Postado em 04/03/2011
A saga de jovens talentos de uma escola de artes performáticas de Nova York em busca do sucesso, contada pelo cineasta britânico Allan Parker, em Fame, de 1980, não é exclusiva do imaginário da máquina de sonhos hollywoodiana. Em muitas das escolas e faculdades voltadas às artes mundo afora, aspirantes a atores, bailarinos, músicos, midiartistas – ou seja lá qual for a linguagem – sentem na pele o que o filme, hoje considerado um clássico, quer dizer.
E isso inclui os que tentam a sorte aqui na maior cidade da América do Sul. Afinal, se por um lado a agenda cultural de São Paulo é conhecida por sua diversidade; por outro, conseguir um lugar no olimpo das produções artísticas da capital, por si só, já dá um filme.
Por isso, para a maioria dos jovens talentos, a saída acaba sendo uma rede alternativa de espaços artísticos. Um mapa que não leva ao tesouro das grandes mídias tradicionais, não almeja recordes de público e aprendeu a viver sem o auxílio de grandes patrocínios. Pequenos teatros e centros culturais – em sua maioria de caráter privado, embora haja iniciativas públicas também – são responsáveis por boa parte do sangue novo injetado na veia cultural da cidade, e por isso se mostram como boa porta de entrada para novos artistas.
“Teatros muito grandes demandam também muito para serem mantidos”, opina Ricardo Karman, diretor do Teatro do Centro da Terra, um dos mais antigos desses espaços alternativos em São Paulo, localizado no bairro de Perdizes, Zona Oeste de São Paulo. “Para você usar esses palcos grandes é preciso muita mídia, para isso você precisa conseguir muito público, o que demanda da produção uma estrutura, vamos dizer assim, muito mais comprometida comercialmente.”
O resultado, continua Karman, é uma cruel fórmula de sucesso: privilegiar artistas já consagrados – geralmente pela televisão – para garantir a bilheteria. “Ao passo que espaços menores são muito mais abertos a experimentos, porque eles são mais baratos, têm plateias menores e exigem menos mídia.” Com a diminuição dos custos, esclarece o diretor, é menor também o “compromisso de fazer uma coisa muito grande comercialmente”.
A noite dos novos artistas
E é aí que surge a oportunidade para os menos ou nada conhecidos mostrarem seu talento. Uma postura que também é uma linha curatorial no espaço conhecido como ?O Lugar, sede da Companhia Corpos Nômades, no centro da cidade, e que realiza a mostra Lugar Nômade de Dança, voltada para “grupos que já tenham trabalhos consolidados de pesquisa e investigação”, explica João Andreazzi, diretor artístico do grupo.
O evento inclui a programação especial Meia Noite Olho Neles – essa, sim, exclusiva para estudantes de dança. “Não dava para colocar tudo no mesmo balaio”, diz Andreazzi. Ele se refere à impossibilidade de incluir numa mesma grade grupos já velhos de estrada e iniciantes – por mais que, no Brasil, muitos veteranos da dança sejam quase tão desconhecidos quanto um calouro do curso de comunicação das artes do corpo, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.
“Aí nós viemos com a ideia dessa mostra para novos intérpretes e criadores. Normalmente, são de três a quatro [apresentações], sempre a partir da meia-noite”, esclarece. Segundo Andreazzi, o anonimato dos jovens intérpretes não compromete a bilheteria.
“A lotação é em torno de 70 lugares e tem realmente uma procura grande de gente que está interessada em ver o que esses jovens estão desenvolvendo nas universidades – na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], na Anhembi Morumbi, na PUC e em outras instituições de formação em artes cênicas”, garante. Em 2010, O Lugar recebeu o prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) de “Modelo de Espaço de Difusão de Dança”; sinal de reconhecimento pela iniciativa.
De olho no próximo
No N.Ex.T – Núcleo Experimental de Teatro, também no Centro, a proposta é a produção e a difusão da nova dramaturgia brasileira. No currículo do espaço, alguns espetáculos que acabaram conquistando o mainstream. “O N.Ex.T produziu o primeiro Terça Insana”, conta o diretor Antonio Rocco, referindo-se a um dos mais famosos espetáculos de esquetes humorísticas da cidade, de onde saíram atores como Grace Gianoukas e Luis Miranda.
“O Marcelo Médici também se apresentou aqui no começo da carreira.” A mais recente empreitada do N.Ex.T é tentar tornar famoso mais um dia da semana com a Sexta Sexy. “Um supershow, também convidando gente nova, trazendo artistas plásticos ocupando as paredes, fazendo um local de encontro, porque o N.Ex.T tem essa vocação de ser um local de encontro de artistas”, define o diretor.
Assim como Ricardo Karman, Antonio Rocco também chama a atenção para as facilidades econômicas que esses espaços oferecem aos iniciantes. “Antigamente, era necessário vender um Fusca para produzir uma peça”, afirma. “Todos os teatros eram enormes e caríssimos. Agora, as companhias que têm os seus pequenos teatros abrem para muita gente. Ou seja, tem muito mais espaço pequeno para você experimentar.”
Embora não possua uma companhia propriamente dita, o N.Ex.T tem uma série de “amigos”, como Rocco chama os autores e atores que orbitam o espaço e sempre se revezam nas produções da casa. “Cada um traz a sua experiência”, conta o diretor. “O Newton Moreno leu o seu primeiro texto de teatro aqui, o Mário Bortolotto estreou algumas das peças dele aqui também – Hotel Lancaster foi uma delas. Já trabalhamos anos com Lulu Pavarin, que fez Tapa [Teatro Amador Produções Artísticas], com o Ivan Capúa, o Nilton Bicudo.”
Mas quem não tem tanta experiência também é bem-vindo. Mesmo que não ingresse numa produção do espaço, ao menos encontrará boas condições de iniciar suas criações e pesquisas alugando o palco a preço de custo. “Muitos atores jovens entram em contato conosco”, revela Rocco. “E sendo possível a gente abre o espaço para eles.”
Catarse coletiva
Há também projetos que, mesmo não tendo um local fixo, dedicam-se a servir de plataforma para lançamentos. Um deles é o bienal Catarse, idealizado pelo músico Luiz Gayotto, hoje curador do evento, e que, em 2009, aconteceu na choperia do Sesc Pompeia. “Percebi que essa necessidade de as pessoas terem um espaço para mostrar os seus trabalhos é crescente”, declara o músico sobre o início do projeto. “E tem muita gente fazendo coisa boa e afim de botar o seu trabalho na rua. Como o Catarse sempre foi a união de muita gente, os próprios participantes já seriam o público.”
O projeto nasceu para ser um grande show de música, mas, com o tempo, outras linguagens artísticas – entre elas o teatro e a dança – foram incluídas no programa. “Já passaram pelo Catarse a Cia. São Jorge de Variedades e a Cia. Livre”, exemplifica Gayotto. Na área de dança, ao longo dos sete anos de existência do projeto, estiveram presentes, entre outros grupos de ritmos regionais, a Cia. Nova Dança 4. “O Catarse funciona como uma vitrine. A gente faz um programa bonito, dá o contato dos artistas etc.”, garante.
Fomento à dança
Também em dança, um dos espaços que mais concentram a nova produção é a Galeria Olido, localizada no Centro de São Paulo e que, embora não seja exclusiva para essa linguagem, acabou se tornando um dos seus espaços-referência na cidade. Segundo Andrea Thomioka, da divisão de programação do Departamento de Expansão Cultural (DEC), da Secretaria Municipal de Cultura, responsável pela Galeria, não existe uma política específica voltada ao apoio de novos nomes, mas nem por isso eles deixam de ocupar boa parte das atividades do Centro de Dança Umberto da Silva – que, além das salas de ensaio e da Sala de Pesquisa e Acervo de Dança, abriga também a Sala Paissandu, exclusivamente voltada aos espetáculos.
“Já tivemos aqui, por exemplo, a Experimentus Cia. de Dança, de Fortaleza, e a Cia. Fragmento de Dança, que tem como diretora e coreógrafa a jovem e muito talentosa Vanessa Macedo”, informa Andrea. “E ainda recebemos projetos vindos por meio do Programa Municipal de Fomento à Dança.
São várias produções inéditas, de companhias ou artistas [solo], experientes ou não, que estreiam seus trabalhos cênicos recém-finalizados aqui.” Mesmo com todas essas medidas de fomento, Andrea confessa que ainda não há como absorver a demanda de novos artistas – de dança ou qualquer outra arte – anualmente “jogados” no mercado pelas escolas. “Temos uma situação melhor se comparada à da década passada, mas ainda não é suficiente”, revela. “A quantidade de artistas talentosos é infinitamente maior do que as possibilidades de trabalho.”
Talento em evidência
Unidades do Sesc São Paulo desenvolvem projetos cuja programação é exclusivamente formada por novos artistas
Muitas unidades do Sesc desenvolvem uma programação específica para garantir a constante presença de novos talentos entre suas atividades. No Sesc Pompeia, por exemplo, o projeto de dança Primeiro Passo, realizado mensalmente desde meio de 2009, tem se consolidado como um espaço democrático para a apresentação e debate de trabalhos de novos criadores e para as empreitadas mais recentes de profissionais já experientes, mas em fase de mudança de trajetória.
O projeto tem assessoria e mediação de Angela Nolf, que, após as apresentações, com mais dois pesquisadores convidados, conversa com o público e os artistas sobre as propostas apresentadas.
Na unidade Santana, as novidades surgem por meio das programações Cena Norte, que se centra, desde setembro de 2010, no fomento e na difusão das artes cênicas na Zona Norte da cidade, onde está localizada a unidade; e Um Corpo Só, projeto que, desde 2010, traz apresentações solo de dança – espetáculos, performances e workshops –, buscando explorar o corpo do bailarino/intérprete como ponto de partida para novas poéticas e reflexões. Pelo Cena Norte já passaram o diretor e pesquisador de teatro e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo Francisco Medeiros e o encenador Antunes Filho.
Em fevereiro, o projeto teve a edição especial Experiência com CPT – o Centro de Pesquisa Teatral, que funciona na unidade Consolação –, uma oficina coordenada por Emerson Danese e orientada pelo próprio Antunes Filho.
Já no Consolação, o projeto Primeiro Sinal (foto) – que mantinha, até junho de 2010, residência na Unidade Provisória Avenida Paulista – segue a proposta de abrir mais espaço para grupos emergentes, novos artistas, diversidade estética e experimentações de linguagens. A iniciativa já trouxe vinte espetáculos desde que foi criada, há quatro anos.