Postado em 20/10/2010
Crescido em meio às fantasias dos livros, Pedro Bandeira revela como se tornou aclamado escritor de histórias infantojuvenis
O escritor Pedro Bandeira de Luna Filho já alcançou mais de 20 milhões de leitores em todo o Brasil. Com mais de 80 títulos publicados, que encantam – sobretudo crianças e adolescentes, o autor aos 68 anos se tornou o mais vendido e referência na literatura infantojuvenil brasileira. Destacam-se, entre os livros, ?A Hora da Verdade (Ática, 1998), A Droga da Obediência (1984), a série Os Karas (2009), Agora Estou Sozinha (2009) – estes últimos lançados pela editora Moderna. A cada obra, Bandeira conta uma história à sua maneira e faz referência à obra de clássicos que vão de Shakespeare a Machado de Assis.
Desde criança fascinado por contos de fadas, aventuras e fantasias, Pedro sugere o melhor lugar para começar a ler. “No colo da minha mãe aprendi a vibrar com os contos de fadas”, disse ele à Revista E. O escritor será homenageado na mostra Pedro Bandeira está pra Brincadeira, do dia 22 deste mês a 30 de janeiro, no Sesc Santo André.
Durante o depoimento, Bandeira, que já abocanhou prêmios como o da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e o Jabuti, falou ainda das influências literárias, dos métodos de criação e da aproximação das crianças com a leitura. A seguir, trechos.
Na companhia dos livros
Nasci em Santos. Não tive pai, ele morreu quando eu estava no ventre materno. Minha mãe era carinhosa, mas tinha pouca cultura e condições financeiras. A figura paterna para mim foi ela. Fui educado no meio de tias e da avó, chata e fanática religiosa. Eu era um menino franzino, tinha asma e não podia fazer quase nada. Precisava estar voltado à escola e, por causa dos irmãos serem mais velhos, tinha de me entreter sozinho. Por isso lia gibis, contos e tudo que caísse na mão. A leitura era sempre por prazer, nunca por obrigação. Mas foi Monteiro Lobato [escritor brasileiro, 1882-1948], sem dúvida, que me influenciou. Lobato era o que havia no país de literatura infantil na época.
Depois dele, partíamos para os estrangeiros. Sou herdeiro dos folhetins, dos autores de aventura, como Mark Twain [escritor norte--americano, 1835-1910], de quem sou fã até hoje. Mas também admiro Edgar Allan Poe [escritor norte-americano, 1809-1849], Emilio Salgari [escritor italiano, 1862-1911], Rafael Sabatini ?[romancista italiano, 1875-1950], Charles Dickens [romancista inglês, 1812-1870]. Na infância fui envolvido com as aventuras medievais, de cowboys e piratas.
Diversão e aventura
Lembro que fui à casa de um tio e vi dois livros volumosos, encadernados em couro, lindos. Havia ilustrações feitas em bico de pena que mostravam um cavaleiro alto e magro com armadura, montado num cavalo magro, lança na mão e acompanhado por um escudeiro baixinho. Eu falei: “É uma aventura de cavalaria e vou me divertir com ela”. Foi assim que li Dom Quixote de La Mancha [do espanhol Miguel de Cervantes y Saavedra, 1547-1616], como se fosse uma aventura juvenil.
De repente, entrei sozinho na literatura. Lembro-me, por exemplo, de O Tempo e o Vento [Companhia das Letras, 2004], que toda criança deveria ler. Interpretava O Tempo e o Vento, do Érico Veríssimo, como a aventura de um gaúcho macho, com espada na cinta a lutar contra os paraguaios nos pampas gelados. Engraçado, mas, quando jovem, gostava dos autores mais chatos, como José de Alencar [1829-1877]. O livro Ubirajara [L&PM, 2006], por exemplo, para mim representava uma aventura de índios. Ficava fascinado quando o índio Ubirajara enfiava a mão no formigueiro para provar sua coragem e tentar conquistar Araci. O ingresso na literatura, portanto, foi pela diversão e aventura.
Escrever historinhas
Resolvi morar em São Paulo depois do ensino médio para fazer teatro profissional. E realmente me profissionalizei. Mas, se as peças fossem ?de cowboy, eu seria o quarto índio da esquerda. Ou seja, nunca conseguia um grande papel no teatro profissional. Ganhava, portanto, muito pouco. E o que sabia fazer era apenas ler e escrever. Por isso, comecei a fazer jornalismo para me sustentar. O teatro ficou em segundo plano. Além disso, veio o golpe militar [em 1964] e foi gravíssimo para mim porque como ator também não podia fazer a peça que quisesse.
Comecei a trabalhar posteriormente como redator na Editora Abril, em fascículos e em textos gerais. E como freelancer começaram a aparecer historinhas para escrever. Quando, aliás, já tinha uma quantidade de histórias feitas, fui incentivado pela Marisa Lajolo [professora de Teoria Literária e especialista em literatura infantil] a escrever um livro.
Assim, publiquei O Dinossauro que Fazia Au-Au (1983), quando eu já tinha 40 anos [há uma edição da Melhoramentos, de 2006]. Gostei da ideia e resolvi viver como freelancer de textos. Em seguida, fiz o livro Droga da Obediência (1984), que se transformou no livro infantojuvenil mais vendido no Brasil. E foi por intermédio desse livro que pude me profissionalizar e viver somente das histórias para crianças e adolescentes.
Adaptações
Nos meus textos não perco tempo com descrições, porém deixo um grande espaço para o leitor criar e imaginar enquanto lê. Aprendi a usar a linguagem do cinema, com aqueles cortes rápidos de uma cena para a outra, sem perder a ação. Consegui, dessa maneira, recriar Shakespeare nas minhas obras. Por exemplo, A Hora da Verdade é um livro em que uso trechos e falas inteiros adaptados de Otelo [L&PM, 1999].
Uso o mesmo recurso com as obras que vão de Shakespeare a Machado de Assis e Pedro Bandeira, todos misturados. Se ler Hamlet de trás para frente, por exemplo, fica Telmah, que é a personagem do Agora Estou Sozinha [Moderna, 2009]. Daí consegue-se perceber a mistura dos elementos shakespearianos com uma menina brasileira chamada Telmah. Ela tem as mesmas dúvidas de Hamlet numa história em que também há tragédias. Aliás, as principais falas de Hamlet estão lá adaptadas. Recriei várias outras histórias, à minha maneira de contar. Mas nunca alterei a base original, jamais porque o conteúdo do autor precisa ser respeitado.
Leitura de colo
Minha mãe me botou no colo e me fez vibrar com a literatura do conto de fadas. Foi desse jeito que tive contato com o universo da fantasia e conheci heróis e vilões como a Branca de Neve, a bruxa, o Lobo e a Chapeuzinho Vermelho. O resto eu construí sozinho com a ajuda do mundo.
A criança deve começar a leitura no colo da mamãe, ouvindo histórias da carochinha. Deve ouvir cantos de ninar para dormir. As crianças precisam estar no colo do papai, vendo livrinhos coloridos.
Precisamos deixar que a criança escolha o que ela quer ler. Como a leitura era meu passatempo, eu lia o que queria. Li Shakespeare por diversão, achava lindo, tentava decorar a fala de Romeu [Romeu e Julieta, Objetiva, 2003] no balcão para, quem sabe, agradar uma menina. Claro que isso não ia dar certo [risos]. Li Dom Quixote como uma aventura de cavalaria. Lia as histórias do Alencar como aventuras de índios, o Peri que capturava a onça à unha. Não adianta empurrar Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis [Editora Globo, 2008], para uma criança que não tem hábito de leitura.
É preciso mostrar à criança o mundo da fantasia, da emoção, o mundo da poesia. E daí para frente ela vai prosseguir como quiser. Não podemos obrigá-la. Agora, se o leitor não quiser os meus livros e preferir o Harry Potter [série de aventuras fantásticas, escrita pela escritora britânica J. K. Rowling], acho ótimo. Ele estará lendo um livro de mil páginas. Você acha que ler mil páginas é ser um mau leitor? Atualmente, estão lendo o Crepúsculo [série de histórias de suspense e terror da norte-americana Stephenie Meyer] e também acho isso ótimo.
“É preciso mostrar à criança o mundo da fantasia, da emoção, o mundo da poesia. E daí para frente ela vai prosseguir como quiser”