Postado em 01/10/2021
Quando pensamos em alimentação saudável, o que nos vem à cabeça? “Cortar o glúten”, “escolher produtos light” ou “comer frango com salada todos os dias” são alguns exemplos. Mas alimentação saudável tem a ver com variedade, não com restrição – e passa pela cozinha de casa, não pela escolha de uma comida no aplicativo a cada noite. E não estou dizendo que precisamos cozinhar todos os dias. É uma delícia poder pedir um prato que normalmente não fazemos, sem ter que nos preocupar com a compra dos ingredientes e lavar a louça no final. Mas saber preparar a própria refeição é bom para a saúde, para a boa forma, para o orçamento, e ainda pode ser uma diversão. Cozinhar, como diz o jargão, é um ato de amor e uma forma de descobrir novas habilidades, ensinar, aprender e construir uma memória gastronômica e afetiva.
Na casa dos meus pais, sempre tivemos o hábito de preparar nossas refeições, reproduzindo pratos de livros de receitas, seguindo as tradicionais receitas passadas de geração em geração e, mais recentemente, começamos a executar as modernas sugestões dos programas de culinária da TV. Minha mãe, uma excelente cozinheira, é muito fiel a cada detalhe das receitas. Bolo de massa folhada, bife à rolê, nhoque, pães caseiros, entre outros pratos, são suas especialidades. Porém, estrogonofe (à brasileira, com arroz e batata palha) nunca foi um prato servido em nossas reuniões de família.
Aprendi a comer estrogonofe quando fui trabalhar no Sesc Bertioga, em 2006. E, claro, adorei! Anos depois, aprendi uma receita desse prato com preparo bem simplificado e prático, e que provavelmente seria reprovada por qualquer aprendiz de cozinheiro. Pronto, virou minha receita favorita de estrogonofe!
Durante a pandemia, com a impossibilidade de sair e frequentar restaurantes, nossos almoços em família aos domingos foram ficando cada vez mais incrementados. Em um desses dias, resolvemos fazer uma competição de quem tinha a melhor receita de estrogonofe: eu com a minha listinha e instruções simples e práticas, minha mãe com sua receita tradicional, e meu irmão inovando nos ingredientes e na forma de preparo. Os jurados, além de nós três, cozinheiros amadores, foram meu pai e meu filho de 11 anos.
E assim fizemos: cada um de posse dos seus ingredientes e tentando esconder dos outros suas técnicas e segredos. Cada prato foi preparado e levado à mesa em travessas diferentes, para que os jurados não descobrissem a quem pertencia cada receita. E a favorita, escolhida pela maioria, foi a mais prática de todas: a minha! Desde então, ela foi adotada pela família inteira como a melhor receita de estrogonofe.
Competições amadoras à parte, sempre penso em como as importantes escolhas alimentares feitas pelos meus pais anos atrás influenciaram diretamente as minhas decisões e as de toda a família. Quão importante foi eles terem plantado nos filhos a sementinha do ato de cozinhar, de sentar-se à mesa, de estar junto de quem amamos, compartilhando uma refeição! Num mundo tão tecnológico e rápido como este onde estamos vivendo, pedir um estrogonofe por aplicativo teria sido muito mais prático, mas certamente não mais gostoso, pois promover um concurso de receitas em família nos permitiu passar um tempo de qualidade juntos, renovar aquilo que já era feito e desenvolver novas habilidades, novas ideias e uma nova forma de fazer as coisas.
Mas, para que eu possa continuar aprendendo, muitas vezes terei que fazer o exercício de desaprender primeiro, para só depois assimilar algo novo. Acredito que esse movimento de repensar conceitos e modos de fazer vale para tudo na vida, inclusive para melhorar nossos hábitos alimentares. O que era bom há 10, 20 anos, por exemplo, talvez não seja a melhor opção hoje, e vice-versa. Torço para que o futuro reserve a todos nós mais momentos simples, felizes e de aprendizado, pois a única certeza que temos é de que estamos em constante evolução.