Postado em 09/03/2011
por Evanildo da Silveira
A copa cerrada das árvores, as nuvens quase permanentes, a floresta impenetrável e a imensidão e as longas distâncias sempre dificultaram o pleno conhecimento da Amazônia e de suas riquezas. Agora, no entanto, a situação começa a mudar, com a tecnologia ajudando a desvendar os segredos da floresta. Ela está sendo usada num projeto de cartografia destinado a mapear em detalhes o relevo, as riquezas minerais, os rios e até a altura das árvores de uma área de 1,8 milhão de quilômetros quadrados, um terço do total da região. Esse é somente um dos trabalhos coordenados pelo Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), órgão civil que incorporou o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), idealizado na década de 1990 pelas forças armadas para monitorar o espaço aéreo da floresta amazônica.
Criado em 1999, o Sipam entrou em operação em 2002 e desde então vem instalando computadores, telefones, fax e e-mail por satélite, plataformas de coleta de dados meteorológicos e ambientais, radares meteorológicos e de vigilância, sofisticadas antenas parabólicas e outros equipamentos de primeira geração não só em cidades, mas também em locais afastados e comunidades isoladas de toda a Amazônia Legal brasileira, que engloba uma área de 5,2 milhões de quilômetros quadrados, espalhados por nove estados. Esses equipamentos permitem a coleta de um conjunto variado de informações sobre a região.
São dados que vão desde a biodiversidade, o clima e a situação dos rios até o mapeamento preciso de áreas desmatadas e queimadas. Também podem ser obtidas informações sobre ocupação e uso do solo, garimpos ilegais, focos de epidemias e pistas de pouso clandestinas – usadas por traficantes de drogas, por exemplo. Todo esse conhecimento é armazenado num banco de dados do Sipam, que os disponibiliza para órgãos dos governos federal, estaduais e municipais, com interesses na Amazônia.
Na verdade, o sistema funciona em cogestão com órgãos parceiros, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Polícia Federal e o Ministério da Defesa. São, ainda, mantidos convênios com instituições de pesquisa, como a Universidade Federal do Amazonas (Ufam), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG).
Todos esses órgãos e instituições trocam informações com o Sipam e entre si. O Ibama, por exemplo, coleta dados sobre o meio ambiente ou queimadas e os envia para o banco do sistema, que depois os coloca à disposição de outros parceiros. Para isso, o Sipam conta com três centros regionais – em Manaus, Porto Velho e Belém – e cerca de 40 outros menores em torno deles. Entre os equipamentos de que o órgão dispõe estão as antenas VSAT (Very Small Aperture Terminal), que permitem a transmissão de dados e de voz, videoconferências e conexão com a internet. Por serem compactas, elas são indicadas para regiões remotas, em que a infraestrutura é inexistente ou pouco desenvolvida.
Novos equipamentos
Nos primeiros anos de existência do sistema foram instaladas 550 antenas VSAT, em aldeias indígenas, postos da Funai e do exército, prefeituras e escolas espalhadas por toda a Amazônia Legal, que ao longo do tempo vêm sendo trocadas por modelos mais modernos. Uma das vantagens dessa substituição é que os novos equipamentos não sofrem interferência das nuvens, que bloqueavam os sinais dos usados anteriormente, além de ter um custo de manutenção mais baixo.
Graças a isso, comunidades distantes da Amazônia foram integradas à era digital. Um exemplo são os seringueiros da Reserva Extrativista Chico Mendes, a primeira do tipo a ser criada pelo governo federal, em 1990, localizada no município de Assis Brasil, no Acre, a 344 quilômetros da capital do estado, Rio Branco. No dia 28 de abril do ano passado, dois telecentros com computadores e acesso à internet foram inaugurados, um na comunidade do Seringal Icurã, na floresta, e o outro na Associação de Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Assis Brasil (Amopreab), na cidade.
A iniciativa é fruto de uma parceria de várias entidades com o Sipam. A prefeitura e a Amopreab identificaram os locais e prepararam as instalações, e o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) doou os computadores, com softwares livres, capacitou os agentes locais e deu suporte técnico para integrar as comunidades. O Sipam, por sua vez, entrou com a instalação da antena VSAT, que possibilitou aos moradores locais e às 150 crianças da escola do seringal o acesso à rede mundial de computadores.
Presidente Figueiredo, a 107 quilômetros de Manaus, é outro município amazônico que tem parceria com o Sipam. Em setembro de 2009, foi assinado um acordo de cooperação técnica entre eles e elaborado um plano de trabalho com a prefeitura local. Além de ter fornecido à Secretaria Municipal do Meio Ambiente um terminal VSAT, com antena, telefone, fax e acesso à internet, o sistema passa informações sobre previsão do tempo e dados referentes a desmatamentos e queimadas, por meio do Programa de Monitoramento de Áreas Especiais (ProAE). Depois de mais de um ano de funcionamento do acordo, as autoridades de Presidente Figueiredo avaliam de forma positiva os resultados alcançados com a parceria. “Com o Sipam, temos nos aprofundado cada vez mais no conhecimento dos problemas do município”, diz o fiscal ambiental Laurinaldo Merces Lima, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente.
Justiça digital
O Sipam também está tornando possível a digitalização e a aceleração dos processos judiciais no Amazonas. O Tribunal de Justiça daquele estado, em conjunto com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), assinou um convênio com o sistema para obtenção dos meios de comunicação necessários para que a Justiça amazonense pudesse adotar o Processo Judicial Digital (Projudi) – software de tramitação de processos judiciais mantido pelo CNJ, ao qual 19 dos 27 estados brasileiros já aderiram.
Também chamado de processo virtual ou eletrônico, o Projudi tem como objetivo gerenciar e controlar os trâmites judiciais nos tribunais de forma digital, reduzindo tempo e custos. “O principal intuito é a completa informatização da Justiça, retirando burocracia dos atos processuais e permitindo o acesso imediato aos processos”, explica o gerente do Setor Projudi no Tribunal de Justiça do Amazonas, Breno Figueiredo Corado. “Nosso estado passou a utilizá-lo em 2007.”
De acordo com ele, o auxílio do Sipam tornou possível a utilização do Projudi pelos cartórios. “Com isso, agora podemos administrar o trâmite virtual (sem papel) ou não, desde a distribuição do processo para a respectiva vara até a decisão final de determinada ação”, explica Corado. “Além de acelerar a tramitação, as antenas VSAT permitem a interação das partes do processo, estando elas em qualquer lugar do mundo onde haja acesso à internet.”
As possibilidades abertas para as pesquisas também angariaram ao sistema apoio e elogios da comunidade científica da Amazônia. Entre os pontos ressaltados está a capacidade de obter e integrar informações. Os radares dos aviões utilizados pelo Sipam podem, por exemplo, estimar a biomassa vegetal com grande precisão – uma informação importante para estudos de carbono e manejo florestal, por exemplo. “O Sipam é de extrema relevância por sua capacidade de comunicar-se com centenas de pontos na Amazônia, obtendo informações em tempo real”, diz o engenheiro civil Estevão Vicente Monteiro de Paula, coordenador de Ações Estratégicas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Ele destaca o potencial do sistema para suprir a carência local de dados meteorológicos precisos, que possam ajudar a entender as mudanças climáticas e a fazer previsões para a agricultura e outros setores. “Seus equipamentos para sensoriamento remoto são fundamentais para monitorar e estudar as secas e cheias na Amazônia, além de fornecer informações relacionadas à proteção e ao uso do solo.”
Vazio cartográfico
Paralelamente a toda essa atuação, o Sipam é responsável pela coordenação do projeto Cartografia da Amazônia, que começou em 2008 e deve estar concluído em 2014. No total, serão investidos R$ 350 milhões nesse período, dos quais R$ 158,8 milhões, ou 45,4%, já foram gastos na compra de equipamentos, modernização tecnológica e em operações de campo e sobrevoos. O objetivo é mapear o chamado vazio cartográfico – uma área de 1,8 milhão de quilômetros quadrados sobre a qual não há informações na escala 1:100.000 (um por 100 mil, ou seja, em que 1 centímetro no mapa corresponde a 1 quilômetro de território). Do total que será desvendado, 1,142 milhão de quilômetros quadrados são áreas de florestas e 658 mil correspondem a trechos desmatados, campos naturais ou ocupação urbana.
Além de dados sobre o terreno e a cobertura vegetal, será possível identificar ainda a presença de estradas, pistas de aviação clandestinas, aldeias indígenas ou construções ilegais, entre outras informações. Os mapas produzidos pelo projeto serão os mais detalhados da Amazônia. Desenvolvidos pela empresa brasileira OrbiSat, que tem participação acionária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), os sensores e radares cartográficos que equipam os aviões usados pelo Sipam são capazes de “ver” toda a superfície terrestre, mesmo durante a noite ou quando há nebulosidade ou fortes chuvas.
Com a participação do exército, da força aérea, da marinha, do Ministério da Defesa e do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), o projeto foi desmembrado em três partes: Cartografia Terrestre, Cartografia Geológica e Cartografia Náutica. Dessas, a que está mais adiantada é a terrestre. Segundo seu coordenador, general Pedro Ronalt Vieira, titular da Diretoria de Serviço Geográfico (DSG) do exército, até agora já foram imageados 983 mil quilômetros quadrados, o que corresponde a aproximadamente 86% da área total de floresta tropical densa a ser sobrevoada. “A previsão é concluir o imageamento da área restante de 159 mil quilômetros quadrados até o final de 2011, antecipando em 12 meses o prazo previsto”, diz. “A fase de processamento dos dados brutos de radar e a elaboração dos produtos cartográficos serão finalizadas apenas em 2014.”
Riquezas minerais
O subprojeto Cartografia Geológica encontra-se em execução, segundo informa Manoel Barretto, diretor de Geologia e Recursos Naturais do CPRM e que está à frente dos trabalhos. Quanto ao de Cartografia Náutica, ainda não iniciado, está em fase de licitação para a fabricação de cinco navios, destinados a levantamento hidrográfico. A marinha tem R$ 43 milhões para construir, em estaleiros nacionais, essas embarcações equipadas para a tarefa. Elas irão revelar a dimensão exata da rede fluvial da Amazônia, por onde trafegam produtos responsáveis por 95% do PIB da região. O trabalho permitirá que se conheça pela primeira vez, em detalhes, toda a malha dos rios amazônicos e seu padrão de drenagem.
Na opinião do general Ronalt, o projeto Cartografia da Amazônia é estratégico, pois tornará possível o aprofundamento do conhecimento sobre a região, por meio do mais completo conjunto de dados até hoje obtidos. Segundo ele, essas informações servirão também para a elaboração do zoneamento econômico e ecológico, de relatórios de impacto ambiental, de mapeamento da fauna e da flora e para pesquisas de recursos minerais.
Isso, porém, ainda não é tudo. O general Ronalt acrescenta que todo esse conhecimento gerado servirá de base para a implantação de grandes projetos de infraestrutura, tanto oficiais quanto da iniciativa privada, como rodovias, ferrovias, gasodutos e hidrelétricas. “Além disso, terá importante papel na demarcação de áreas para assentamentos, agronegócio, ordenamento e segurança territorial, escoamento de produção e desenvolvimento regional”, diz ele. “Ou seja, colocará à disposição da sociedade civil e dos poderes públicos importantes instrumentos para o planejamento, a gestão e a tomada de decisão.”