Postado em 29/08/2021
PANDEMIA EVIDENCIA A NECESSIDADE DE REPENSAR
MORADIA, MOBILIDADE, ÁREAS VERDES
E ESPAÇOS PÚBLICOS VOLTADOS PARA O LAZER
Todo momento de crise instiga a necessidade de mudança, e, se há uma unanimidade nesta pandemia, é a urgente ação de reavaliar o que está funcionando e o que não está nos centros urbanos, onde se concentra a maior parte da população brasileira. Ficou evidente a importância de áreas públicas arborizadas, como parques e praças, incorporadas ao lazer, à convivência e à prática físico-esportiva. Além da premência na construção e reparação de calçadas, ciclovias e outras alternativas de mobilidade, por exemplo. Para a maior parte da população em regiões periféricas, no entanto, ficou escancarada a falta de direitos essenciais para a vida, como água, saneamento básico, habitação e opções de lazer. Afinal, quais desafios a cidade enfrenta hoje e o que pode mudar nesse cenário?
Presidente do Instituto Cidades Sustentáveis, o engenheiro Jorge Abrahão já havia apontado para esse quadro no começo deste ano. “A pandemia trouxe luz para questões estruturantes da nossa sociedade e que devemos enfrentar. Nesse sentido, onde a pandemia está deixando marcas mais profundas é no ambiente das cidades, onde vamos ter que construir uma superação. Sem demérito a outros espaços, mas 85% da população brasileira vive nas cidades. Então, os problemas acontecem aqui onde uma maior quantidade de gente mora”, disse na seção Encontros da Revista E nº 292, de fevereiro de 2021. Para a elaboração de políticas públicas, Abrahão apontou a necessidade de pesquisas, levantamento de dados e indicadores que possam mapear as diferentes realidades encontradas nos centros urbanos.
Além desse mapeamento, arquitetos e urbanistas vêm refletindo sobre os atuais (e antigos) problemas enfrentados pelas cidades. Realizada em agosto, pela Escola da Cidade e Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, a 16ª edição do Seminário Internacional Escola da Cidade 2021 (leia boxe Ideias na prática) organizou debates com especialistas de diversas regiões do Brasil e de fora do país sobre novas demandas da vida contemporânea, mudanças de hábitos, de usos e de experiências e novas consciências ambientais e culturais.
Como olhar a cidade? Como entender a cidade e como intervir na cidade? Essas foram algumas das questões que nortearam o evento, segundo a arquiteta urbanista Sabrina Fontenele, professora da Escola da Cidade e uma das curadoras e coordenadoras do seminário. “Essas perguntas simples demonstravam que a discussão deveria alargar o campo da arquitetura e incorporar falas e olhares diversos que se colocavam além da cidade construída, mas também se aproximando de práticas sociais e reivindicações diversas”, explica.
Para o arquiteto Silvio Oksman, professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Escola da Cidade, “não iremos construir uma cidade nova, mas pensar a cidade numa escala mais aproximada”, pondera. “Evidentemente mais áreas públicas verdes, maior incentivo à mobilidade por bicicleta, encurtar as distâncias de deslocamento e o comércio de rua são ações positivas, mas ainda temos que passar dos princípios que devem reger a cidade ao desenho efetivo”, ressalta o arquiteto, que também fez parte da curadoria e da coordenação do Seminário Internacional.
Desafios concretos
Professora de Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), a arquiteta urbanista Paula Santoro está acompanhando famílias inteiras, de todas as faixas etárias, migrando para as ruas, uma vez que a pandemia exacerbou a crise habitacional. “Se estamos falando de desafios, ter casa é fundamental para você evitar a disseminação do coronavírus e para cuidar dos doentes. Então, eu acho que o grande desafio está em políticas públicas de habitação”, aponta.
A questão da mobilidade também é acompanhada pela arquiteta e coordenadora do LabCidade junto à professora da FAU-USP Raquel Rolnik. O Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade tem desenvolvido projetos de pesquisa ligados ao planejamento urbano e a estudos da paisagem, composto por 20 pesquisadores das áreas de arquitetura e urbanismo, direito, geografia, ciências sociais e comunicação. “Algumas pesquisas mostram que quem saiu para trabalhar em transporte público esteve mais exposto ao vírus. Tanto ficou mais doente, quanto, provavelmente, ajudou na disseminação do vírus”, acrescenta Paula Santoro. “E tem gente que não consegue sair para trabalhar de bicicleta ou a pé porque o modelo da cidade é um modelo em que, por vezes, as pessoas moram muito longe do trabalho. Esse é o modelo de ocupação de São Paulo.”
Por isso, complementa Silvio Oksman, é necessário rever esse desenho a fim de nos aproximarmos das dinâmicas e demandas da sociedade e integrá-las à cidade. A partir disso será possível compreender quais as ferramentas possíveis de transformação. “Ainda não temos um sistema de regulação urbana que considere essas demandas em diálogo com a sociedade. Nesse sentido, temos uma legislação distante, que entende a cidade apenas como uma grande infraestrutura. E essa aproximação, que leva tempo, permitirá compreender aquilo que precisamos para a cidade.”
Se pudéssemos, então, projetar o espaço urbano ideal num futuro pós-pandemia, qual seria? “Não existe uma fórmula única, mas, certamente, será uma cidade mais cuidadora e compartilhada”, sugere Paula Santoro. “Cuidadora no sentido que olha para as funções da cidade que exigem cuidado, por exemplo, políticas públicas territorializadas, voltadas para soluções nos bairros. E compartilhada porque a gente vai ter que compartilhar mais os espaços urbanos. Por exemplo, não serão mais funções como ‘a rua é para o carro’ ou ‘a casa é para você ficar’, porque a casa também é trabalho e a rua também é para o lazer.”
DESDE A IDEALIZAÇÃO DO EDIFÍCIO ATÉ SUA IMPLANTAÇÃO,
AS UNIDADES DO SESC SÃO PAULO SE INTEGRAM DE MANEIRA
SUSTENTÁVEL E DEMOCRÁTICA À CIDADE
Descentralizadas e integradas ao entorno onde se localizam, as unidades do Sesc São Paulo levam em consideração acessibilidade, mobilidade, segurança e sustentabilidade desde o projeto de arquitetura e construção à utilização de seus equipamentos. “Dos portões para fora do Sesc, há a permanente preocupação com o respeito ao seu entorno, atentando aos impactos que uma unidade do Sesc leva à rotina de sua vizinhança, seja pelo aumento do fluxo de pessoas ou de carros”, explica a arquiteta Bruna Hitos Pereira, da Assessoria Técnica e de Planejamento do Sesc São Paulo.
Por isso, acrescenta, “procuramos equacionar esses efeitos, fomentando a discussão com a comunidade e o poder público quanto às melhorias nas condições de mobilidade, transporte público, limpeza urbana, segurança e sustentabilidade, absorvendo muitas vezes, como contrapartida à implantação de uma unidade, melhorias de um ou mais desses pontos para a cidade, priorizando e valorizando sempre as pessoas”. Os novos projetos de arquitetura desenvolvidos para as unidades Sesc Campo Limpo, Sesc Parque Dom Pedro II, Sesc São Miguel Paulista e Sesc Limeira (em desenvolvimento) tornam-se ainda “uma extensão da cidade quando se incorporam ao passeio público e permitem a circulação dos pedestres através de suas instalações para acesso às diversas ruas que as circundam”, acrescenta.
CAMINHOS PARA UMA METRÓPOLE
SUSTENTÁVEL E PARA TODOS
Soluções apontadas pela pandemia estão longe da interjeição “eureca”, atribuída ao matemático grego Arquimedes (287 a.C. – 212 a.C.) quando descobriu a resposta para uma capciosa equação. É que muitas das propostas feitas por urbanistas, engenheiros, sociólogos e outros especialistas para os problemas produzidos e enfrentados pelas metrópoles já estavam dadas. Como a melhoria e construção de ciclovias e calçadas, mais espaços públicos para convivência, prática físico-esportiva e com equipamentos de lazer, mais áreas verdes e preservação daquelas existentes. Porém, a Covid-19 evidenciou a necessidade urgente de adoção dessas medidas e abriu um diálogo para novas propostas que focam em uma metrópole sustentável e para todos. Confira algumas:
Natureza integrada
Ruas arborizadas, praças e parques se tornaram refúgios para caminhar, ler, brincar, se encontrar e assim experimentar a chamada “vitamina N”, de natureza, como foi denominada pelo pesquisador norte-americano Richard Louv. Isso porque já foram comprovados os inúmeros benefícios que esses espaços geram à saúde física e mental de seus frequentadores. A necessidade, portanto, de áreas verdes em todas as regiões da cidade tornou-se ainda mais evidente na pandemia. A exemplo do Sesc Itaquera, na zona leste de São Paulo, uma unidade-parque dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA) que integra moradores e frequentadores da região à natureza e realiza práticas educativas e de sensibilização ambiental na cidade, como cultivo de horta, gestão de resíduos e compostagem.
Comércio local
Consumir de empreendedores do bairro também se tornou uma importante ação na pandemia, não só pela necessidade de evitar aglomerações em grandes centros comerciais, como shoppings, e para evitar longos deslocamentos até esses espaços, como também para o fomento do comércio local. Já estão sendo avaliadas e adotadas alternativas para que esses locais se fortaleçam. Por exemplo, em 2020, foi apresentado o projeto Ruas Vivas, desenvolvido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de São Paulo (IABsp), em parceria com a Associação Comercial de São Paulo (ACSP). O objetivo do projeto é realizar intervenções temporárias em ruas da capital, a fim de transformá-las em espaços com segurança viária e sanitária para os moradores e frequentadores da região.
Parques concretos
O fechamento de avenidas e ruas na capital paulista aos domingos e feriados mostrou a necessidade de utilização desses espaços para lazer, convivência e práticas físico-esportivas por parte da população. A Paulista Aberta foi uma reivindicação e conquista da sociedade civil em 2016, com a criação oficial do Programa Ruas Abertas e Paulista Aberta, resultado da mobilização de ONGs, coletivos e cidadãos. Outro exemplo de reivindicação de espaço público é para que o Minhocão (elevado Presidente João Goulart), outra via ocupada e aberta aos moradores da região aos sábados e domingos, se torne um parque permanente.
Vou de bike
A redução de automóveis movidos a combustíveis fósseis e o aumento de pistas e alternativas para uma mobilidade zero carbono ainda são um grande desafio. A cidade de São Paulo conta com 684 km de vias para circulação de bicicletas, sendo 651,9 km de ciclovias/ciclofaixas e 32,1 km de ciclorrotas, segundo dados da Companhia de Engenharia de Tráfego. No entanto, a falta de segurança, de sinalização e, principalmente, de educação para o trânsito ainda é um entrave para que mais habitantes possam optar pela bicicleta.
SEMINÁRIOS, DEBATES, CURSOS E OUTRAS ATIVIDADES REFLETEM
SOBRE ALTERNATIVAS E MUDANÇAS PARA O ESPAÇO URBANO
Como reconhecer as lógicas dos atuais contextos urbanos e propor cidades mais acessíveis e democráticas? Essas e outras questões foram debatidas na 16ª edição do Seminário Internacional Escola da Cidade 2021, realizado pelo Sesc São Paulo em parceria com a Escola da Cidade em agosto. Durante a programação, especialistas do Brasil, da Itália e da Argentina propuseram formas de olhar para a cidade a partir de questões sociais, culturais e econômicas que podem contribuir para o desenho da cidade.
“As conferências, palestras e debates demonstravam que as cidades não são vividas de forma igual, apesar de muitas vezes serem desenhadas para um tipo específico de pessoa, gênero e classe social, como se existisse um ‘cidadão universal’”, observou a arquiteta Sabrina Fontenele, uma das curadoras e coordenadoras do seminário. Nas discussões, segundo Fontenele, muitos especialistas demonstraram que é preciso torná-las mais democráticas. “A fala da arquiteta argentina Ana Falú apontou possibilidades e metodologias a partir de uma perspectiva de gênero, mas também do trabalho em rede. A conferência dessa ativista feminista dialogou diretamente com as falas da historiadora Monica Lima, quando discutiu a memória negra no Rio de Janeiro, a experiência da arquiteta Ester Carro no Jardim Colombo, entre tantas outras que demonstraram possiblidades de atuar na cidade”, relata.
Neste mês, outra programação também levantará reflexões sobre a cidade tendo como lupa a questão da sustentabilidade. Parceiro da Virada Sustentável de São Paulo, cuja 11ª edição acontece entre os dias 2 e 22 de setembro, o Sesc São Paulo realiza diversas atividades em unidades da capital, interior e litoral. Serão oficinas, cursos, debates, exibições de filmes, entre outras ações online. Confira alguns destaques:
PINHEIROS
Práticas de Permacultura Urbana no Cotidiano
Neste ciclo de encontros, quatro mulheres participantes da Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã irão apresentar, em rodas de conversa e oficinas, como os princípios e a ética da permacultura podem ser colocados em prática em ambientes urbanos. (De 14 a 17/9, das 19h às 21h, pela plataforma Microsoft Teams. Diretamente pelo link: https://bityli.com/aQw7u)
POMPEIA
Mobilidade, desigualdades e direito à cidade
O encontro propõe discutir as políticas públicas que vêm sendo adotadas para mobilidade urbana nas cidades brasileiras, diante da necessidade de incentivar meios de locomoção mais sustentáveis, e como elas se relacionam com as demandas da população pobre e periférica, que mora longe dos grandes centros e depende de transporte público. (Dia 22/9, das 16h30 às 18h, pela plataforma Zoom. Inscrições a partir do dia 15/9, às 14h, até 22/9, às 10h, pelo link: https://inscricoes.sescsp.org.br/)
SANTOS
Emergências do Século 21: A Cidade em (De)Composição
Neste debate com o empreendedor solidário Lucas Carvalho e o artista e especialista em agrofloresta André Cerveny, o assunto é como a arte contemporânea se soma a empreendimentos solidários de compostagens. Ações que pululam em diversas cidades brasileiras e que impactam a construção das utopias das cidades em que queremos viver hoje. (Dia 22/9, das 19h às 20h30. Assista no canal do YouTube do Sesc Santos)
24 DE MAIO
Usando Hortas e Compostagem como Plataformas Educativas
Neste curso voltado a educadores(as), multiplicadores(as) e demais pessoas interessadas nas temáticas da horta e da compostagem como plataformas educativas, será possível compreender melhor esses conteúdos e compartilhá-los dentro de suas áreas de atuação e territórios. Com Pé de Feijão. (De 16/9 a 21/10, das 19h às 21h, pela plataforma Zoom. Inscrições a partir de 7/9, às 14h, até dia 16/9, às 17h. Saiba mais: https://inscricoes.sescsp.org.br)
GUARULHOS
Resíduos Sólidos: O Que Fazer?
Nesta série de conteúdos publicados nas redes sociais da unidade, o público terá acesso a informações sobre gerenciamento de resíduos sólidos nos centros urbanos e à problemática que envolve esse tema, bem como a questões locais do município de Guarulhos. (De 3/9 a 1º/10, novas publicações todas as sextas-feiras, às 17h. Confira pelo Instagram e Facebook do Sesc Guarulhos)
SESC DIGITAL
Documentário Kunhangue Arandu
Durante a 11ª edição da Virada Sustentável, o Sesc São Paulo vai disponibilizar uma seleção de conteúdos audiovisuais que abordam a questão socioambiental, buscando promover reflexões sobre as relações entre os seres humanos e o meio ambiente, assim como aspectos socioculturais implicados na construção de uma experiência sustentável. Entre os títulos exibidos, o documentário Kunhangue Arandu: A Sabedoria das Mulheres (Brasil, 2021), dirigido por Cristina Flória e Alberto Alvares, realizado na Terra Indígena Jaraguá, no município de São Paulo, mostra o universo das mulheres Guarani e sua resistência para manter o nhandereko, o modo de ser Guarani. (De 6 a 22/9. Assista: https://sesc.digital)