o estabelecimento de condutas cotidianas até a edificação de estruturas adequadas”, escreveu.
O Sesc São Paulo já se dedicava à adaptação e construção de suas unidades na capital, litoral e interior do estado, visando à acessibilidade universal, bem como à redução de consumo de água e de energia elétrica. E, desde 2012, todas as novas unidades tiveram projetos desenvolvidos com o apoio de consultoria para certificação ambiental (LEED ou AQUA) e de eficiência energética (Procel Edifica) (leia matéria Novos tempos, publicada na Revista E nº 291, de janeiro de 2021).
Em 2019, foi inaugurado o Sesc Guarulhos, primeira unidade onde todo o esgoto gerado passa por um processo interno, em estação de tratamento (depois disso, ele segue para a rede pública de coleta, facilitando o tratamento final). Na unidade, a água da chuva é captada no teto do edifício e, após tratamento, é utilizada no sistema de irrigação dos jardins, nos vasos sanitários e mictórios. Para além das estruturas prediais do Sesc São Paulo, a sustentabilidade está presente nas áreas verdes cultivadas e preservadas, como a reserva natural Sesc Bertioga, uma área protegida com cerca de 60 hectares de Mata Atlântica, localizada na zona urbana da cidade.
Soma-se ainda qualidade do ambiente local, com programas de gestão de resíduos, a exemplo do Lixo: Menos é Mais. Desde 2010, esse programa é responsável por transformações estruturais, operacionais e atitudinais no cotidiano das unidades Sesc São Paulo por meio da destinação responsável, redução e eliminação de resíduos. Aliás, o mês de março de 2020 marcou o encerramento da venda de água engarrafada sem gás em todas as unidades, uma ação que faz parte da campanha Água de Beber. Com essa mudança, estima-se que deixarão de ser gerados aproximadamente 2 milhões de garrafas plásticas por ano no Sesc São Paulo.
Com a criação da Reserva Natural Sesc Bertioga e a conservação de uma área de 60 hectares de floresta de restinga de Mata Atlântica, o Sesc São Paulo também efetiva a sua responsabilidade socioambiental em relação à proteção da biodiversidade e às mudanças climáticas. As ações educativas e de manejo promovem experiências que fortalecem os vínculos das pessoas com os ambientes naturais, ação vital para a qualidade de vida atual e futura.
A valorização e relação com as comunidades e culturas locais, além do incentivo a pesquisas científicas e o diálogo com outras Unidades de Conservação, fazem parte da estratégia de atuação da Reserva Natural Sesc Bertioga. A unidade conta com trilha suspensa e estrutura de recepção de público com desenho universal, recursos de acessibilidade e equipe de educadores ambientais.
Essa e outras ações educativas realizadas pelo Sesc São Paulo têm como objetivo compartilhar conhecimentos e experiências que possam melhorar a qualidade de vida das pessoas e do ambiente onde vivem. “Ao longo dos seus 75 anos, o Sesc foi se transformando à medida que a sociedade ampliava o debate a respeito da responsabilidade socioambiental. Esse processo foi tornando nossos projetos mais consistentes e permanentes, a ponto de tornar a sustentabilidade uma diretriz estratégica institucional”, afirma Denise S. Baena Segura, gerente da Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc. “Além das atividades educativas e participativas, o Sesc tem o compromisso de realizar um trabalho de conservação e recuperação de áreas verdes, ações para redução e destinação adequada dos resíduos, adequações nas edificações para diminuir o consumo de água e energia, bem como projetos arquitetônicos passíveis de certificação ambiental”, completa.
Confira alguns destaques da programação de junho:
bate-papo | Engajamento comunitário e enfrentamento às mudanças climáticas
As mudanças no clima, ou a crise climática, são hoje um dos maiores desafios impostos para a humanidade. Ações individuais têm sua importância para o combate a esse desafio, entretanto, é a partir da coletividade que as respostas efetivas virão. Nesse bate-papo no canal do YouTube do Sesc Guarulhos, Alexander Turra (USP), Amanda Costa, da Perifa Sustentável, e Carol Ayres, do Humana, falam sobre a importância do engajamento comunitário para o enfrentamento às mudanças climáticas. (Dia 8/6, das 19h às 21h)
bate-papo | Caminhos da Agricultura do ABCDMRR
Bate-papo realizado pelo Sesc São Caetano e Sesc Santo André, no lançamento de documentário e e-book que narram 12 histórias sobre a agricultura urbana da região do ABCDMRR. Em pauta, convidados irão falar sobre formas de organização dos produtores, manejos utilizados, estratégias de comercialização, usos das mídias sociais e o envolvimento de instituições sociais, no canal do YouTube do Sesc São Paulo. (Dia 12/6, das 16h às 17h).
Sustentabilidade nas Cidades: Mobilização, Articulação Social e Qualidade de Vida
Neste debate, o Diretor Presidente do Instituto Cidades Sustentáveis, Jorge Abrahão, e a arquiteta e urbanista Lara Freitas falam sobre a gestão pública para uma agenda sustentável, com mediação da jornalista Maria Zulmira de Souza.
Biodiversidade: das práticas sociais à sustentação da vida
Sidnei Raimundo, da USP, Paloma Costa, da ONU e Engajamundo, e Dominga Natalia Moreira Santos Rosa, da Associação Quilombo Kalunga, debatem sobre as relações entre biodiversidade e mudanças climáticas. Disponível a partir de 3/6, às 16h. Assista: www.youtube.com/sescsp.
oficina | Retratos do Território
Você conhece iniciativas socioambientais da sua cidade e região? Na oficina Retratos do Território serão realizadas entrevistas com os atores de alguns projetos do município paulista de Birigui, com o objetivo de divulgar tais experiências, bem como de sensibilizar moradores sobre temáticas socioambientais importantes, como agroecologia, consumo responsável e gestão de resíduos. Participam da oficina: Sítio Naturaleza, Sítio Panorama e Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Recicláveis de Araçatuba – Acrepom. (De 2 a 16/6, quartas-feiras, das 17h às 17h15. Informações: www.sescsp.org.br/birigui).